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Revogação do Teto de Gastos, Pacto Federativo e regulamentação do Fundeb: a luta por educação de qualidade continua em 2021

Promulgação do novo Fundeb foi conquista importante de 2020, mas não basta para mitigar os efeitos de crises econômicas e sociais exacerbadas pela pandemia

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A conclusão de que 2020 foi um ano atípico e com grandes desafios é praticamente unânime, e na educação não foi diferente. A pandemia evidenciou e intensificou desigualdades educacionais e afetou diretamente o financiamento de áreas sociais no país. Os debates em torno da aprovação do novo Fundeb e, posteriormente, de sua regulamentação também marcaram 2020, representando uma importante conquista rumo à educação de qualidade para todas e todos. Mas nenhuma dessas discussões se encerrou no ano passado. As medidas de austeridade que impactam a Educação seguem em vigor, assim como o debate em torno do retorno seguro às aulas presenciais. Ainda, a regulamentação do Fundeb necessita de outros debates e leis complementares para sua completude. 

A partir dos principais acontecimentos e aprendizados de 2020 para a Educação, elencamos aqui alguns dos principais desafios para o ano que se inicia, comentados por representantes de diferentes frentes de luta pela Educação de qualidade. 

O novo (e permanente) Fundeb

A promulgação da Emenda Constitucional 108 em agosto, que tornou o Fundeb permanente, foi uma conquista significativa de 2020. O fundo é o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país e pode garantir maior equidade na educação ao destinar mais recursos para redes mais necessitadas, sem desamparar nenhuma outra. O novo Fundeb incorporou avanços como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – ambos mecanismos criados pela sociedade civil -, o sistema de repasse híbrido e a maior contribuição da União na complementação de recursos. Ainda, o novo Fundeb destina 70% dos recursos para a valorização de todos os profissionais da educação e proíbe o desvio dos recursos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino para o pagamento de aposentadorias.

>>>> Entenda como o Fundeb pode enfrentar desigualdades educacionais e garantir maior equidade 

Os projetos de regulamentação do Fundo – etapa necessária para que ele entrasse em vigor em janeiro de 2021 – foram apresentados logo após a promulgação. No entanto, a discussão ficou parada no Congresso por meses, também prejudicada pelo período de eleições municipais. O projeto de regulamentação só tramitou em dezembro, tendo sido aprovado na última semana antes do recesso parlamentar, não sem embates. O projeto de regulamentação apresentado inicialmente pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) havia recebido destaques que aumentavam o repasse para instituições privadas. Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). O Senado rejeitou as emendas e votou pelo texto original, aprovado pela Câmara no dia 17 de dezembro. A base governista ainda tentou obstruir a votação da matéria, mas não conseguiu. A sanção presidencial aconteceu na semana seguinte. 

“O processo colocou as conquistas da EC 108/2020 em grande risco. Pelo risco de virar o ano sem esta regulamentação, o que inviabilizaria o início de implementação do Fundeb a partir de janeiro de 2021, ou pelo risco de ser editada uma Medida Provisória com retrocessos, com afobamento e abrindo espaço para agendas privatistas e inconstitucionais, a Câmara aprovou um texto inicial que seria extremamente danoso ao Fundo. Através de uma mobilização ampla liderada pela Campanha e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e dos estudos técnicos da Campanha e da Fineduca, conseguimos que esses retrocessos fossem rechaçados no Senado Federal e depois confirmados pela Câmara. Somente essa conquista já é uma vitória imensa, pois conseguimos preservar os preceitos aprovados na Constituição e conseguiremos avançar de fato em termos de financiamento da educação básica”, avalia Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 

No entanto, ativistas ressaltam que o texto aprovado também não foi o ideal. Heleno Araújo, presidente da CNTE, ressalta que embora a promulgação em meio ao governo Bolsonaro seja uma conquista, ainda restam trechos “contraditórios” com o objetivo do Fundeb de reduzir desigualdades. Por exemplo, a vinculação de parte dos recursos ao desempenho das redes municipais e estaduais – o que pode dar mais recursos para redes que já estão em melhores condições. Heleno também considera que a pressa em aprovar o novo Fundeb e sua regulamentação prejudicaram o debate junto à sociedade. 

O professor da Faculdade de Educação da USP, Eduardo Januário, também critica a pouca inserção da pauta racial no debate. “Não há dúvidas sobre o avanço do Novo Fundeb em relação ao anterior, mas houve poucos esforços dos movimentos sociais ligados à educação e dos parlamentares quando considerado o processo de luta por justiça social a partir da discussão das desigualdades raciais”, diz. Um exemplo dessa estagnação é a ausência, nas condicionalidades para distribuição de verba, de um indicador que priorize previamente o combate à desigualdade racial. “Os acordos internacionais que consideram a educação como mecanismo primordial para o combate à desigualdade racial poderiam ser melhor observados durante todo o processo, com destinação de verba específica para tal. É possível qualquer projeto que visa tratar equidade fazê-lo sem tratar a questão racial?”. 

 “A pandemia mostrou que o processo adequado para o ensino-aprendizagem envolve todos os segmentos da comunidade escolar” – Heleno Araújo, presidente da CNTE

A não inclusão, na EC 108, dos demais profissionais da educação na discussão sobre o piso salarial e a não definição de prazos para alguns convênios com instituições privadas também são alvo de críticas. Sobre o primeiro item, o presidente da CNTE lembra que “o artigo 206 da Constituição explicita que o piso salarial profissional nacional é para o conjunto de profissionais, que são listados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ao tratar do piso somente para professoras e professores, a Emenda 108 abandona ou descumpre o que determina a Constituição. São propostas que não atendem às reivindicações históricas dos trabalhadores e das trabalhadoras em educação”, diz Heleno Araújo. 

Já a coordenadora-geral da Campanha, Andressa Pellanda, ressalta a vitória da mobilização em um contexto adverso: “Foram cinco anos de tramitação para aprovação deste novo e permanente Fundeb, marcados por tentativas fortes de redução do recurso público para a educação pública, de privatização da educação e de desresponsabilização do papel importantíssimo da União no financiamento ativo da educação básica. Esses grupos e pautas foram vencidos por nossos estudos técnicos de alto nível, por mobilização social da comunidade educacional e por melhor articulação política das instituições e ativistas que defendem a educação como direito. Isso precisa ser registrado, a mobilização social foi decisiva para essa vitória”, celebra. 

“O Movimento Negro centrou suas forças em denunciar que o racismo, escancarado pela pandemia, está instituído no modelo econômico e nos mecanismos do Estado, mas a mobilização mais efetiva na agenda do Fundeb se deu apenas no momento da regulamentação. Poderíamos ter avanços maiores se houvesse esforço específico ao tema racial” – Eduardo Januario, professor da Faculdade de Educação da USP

CAQ, Sinaeb e Sistema Nacional de Educação (SNE)

No entanto, a regulamentação do Fundeb não se encerra com a aprovação da Lei 14.113/20. Há outros mecanismos previstos na Emenda Constitucional 108 que ainda precisam de leis complementares, como o CAQ, o Sinaeb e o SNE. O Custo Aluno-Qualidade (CaQ) determina quanto deveria ser investido por estudante (considerando sua etapa de ensino, localidade e outros fatores) para garantir as condições adequadas de ensino e aprendizagem; o Sistema Nacional de Educação organiza o regime de  colaboração entre os diferentes níveis de governo; e o Sinaeb é a política de avaliação base para a distribuição de parte dos recursos da complementação da União. Dos 23% mínimos, 2,5% devem estar vinculados a indicadores de aprendizagem e de enfrentamento das desigualdades, que por sua vez devem estar especificados na regulamentação do Sinaeb até 2023. 

Na tramitação da regulamentação do Fundeb, o movimento negro foi crucial para incluir a luta pelo combate à desigualdade racial na lei aprovada. No artigo 14, especificou-se que um dos critérios para o repasse dos recursos (VAAR) é a redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica. No entanto, o VAAR ainda segue em regulamentação. Ainda, dispositivos como os fatores de ponderação, que determinam quanto será o investimento por aluno em diferentes etapas e modalidades de ensino,  também ainda serão revistos. Para 2021, valem os mesmos fatores da primeira versão do Fundeb. Na avaliação de Andressa Pellanda e do professor Eduardo Januario, o texto aprovado não foi suficientemente ousado nos fatores de ponderação para etapas e modalidades historicamente subfinanciadas, como a educação infantil, do campo, quilombola e indígena, e educação de jovens e adultos. 

>> Negligenciadas por políticas públicas, escolas do campo, indígenas e quilombolas não têm acesso a insumos básicos 

>> Profissionais da educação indígena, quilombola e do campo ainda não são valorizados 

“Em 2021, precisaremos iniciar a implementação do Fundeb, que precisará ser construído com uma série de novos mecanismos de funcionamento. Essa implementação já vem com um golpe: a base para aumento do valor por aluno para 2021 já começa menor e, como o piso salarial tem vínculo com o valor por aluno, partiremos de um patamar menor também para o piso. Ainda, será preciso seguir no processo de regulamentação do SNE, Sinaeb e CAQ, três agendas muito grandes e muito complexas, mas muito necessárias sistemicamente e para o bom funcionamento do Fundeb a médio e longo prazos. São projetos construídos com trabalho árduo e precisam ser finalmente regulamentados e implementados. Somente com a regulamentação do SNE, do Sinaeb e do CAQ é que teremos uma regulamentação plena do Fundeb”, destaca a coordenadora-geral da Campanha. 

Outros mecanismos de financiamento

Embora tenha sido uma vitória significativa em 2020, o novo Fundeb não garante, sozinho, os recursos necessários para assegurar uma Educação de qualidade para todas e todos. O financiamento da Educação é profundamente afetado por outras medidas macroeconômicas, que continuam a desfinanciar a educação mesmo em um contexto de emergência sanitária como a pandemia de Covid-19.  Nesse sentido, atuar para reverter esses retrocessos será crucial em 2021. 

Entre as medidas de maior impacto estão a Emenda Constitucional 95 (o Teto de Gastos), que limita os gastos em áreas sociais por 20 anos e a PEC 188 (do Pacto Federativo), que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação, fazendo as áreas essenciais disputarem orçamento. Ainda, o Orçamento de 2021 não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. 

>> Cinco pontos para entender como medidas macroeconômicas afetam a educação 

Para se ter uma ideia da falta de investimentos na Educação pública, 32.6 bilhões de reais não foram destinados à Educação em 2019, apesar de estarem previstos no orçamento. E desde que a Emenda Constitucional 95 entrou em vigor, muitos programas educacionais tiveram seu orçamento significativamente reduzido. As despesas com programas suplementares realizadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, caíram 33.9% entre 2014 e 2019. Em 2020, a Lei Complementar 176 também limitou o recebimento de recursos via novo Fundeb. “Ou seja, 2021 ainda será de muito trabalho se quisermos seguir avançando para conseguir cumprir com o que determina nossa Constituição e nossa legislação”, lembra Andressa Pellanda. 

Para a CNTE, a garantia da participação social é outra pauta prioritária em 2021, além da mobilização de toda a comunidade escolar para fazer frente às tentativas de retrocesso, como reformas administrativas e tributárias regressivas, a PEC 188 e o Teto de Gastos. “São muitas as lições que 2020 nos deixou. A importância do Estado ficou escancarada e a pandemia nos mostrou como é preciso investir nas escolas públicas do nosso país para elas serem um ambiente de segurança sanitária e para os estudos. É preciso investir nas escolas para que tenham banheiro, água, energia e equipamentos e conexão”, resume. 

Aprendemos em coletivo, lutamos em coletivo e vencemos em coletivo, para garantir que nosso povo tenha a justiça social que lhe é de direito.“ – Andressa Pellanda, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação

Planos de Educação

Ainda, é necessário assegurar que os Planos de Educação, políticas de estado que devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder, sejam cumpridos. 

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. A ele, se seguiram os Planos de municípios e estados. No entanto, o PNE não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação – intensificadas pela pandemia e pelas transições municipais. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos elaborou um folheto com recomendações para avançar na implementação dos planos de Educação. O material tem download gratuito e pode ser acessado neste link. 






Iniciativa De Olho Nos Planos lança material com recomendações para avançar na implementação dos Planos de Educação

As orientações são voltadas para momentos de transição das gestões educacionais, a fim de garantir a continuidade das políticas locais de Educação

A Iniciativa De Olho Nos Planos lança, nesta sexta (18), o guia Transição municipal, pandemia e Planos de Educação. O Guia, voltado a gestores municipais, traz diversas orientações para avançar na implementação dos Planos de Educação, de maneira a garantir melhoria na qualidade da educação para todas e todos e a redução das desigualdades educacionais, acirradas ainda mais em um contexto de pandemia Covid-19.

O material foi pensado especialmente para o momento de transição das gestões educacionais, momento desafiador para a continuidade dos Planos de Educação. As sete recomendações exploram a necessidade de garantir o financiamento adequado para a Educação, de fortalecer os Fóruns de Educação e da colaboração entre os entes federados e a construção de alianças intersetoriais. O guia ainda reforça a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação da escola como importante estratégia de monitoramento participativo dos Planos de Educação.

Inspirado em webinário e posicionamento público realizados no mês de dezembro de 2020, o material leva em conta os impactos da pandemia de Covid-19 na educação, enfatizando que os Planos de Educação devem também buscar revertê-los. 

O Folheto é gratuito e está disponível para download neste link

Câmara aprova regulamentação do Fundeb e rejeita emendas privatistas

Sessão de Promulgação da EC 108, o novo Fundeb.
Sessão de Promulgação da EC 108, o novo Fundeb, em agosto/2020.

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (17), o projeto de lei (PL 4372/20) que regulamenta o repasse de recursos do Fundeb a partir de 2021. Por 470 votos a 15, os deputados aceitaram a versão aprovada pelo Senado, que excluiu as mudanças feitas pela Câmara com emendas que aumentavam o repasse para instituições privadas. Agora o texto vai à sanção presidencial para poder valer já em 2021. 

Durante a votação na Câmara, o Partido Novo foi o único a orientar sua bancada a votar contra o texto aprovado pelo Senado. O partido apresentou destaque para reincluir no texto a contagem de matrículas dos ensinos fundamental e médio das escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para receberem repasse de recursos do fundo. O destaque foi rejeitado por 286 votos a favor do texto original e 163 contra. 

Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). 

Quando o texto foi para votação no Senado, foi rejeitado. A Casa aprovou a votação do  texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional. Na segunda votação da Câmara, a base governista ainda tentou obstruir a votação da matéria. 

“Apesar das tentativas de partidos da base do governo de retirar recursos das escolas públicas e repassar para entidades privadas desconfigurando, inclusive, a EC 108 aprovada em agosto; a pressão popular foi mais forte e, por meio de mobilização nas redes sociais, construção de argumentos técnicos e articulação política conseguimos derrubar o destaque do partido Novo e garantir recursos públicos para as escolas públicas. Uma grande vitória em um contexto de frequentes ataques à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas”, diz Claudia Bandeira, Assessora da Área da Educação da Ação Educativa.

Confira aqui as principais mudanças trazidas pelo novo Fundeb.

Senado rejeita proposta privatista e texto de regulamentação do Fundeb retorna à Câmara

Destaques que aumentavam repasse para instituições privadas foram excluídos e Câmara votará texto original do deputado Felipe Rigoni

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado


O projeto de regulamentação do Fundeb foi a voto no Senado na terça-feira (15). A Casa rejeitou os destaques que permitiam maiores repasses para instituições privadas, como escolas confessionais e filantrópicas, e aprovou o texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional. 

O presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) reconheceu que a pressão exercida pelos movimentos sociais foi decisiva para que a Casa revertesse a decisão da Câmara. Os destaques aprovados na Câmara e rejeitados pelo Senado agradavam o governo ao expandir as instituições privadas que poderiam receber repasses do fundo. Além disso, desvalorizavam as profissionais da educação ao permitir que recursos do Fundeb fossem utilizados para pagar profissionais da rede privada. 

Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). A Campanha, em carta publicada logo após a aprovação, parabenizou e agradeceu senadoras e senadores pela decisão: “O Senado Federal demonstrou respeito à Constituição Federal de 1988 e à EC n. 108/2020 do novo e permanente Fundeb. A Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação espera que a Câmara dos Deputados não cometa novo desatino e altere novamente o texto”, diz a nota. 

O projeto retorna à Câmara dos Deputados para nova votação ainda esta semana.

Câmara aprova regulamentação do Fundeb que privatiza a educação pública e desvaloriza ainda mais as profissionais da educação

Após descumprimento de acordos de negociação, o documento aprovado manteve retrocessos para a educação pública e segue agora para o Senado

Deputado Felipe rigoni discursa em plenário. Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Na quinta-feira (10), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo Fundeb. O texto, de relatoria do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), apresenta retrocessos ao texto constitucional promulgado em agosto, aumentando os repasses do fundo para redes privadas. Após a aprovação na Câmara, o projeto segue agora para o Senado Federal. 

Um dos pontos aprovados, e que agradou o governo, foi a possibilidade de repasse de recursos do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Os conveniamentos também passam a ser permitidos para instituições privadas de Ensino Técnico de Nível Médio, como o Sistema S.

O texto que vai ao Senado também retrocede ao permitir o pagamento de profissionais que trabalhem nessas instituições privadas com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação. Tais movimentos, como apontado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e pela Fineduca, prejudicam diretamente a educação pública – tanto ao incentivar conveniamentos como reduzindo ainda mais o salário dos profissionais das redes públicas, que já ganham 24% a menos que os profissionais com a mesma formação.  

Diversas entidades do campo da educação já responderam a tramitação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) avalia que o texto, tal como aprovado, desconfigura o Fundeb e privatiza a Educação. A Campanha Nacional Pelo Direito à Educação divulgou uma Carta à Sociedade Brasileira apontando os retrocessos do texto aprovado nesta carta. Nas palavras da organização, o texto-base”não respeita a Constituição Federal de 1988 e o pacto democrático pelo direito à educação”:

Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, é lamentável que se tenha aprovado tantas afrontas ao Direito à Educação.

A EC n° 108/2020, contudo, ainda representa uma grande vitória e um grande avanço para a educação brasileira, ampliando recursos, aprimorando a distribuição, prevendo o Custo Aluno-Qualidade como referência e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica como avaliação. Esta nossa vitória não será aplacada, ainda que a Câmara dos Deputados não tenha feito jus ao texto que as/os próprias/os deputados e deputadas votaram.

O Senado Federal deve impreterivelmente corrigir esses rumos inaceitáveis, respeitar a votação unânime ao texto da Emenda do Fundeb naquela Casa e garantir melhorias que sacramentem os avanços já conquistados na Constituição Federal de 1988.

Seguiremos trabalhando para o melhor texto legislativo, que possa garantir os avanços necessários para uma fiel e robusta implementação do novo Fundeb.

Confira a carta na íntegra neste link

Posicionamento público: Novas gestões municipais devem realizar planejamento norteadas pelo cumprimento dos Planos de Educação

Documento apresenta recomendações a novas gestoras e gestores sobre os Planos e elenca os principais pontos a serem levados em conta

A iniciativa De Olho nos Planos emite posicionamento público

A iniciativa De Olho nos Planos emite posicionamento público sobre a transição municipal e os Planos de Educação.  O documento defende que as próximas gestões municipais devem dar continuidade aos Planos de Educação, trabalhando para cumprir suas metas mesmo em contexto de pandemia e respeitando o processo democrático que caracterizou a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). 

Acesse aqui o posicionamento completo.

Gestão democrática, diálogo e alianças intersetoriais: recomendações para cumprir os Planos de Educação

Webinário da iniciativa De Olho nos Planos trouxe desafios e recomendações aos novos gestores municipais para que trabalhem no sentido de cumprir os Planos de Educação

EBC/Divulgação

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de anos de debates, articulação e mobilização da sociedade civil e de entidades do campo educacional, o PNE sublinha a importância do planejamento para a Educação. Norteados pelo PNE após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para construírem seus planos por meio de processos participativos, também com o objetivo de orientar a gestão educacional e o controle social. 

No entanto, o Plano Nacional de Educação não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação. 

Por serem políticas de Estado com duração de dez anos, os planos de educação devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder. No entanto, a descontinuidade tem se mostrado um imenso desafio para a garantia do direito à Educação em todo o país, sendo os cortes no financiamento da Educação um dos principais motivos. 

As transições municipais sempre foram um momento delicado para os Planos de Educação. Em contexto de pandemia – que alterou não apenas o calendário escolar, mas também orçamentos, repasses e exigiu ações emergenciais – os desafios se multiplicaram. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos promoveu o webinário “Planos de Educação, transição municipal e pandemia: desafios e recomendações” (assista aqui), a fim de mapear desafios, alertar para as importância do planejamento no campo educacional e deixar recomendações às novas gestoras e gestores. A seguir, condensamos os principais pontos abordados no debate, com indicações de materiais para consulta posterior. 

Importância dos Planos

Os planos de educação têm peso de lei e refletem os desejos da sociedade. Ainda, reforçam a necessidade do planejamento para efetivar o direito à Educação de todas e todos, em todos os níveis de ensino. “A ideia é ter uma ‘espinha dorsal’ que não seja modificada a cada gestão, porque objetivos de educação são objetivos de prazo mais largo”, resume Romualdo Portela, presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE). Essa característica explica a importância de se olhar para os planos em um momento de transição municipal.

“É muito importante dar visibilidade aos planos pois são leis aprovadas legitimamente, representando o que a sociedade demandou. Não são apenas um conjunto de metas e estratégias, mas representam a perspectiva da construção do direito à educação como condição essencial de cidadania”, complementa Gilvânia Nascimento, coordenadora da União Nacional dos Conselheiros Municipais de Educação da Bahia (UNCME-BA). Por isso, é tarefa da sociedade acompanhar seu cumprimento e tirá-los da invisibilidade. Em momento de transição, os planos municipais de educação precisam ser conhecidos das novas gestoras e gestores, que devem incorporá-los no planejamento dos próximos quatro anos. 

Em um contexto de crise política, econômica e sanitária é preciso articular a discussão sobre o aumento da eficiência do gasto público ao cumprimento dos planos. “O contexto é complexo e desafiador, mas sem planejamento fica muito mais difícil para os municípios. Precisamos pensar nisso, atrelando essa discussão ao contexto político e econômico que vem fragilizando o direito à educação e criando mais dificuldades para os municípios cumprirem suas responsabilidades constitucionais”, resumiu Gilvânia, que no webinário alertou também para governos que tentam agir isoladamente, indo contra o que já foi definido nos planos locais. 

É necessário identificar quais as instâncias responsáveis pelo monitoramento em cada município e mobilizá-las para discutir uma agenda propositiva referente à transição municipal e ao plano de educação. – Gilvânia Nascimento, coordenadora da UNCME-BA

É fundamental reconhecer que os planos de educação são lei. Precisamos responder a eles.  – Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime

Impactos da pandemia

Um desafio para a próxima gestão é compensar os impactos da pandemia de Covid-19 na educação. O fechamento das escolas e a migração de muitas atividades para o online acabaram por aumentar ainda mais as desigualdades já existentes no país. Também realçaram o papel da escola não só na garantia do direito à educação mas também a outros direitos como segurança alimentar e proteção de crianças e adolescentes.

Neste último tema, por exemplo, dados preliminares de uma relatoria de direitos humanos da Plataforma Dhesca sobre alimentação escolar durante a pandemia mostram que as cestas básicas adotadas em substituição à merenda deixam a desejar em quantidade e qualidade dos alimentos ofertados. Ainda, a pesquisa PNAD-Covid indica que mais de 6 milhões de estudantes ficaram afastados das atividades escolares durante a pandemia –  o que impacta abandono e evasão escolar. Garantir o retorno às aulas presenciais com segurança é outro desafio, visto que há escolas sem acesso a saneamento básico, entre outros insumos básicos. Mapeamento realizado pela Iniciativa De Olho Nos Planos averiguou essa realidade em escolas indígenas, quilombolas e do campo no país, onde a pandemia exacerbou problemas de acesso pré-existentes. 

“Os excluídos são aqueles que se incorporaram mais recentemente aos processos educativos. Portanto, se entendemos que educação é um direito, é preciso se preocupar em incorporar aqueles eventualmente excluídos. As novas administrações devem considerar que houve prejuízo real para o aprendizado esse ano e desenvolver políticas entendendo que a recuperação não será imediata. Isso inclui políticas de busca ativa escolar, combate à reprovação, que não resolve problema nenhum e só acelera a exclusão, etc. Em suma, é preciso considerar este ano como excepcional, como um ano que vai ter que ser compensado nos próximos”, recomenda Romualdo Portela.  

Gestão democrática, participação e alianças 

Se o objetivo é cumprir as metas previstas nos planos de educação, especialmente durante a pandemia de Covid-19, é crucial construir alianças intersetoriais e garantir a participação e a gestão democrática – passos que refletem o processo que levou à construção dos planos e que garantem que as ações responderão às reais necessidades das comunidades escolares. Em momento de transição de gestões, assegurar a gestão democrática também permite dar continuidade a processos bem-sucedidos e corrigir os falhos. “Não aceitamos que uma legislação construída em tanto tempo, com tanta participação e com potencial real de redução de desigualdades seja simplesmente colocada de lado”, disse Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela completou: “Se a gestão democrática não acontece, não há como fazer política que de fato responda às necessidades e à realidade. Não adianta fazer políticas emergenciais sem escuta democrática”. 

O presidente da ANPAE, Romualdo Portela, concordou e afirmou: “Somente a organização da sociedade civil mobilizada pressionando as instituições vai fazer com que os planos sejam de fato implementados”. 

Nesse sentido, as debatedoras e debatedores avaliaram como ações necessárias: 

  • Dialogar com os novos gestores e gestoras eleitos recentemente sobre os planos de educação: prefeitas e prefeitos, dirigentes de educação e suas equipes; 
  • Acompanhar o ciclo orçamentário dos municípios; 
  • Realizar investimentos públicos em educação pública;
  • A pactuação entre diferentes instâncias federativas visando o monitoramento dos planos e a redução das desigualdades educacionais acirradas ainda mais em um contexto de pandemia; 
  • Realizar a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação participativa das escolas;
  • Fortalecer movimentos de base, que ajudam no controle e na incidência das agendas previstas nos planos de educação; 
  • Atentar-se para as discriminações de gênero, agindo para que sejam endereçadas pelas políticas públicas. Estas precisam ser combatidas para as políticas serem, de fato, inclusivas; 
  • Permanente diálogo entre Conselhos e Secretarias de Educação. 

É importante ter em mente os princípios básicos de gestão, que se tornam ainda mais importantes em cenários de crise: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade (e transparência) e eficiência. – Andressa Pellanda,  coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Só quando se ouve a comunidade escolar é possível fazer modificações de fato. É uma ilusão achar que vamos mudar a educação brasileira na canetada. Gestão democrática é eficiente, não ser democratico é ineficiente. – Romualdo Portela, presidente da ANPAE

A autoavaliação participativa da escola é uma estratégia muito importante de monitoramento dos planos. [Nós da Ação Educativa] atuamos na portaria do Sinaeb, previsto no artigo 11 do PNE, para que a autoavaliação fosse tida como fundamental no sistema de avaliação. Assim avançamos  no debate para além das avaliações externas em larga escala. – Claudia Bandeira, Assessora de educação na Ação Educativa

Financiamento da educação e contexto político 

Para pôr tudo isso em prática, não há dúvidas: é preciso ter recursos suficientes. Ou seja, o financiamento da Educação pública é tema central para o cumprimento dos planos de educação. 

O Fundeb, principal mecanismo de financiamento do país, tornou-se permanente em 2020 e incorporou grandes conquistas nesse sentido, assegurando mais recursos para os municípios e permitindo planejar políticas de educação a longo prazo. No entanto, o aumento de recursos será gradual e parte dele ainda está em disputa no processo de regulamentação do fundo. É preciso, portanto, garantir que a regulamentação não traga retrocessos em relação ao que foi aprovado. Por exemplo, que não amplie ainda mais a destinação de recursos públicos para escolas privadas, como autoriza o relatório do deputado Felipe Rigoni. Também vale lembrar que o montante do Fundeb se baseia no valor arrecadado por impostos, que deve ser afetado pela crise econômica. 

O não cumprimento do Plano Nacional de Educação [e dos estaduais e municipais] também é diretamente afetado pelo desmonte de políticas e órgãos educacionais, sobretudo os que tratam do enfrentamento de desigualdades. Soma-se a isso um contexto de desfinanciamento da educação pública e de áreas sociais, em que se destacam: 

  1. Emenda Constitucional 95 [Teto de Gastos], que limita radicalmente os investimentos em áreas sociais e essenciais, como saúde e educação. Para que sejam efetivamente cumpridos, é necessária a revogação da Emenda. 
  2. Proposta de Orçamento para 2021 que não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. Estudo da Coalizão Direitos Valem Mais indica que são necessários R$36 bilhões extras na Educação para combater as desigualdades que se aprofundaram durante a pandemia e para garantir que a reabertura de escolas seja feita com segurança. Nesse sentido, a demanda é por um piso emergencial mínimo para as áreas sociais. 
  3. PEC 188, do Pacto Federativo, que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação. Assim, as áreas essenciais disputariam o orçamento. 
  4. Ataques a processos participativos e de controle social, como intervenção do governo no Fórum Nacional de Educação e na Conferência Nacional de Educação (CONAE) e o Decreto 9759/2019, que restringiu a participação e o controle social. 

Precisamos tornar o financiamento da educação uma pauta de toda a sociedade. Não há como materializar políticas efetivas para garantia do direito à educação sem a garantia dos recursos adequados. – Gilvânia Nascimento (Uncme-BA)

“Só combinando luta institucional com pressão popular é que vamos conseguir, de fato, colocar a educação no centro da agenda das políticas públicas”  –
Romualdo Portela, presidente da ANPAE

Consulte:

  1. NOTA TÉCNICA: Recomendações para a disponibilização e a coleta de dados sobre as ações das redes de ensino relacionadas às atividades educacionais durante a pandemia da Covid-19 – guia para p gestões municipais abordando como fazer políticas emergenciais com gestão democrática e transparente.
  2. Guia COVID-19 – Volume 9: Eleições Municipais – série de recomendações para gestões municipais sobre educação,  como os processos para reabertura das escolas, financiamento adequado e necessidade de cumprimento de planos de educação. 
  3. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil: dos Projeto-Político Peagógicos das Escolas à Política Educacional
  4. Programa de Ação “Ocupar escolar, proteger pessoas e valorizar educação“.

Webinário discute desafios enfrentados na educação indígena, quilombola e do campo

Debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb pode fazer diferença na garantia do direito à educação de qualidade das modalidades

Na próxima terça-feira (24), às 18h30, a Iniciativa De Olho nos Planos promove o webinário “Regulamentação Fundeb: como garantir educação de qualidade nas escolas indígenas, quilombolas e do campo”.

Partindo dos resultados do mapeamento realizado pela Iniciativa com comunidades escolares em todo o país, o debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb, que entrou na pauta do Congresso Nacional na segunda-feira (16/11), pode impactar as modalidades. 

Entre outros pontos, a regulamentação do novo Fundeb vai delimitar os fatores de ponderação, os “pesos” das diferentes etapas e modalidades de ensino no repasse dos recursos. Um estudo do Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai analisou o impacto do novo Fundeb para a educação escolar indígena, quilombola e em territórios de vulnerabilidade social. O documento recomenda que os fatores de ponderação destas modalidades sejam de 50%. Ou seja, que o valor por matrícula seja 50% maior do que valor aluno-ano de referência, até ficar compatível com os que é estabelecido pelo CAQ. 

Já o monitoramento realizado pela Iniciativa De Olho nos Planos em outubro de 2020 identificou vários problemas nas modalidades em todo o país diretamente relacionados ao financiamento da Educação, como a desvalorização das e dos profissionais da educação, a falta de insumos básicos como acesso a água, saneamento básico e energia elétrica, além de espaços como bibliotecas e quadras poliesportivas. Tais insumos são previstos pelo Custo Aluno-Qualidade (CAQ), constitucionalizado na lei do Fundeb. 

O webinário, que vai debater os temas acima, contará com a participação de Denise Carreira (coordenadora da Ação Educativa), Gersen Baniwa (professor da UFAM e liderança indígena), Maria de Jesus dos Santos (professora de educação do campo) e Páscoa Sarmento (doutoranda na UFPA e liderança quilombola). A mediação é de Claudia Bandeira, Assessorada Ação Educativa. 

O encontro vai ser transmitido nas páginas do Facebook da Iniciativa De Olho Nos Planos, Oxfam Brasil, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa e Gênero e Educação, e no Youtube da Ação Educativa. 

Relatório de projeto de regulamentação do Fundeb é apresentado na Câmara

Deputado Felipe Rigoni apresentou relatório baseado no PL 4372, de Professora Dorinha. Texto deve ir a plenário ainda esta semana

Sessão solene de promulgação da EC 108, o novo Fundeb. Foto: Michel de Jesus / Agência Câmara

Nesta terça-feira, 16/11, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) apresentou o relatório do projeto de regulamentação do novo Fundeb aos líderes da Câmara dos Deputados. O relatório refere-se ao projeto de Lei 4372/2020, da deputada Professora Dorinha (DEM-TO) e traz alterações em relação ao original. A expectativa é que o texto vá a plenário ainda nesta semana. De acordo com Rigoni, o governo posiciona-se majoritariamente a favor do novo texto, com poucas ressalvas. Também segundo o relator, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer dar prioridade à matéria. Caso a regulamentação seja aprovada ainda este ano, as regras do novo Fundeb começam a valer em 2021. 

Entenda o que diz o texto do relator em alguns dos pontos cruciais e mais debatidos desde a promulgação do novo Fundeb:

Recursos públicos para escolas públicas 

O repasse de recursos do Fundeb para instituições sem fins lucrativos, como entidades filatrópicas ou religiosas, foi um dos pontos mais controversos e debatidos das últimas semanas. O governo de Jair Bolsonaro fez intensa pressão para que escolas religiosas sem fins lucrativos pudessem acessar recursos do Fundo em todos os níveis de ensino – atualmente o repasse é permitido apenas na educação infantil, especial e do campo, que têm problemas de acesso. A regra é mantida no PL 4372, mas era rejeitada no PL 4519, do Senador Randolfe Rodrigues, que propunha o fim gradual deste repasse, priorizando o uso de recursos públicos em escolas públicas. 

Já o relatório apresentado por Felipe Rigoni faz alterações no PL da deputada Professora Dorinha, embora não na medida que queria o governo. O texto apresentado hoje permite o repasse para instituições privadas sem fins lucrativos também no ensino técnico e profissional, mas continua vetando no ensino fundamental e médio comum. Em coletiva de imprensa, Rigoni alegou um argumento redistributivo: a brecha beneficiaria municípios mais ricos, pois é onde estão a maioria das matrículas em escolas conveniadas de EF. “Mas isso foi conversado com o governo e até segunda ordem está tudo certo”, disse ele. O relator não entrou no debate da laicidade do ensino, limitando-se a dizer que “existem argumentos favoráveis e contrários por diferentes motivos”. 

Referenciais para distribuição e vinculação a resultados

O novo Fundeb prevê que a complementação da União salte de 10 para de 23%. Desta quantia, 2.5% deve estar  vinculada a indicadores de aprendizagem que garantam equidade, e é na regulação que se delimita o que se considera nesta avaliação. Neste sentido, havia uma disputa para que outros indicadores além dos resultados em avaliações externas de larga escala fossem considerados. O Sinaeb, previsto no texto constitucionalizado, amplia o conceito de qualidade na educação para além das avaliações externas de larga escala (como o Ideb), que tendem a marginalizar ainda mais algumas redes, como as indígenas e quilombolas. 

O texto de Felipe Rigoni menciona o caráter equitativo deste repasse de 2.5% (VAAR), mas o mantém vinculado apenas ao desempenho escolar. Segundo o relatório, a avaliação deve contemplar resultados anuais da aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática e, a partir deles, definir os níveis de aprendizagem para o cálculo da medida de equidade da aprendizagem. Nesse modelo, redes que partirem dos menores índices e evoluírem nos mesmos terão maior peso na distribuição. Assim, levam mais recursos as redes de ensino que conseguirem reduzir a desigualdade no aprendizado e melhorarem suas próprias notas. “Educação é aprendizado”, disse o deputado em coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira. 

CAQ 

O Custo Aluno-Qualidade (CAQ) não é mencionado no relatório de Felipe Rigoni – assim como não era no projeto da Deputada Professora Dorinha. De acordo com o relator, o CAQ constará apenas na regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Essa é uma lei complementar necessária para operacionalizar todo o Fundeb, principalmente por conta do Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Isso porque o SNE estabelece e implementa a coordenação entre diferentes níveis de governo. 

Fatores de ponderação 

Outra discussão importante é a dos fatores de ponderação, que determinam “pesos” no repasse para as diferentes etapas e modalidades. Seguindo o PL 4372, o texto de Felipe Rigoni indica que em 2021 eles permaneçam os mesmos do atual modelo, pois acredita que “ainda faltam estudos” que embasem mudanças nessas ponderações. Nos anos seguintes, após mais discussão, eles seriam alterados. O PL do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) alterava algumas etapas e modalidades, como educação infantil, indígena e quilombola, já em 2021, aumentando o repasse para elas. 
Constitucionalizado em agosto, dois projetos de lei de regulamentação do Fundeb tinham sido apresentados: um pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO) e um pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) – entenda as diferenças entre eles neste link.

Profissionais da educação indígena, quilombola e do campo ainda não são valorizados

Mapeamento realizado pela iniciativa De Olho Nos Planos observou contratos precarizados em todas as regiões do país 

Professora de escola quilombola realiza atividade com os alunos em Mato Grosso
Professora de escola quilombola realiza atividade com os alunos em Mato Grosso (Foto: Arquivo da equipe)

De Norte a Sul do país, as comunidades escolares quilombolas, indígenas e do campo convergem em uma afirmação: os concursos para docência nessas modalidades são cada vez mais raros, fazendo com que grande parte das profissionais trabalhe sob contratos precários, sem plano de carreira e frequentemente com salários aquém de suas formações. 

A constatação faz parte do mapeamento realizado pela iniciativa De Olho Nos Planos, que ouviu as comunidades escolares das três modalidades para entender quais os principais desafios por elas enfrentados para assegurar uma educação de qualidade. No mês de outubro de 2020, realizamos 12 entrevistas telefônicas com diferentes atores: professoras, diretoras e diretores, alunas e alunos, ativistas, familiares e um gestor. No contexto da pandemia de Covid-19 e de regulamentação do novo Fundeb, que vai definir diretrizes cruciais para estas escolas, é ainda mais importante entender os principais desafios e gargalos a serem resolvidos.  

>>> Entenda o que está em jogo na regulamentação do Fundeb

>>> Saiba qual o peso da Educação escolar quilombola, índigena e educação do campo em cada projeto de regulamentação do Fundeb 

As entrevistas mostraram que, em maior ou menor grau, as escolas ainda não contam com insumos mínimos como bibliotecas, laboratórios ou mesmo acesso a água e saneamento básico. O que já têm é, em grande medida, fruto de anos de mobilização e iniciativas comunitárias que tentam suprir a demora do Estado em garantir o direito à educação destas populações.

>>> LEIA TAMBÉM: Negligenciadas nas políticas públicas, escolas do campo, indígenas e quilombolas não têm acesso a insumos básicos

Além disso, a (des)valorização das e dos profissionais, especialmente professoras e professores, foi uma constante. Esta se dá tanto pelos contratos precários como por problemas gerais de infraestrutura que prejudicam o trabalho, como falta de espaços, materiais, laboratórios e salas multisseriadas. Além disso, faltam profissionais como merendeira/o ou profissional de pátio. Estes resultados são explorados abaixo: 

Contratos

Em nosso mapeamento, escolas onde a maioria das professoras são concursadas foram a exceção. Via de regra, a maior parte delas trabalha sob contratos mais curtos, menos estáveis e com menos direitos. A pouca frequência dos concursos específicos é a principal causa, sendo os contratos a alternativa encontrada para suprir a demanda. O problema com os contratos (que têm diferenças entre si) é que estes não oferecem progressão de carreira, benefícios e são de curta duração, o que prejudica o próprio trabalho docente e o Projeto Político Pedagógico das escolas. Seja pela alta rotatividade de professores ou porque eventualmente há atrasos no ano letivo por questões contratuais. Na educação do campo, por exemplo, segundo levantamento de organizações da área, eram mais de 138 mil professores temporários no país em 2019.

Um problema que acomete docentes concursados e contratados destas modalidades específicas é o salário aquém de sua formação. Para contratar docentes quilombolas ou indígenas, os salários são nivelados por nível médio e não ensino superior, por exemplo. Se a estratégia funcionou em uma época com poucos professores formados, hoje ela se mostra defasada, desvalorizando as e os profissionais. Os depoimentos exploram essa questão: 

Na Bahia temos atualmente cerca de 600 professores indígenas atuando em escolas indígenas, todo o corpo docente é indígena. Em 2012 realizamos o primeiro concurso público para professor indígena e aprovamos uma lei que criou a categoria “professor indígena” no quadro ocupacional, o que permitiu, do ponto de vista legal, realizar um concurso específico. Foram 390 vagas inicialmente ofertadas – hoje são 27 escolas indígenas, com 40 anexos – e apenas 109 professores conseguiram ser aprovados. Muitos deles atuam hoje em escolas indígenas, inclusive como gestores. Com os que não conseguiram ser aprovados, fizemos processos seletivos para ocupar essas vagas. O contrato REDA, realizado em 2014 e 2018 com duração de dois anos e prorrogável por mais dois, e um contrato emergencial à medida que se necessita de professor indígena. Os concursados têm plano de cargos e salários, seguindo as normativas das leis correspondentes. O desafio agora é levar essa lei para a Assembleia Legislativa, porque na época a maioria dos professores não tinha formação Superior e o concurso foi para nível médio. Por isso, o salário desses professores não se iguala ao dos outros professores do quadro funcional do estado. A lei hoje precisa mudar.

(Coordenador de Educação Escolar Indígena da Bahia) 

Temos poucos professores concursados, o último concurso foi em 2014. A maioria hoje é contratado pelo REDA, não apenas professores mas também serviços gerais, merendeira, zeladora, assistente administrativo, todos. Antes tinha empresa terceirizada que contratava serviço de apoio, mas hoje é via sistema REDA, que dá menos problema para a gente. (….) Mas tenho professor que não tem nem telefone, porque o salário é salário mínimo. A gente ainda está nessa do Magistério, mesmo sendo graduado, pós-graduado, a gente ganha como professor de magistério. (…) Sobre a formação, temos usado o projeto Saberes Indígenas na Escola desde 2015. Fazemos atividades continuadas, trabalhamos leitura, escrita e interpretação, produção de material didático…  Conseguimos protagonismo, porque desenvolvemos um material didático que é nosso. O currículo da escola hoje é voltado para as nossas tradições e todos os professores e funcionários são indígenas.

(Diretora de escola indígena em Glória-BA) 

A escola funciona como escola urbana no que se refere a contratação. Faz tempo que não há concurso, mas cerca de metade dos nossos professores são estatutários. A outra modalidade é contrato PSS, que é emergencial e mais precarizado. O salário é bem mais baixo e a contratação anual. Para os estatutários há plano de cargos, carreiras e salários, um sistema de progressão na carreira. Sobre formação, até governos passados tínhamos liberdade de fazer a nossa formação continuada, mas o governo do estado engessou demais a autonomia da escola. Os planos de educação não respeitam a diversidade e as propostas do estado inteiro são padronizadas como se todas as regiões fossem iguais, então sinto dificuldade na formação e autonomia para liberdade pedagógica.

(Diretor de escola do campo em Lapa-PR)

Não faltam profissionais capacitados, mas falta capacitação, principalmente aos professores que não são oriundos do quilombo. Estamos na luta para garantir formação em temas étnico-raciais e educação quilombola. Há poucos profissionais concursados, e dos concursados a maioria ainda não é quilombola. Nossa luta é para que sejam quilombolas. O fato da maioria dos professores ser contratados faz com que muitos aceitem condições indignas de trabalho. É preciso implementar uma política pública, luta a nível nacional para garantir política de ação afirmativa para que concursos e seleções públicas tenha cota para quilombolas.

(Ativista quilombola e técnica em educação de Salvaterra-PA)

Nós trabalhamos a metodologia da educação do campo. A Secretaria de Educação coloca alguns dias de formação no decorrer do ano, mas há anos o estado não oferta formação  continuada específica oferecida na modalidade. Sempre que podemos e há disponibilidade dos docentes, participamos das formações oferecidas pelo Movimento [dos Sem Terra], mas em geral os professores da escola já têm a especialização, porque isso inclusive conta pontos no edital de contratação.

(Diretora de escola do campo em Santa Maria d’Oeste-PR) 

Temos professores concursados e outros contratados por um processo simplificado. Lutamos pela permanência dos professores na escola porque temos uma proposta diferente, mas nem sempre conseguimos dar continuidade por causa disso. Todos os professores têm graduação, muitos têm pós-graduação e temos um professor doutor, a formação deles é muito boa.

(Diretor de escola do campo em Cascavel/PR)

Aqui todos os profissionais são da comunidade e a maioria é contratado. Através de luta da comunidade conseguimos fazer com que a seleção fosse específica, ou seja: só pode se inscrever para dar aula se for do território. Assim conseguimos gerar renda e emprego na comunidade e motivar a juventude de que podem continuar estudando porque há formas de trabalhar. Também lutamos pelo concurso específico. A gente quer ser concursada como professora quilombola e conseguimos o concurso específico. Tem várias pessoas da comunidade concursadas como professores e professoras quilombolas. E mesmo assim, com a criação em lei do cargo de professora e professor quilombola, as vezes precisamos recorrer ao Ministério Público para assegurar esse direito.

(Professora quilombola de Salgueiro-PE)

Os professores são majoritariamente contratados. Todos têm graduação e a maioria tem pós-graduação ou especialização, alguns têm mestrado. E os professores são polivalentes, as vezes dão sua disciplina e outras disciplinas fora da formação. A maioria é quilombola, da própria comunidade. Trabalhamos com a universidade (UFMT) a formação de etnosaberes, de valorizar os saberes da comunidade e transformar em conteúdo na sala de aula.

(Coordenadora pedagógica de escola quilombola em Nossa Senhora do Livramento-MT)

No Brasil, não há muito investimento na formação de professores indígenas, especialmente desde a extinção da SECADI. Muitos professores indígenas ainda estão em formação, e acreditamos, enquanto movimento indígena, que precisamos ter professores indígenas dentro das escolas. Para isso, precisa investimento na formação de professores. (…) A valorização [se dá] através de concursos público, o profissional precisa estar efetivado, porque não está seguro quando não é efetivo. Sem isso e sem estrutura para as escolas não há como garantir que a pedagogia seja instituída. (…) É preciso pensar metodologias mais aproximadas das crianças indígenas, pensar disciplinas diversas. Se vários indígenas não conseguem concluir ensino fundamental é também porque falta estrutura da escola, material didático, incentivo pra ir a escola. E um incentivo fundamental é garantir tanto profissionais que falem a língua da comunidade. Ainda, há duas iniciativas fundamentais para a educação escolar indígena de qualidade: a formação de professores nas licenciaturas interculturais indígenas, e a ação Saberes Indígenas na Escola. Ambas deveriam se tornar políticas públicas.

(Ativista e antropóloga indígena, especialista na formação de professores indígenas). 


Falta de pessoal e de estrutura em sala de aula

Os depoimentos colhidos em diferentes lugares do Brasil também mostram que a insuficiência de profissionais nas escolas e a falta de insumos – como laboratórios de ciências, informática, quadra poliesportiva ou mesmo falta de água e energia elétrica – limitam o trabalho das professoras e professores de escolas quilombolas, indígenas e do campo. Embora comum, a ocorrência de salas multisseriadas também dificulta o trabalho de docentes e tem impactos na aprendizagem. 

No município a multissérie é uma realidade, principalmente nas séries iniciais. A dificuldade começa em dar atenção para esses diferentes públicos dentro da sala de aula. Os alunos sentem a dificuldade do sexto ano em diante, quando veem que houve defasagem, que está faltando parte do conteúdo que deveria ter aprendido antes. Outro problema em relação a recursos humanos é ter professor que também é gestor, como é o caso da minha comunidade. Em algumas escolas a professora também é merendeira e faz serviços gerais.

(Ativista quilombola e técnica em educação de Salvaterra-PA)

Nos anos iniciais do ensino fundamental é multissérie dado o baixo número de alunos. Até quatro anos atrás não era, então conseguimos ver a diferença. Há uma defasagem [na aprendizagem], percebemos quando os alunos chegam no sexto ano. O professor dos anos iniciais é a base, e por mais que o número de alunos total não seja grande, tratar séries diferentes acaba prejudicando o trabalho, não é a mesma qualidade.

(Diretora de escola do campo em Santa Maria d’Oeste-PR). 

Em 2020 temos 117 estudantes matriculados em 10 turmas diferentes. Conseguimos manter o número reduzido de estudantes por turma porque a estrutura da escola e das salas não comporta mais. No fim do ano, quando fazemos a solicitação ao estado é sempre uma briga, mas em geral aceitam nossos argumentos depois de verem a infraestrutura da escola. É melhor e mais tranquilo para os professores trabalharem. 

(Diretor de escola do campo em Cascavel/PR)

Temos funcionários suficientes, mas precisamos de cuidadores, porque temos algumas crianças com deficiência. Precisamos de cuidadores porque dar conta da turma toda e mais da especificidade do aluno dificulta a vida do professor. E é um direito do aluno c ter esse cuidador para orientar nas atividades. No anexos da escola ainda temos salas multisseriadas porque são poucos alunos. Em um deles, são 8 alunos de Fundamental I, do primeiro e segundo e terceiro anos. No outro, são 4 alunos de quarto e quinto ano em uma sala. Juntamos para poder dar um numerozinho de alunos mais significativo, porque até pra fazer as atividades é difícil com pouco aluno.

(Diretora de escola indígena em Glória-BA)

Secretaria de Escola do Campo no Paraná: construída do zero pela própria comunidade.

Reportagem: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira