PNE na boca do povo com participação: Queremos nos ver no Plano Nacional de Educação!
Prepare-se!
Na nova edição da Semana de Ação Mundial (SAM), vamos nos mobilizar pela renovação do Plano Nacional de Educação!
Neste ano, a luta é pelo PNE com ousadia e sem retrocessos, tendo como base o documento final aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024, para garantir uma educação pública de qualidade a todas as pessoas no território brasileiro. Saiba mais abaixo.
A Semana de Ação Mundial (SAM) é uma iniciativa realizada simultaneamente em mais de 100 países, desde 2003, com o objetivo de informar e engajar a população em prol do direito à educação, de diversas maneiras.
Em 2025, teremos a 22ª edição da SAM. Ao longo dessas edições, mobilizamos mais de 102 milhões de pessoas no mundo e, no Brasil, já envolvemos mais de 2,6 milhões de pessoas, mobilizadas em organizações, movimentos sociais, coletivos, espaços educativos, dentre outros espaços em todas as cinco regiões do país. A SAM é coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A SAM acontece por meio de atividades autogestionadas (ou seja, cada um faz a sua, de acordo com seu contexto!) em praças, escolas, centros comunitários, nas ruas, em audiências públicas, reuniões na internet, entre outros.
Qualquer pessoa que queira refletir e se engajar pelo direito à educação pode participar.
Os inscritos para realizar atividades da SAM vão receber um resumo do Manual da SAM 2025 impresso. O Manual, na íntegra, ficará disponível online gratuitamente para todas as pessoas.
Use sempre as hashtags #SAM2025 e #PNEpraValer nas suas redes sociais!
NOVIDADES
✅ Concurso de vídeos Jovens e estudantes do ensino médio e da graduação são convidados a gravarem um vídeopara a incidência no novo PNE. O vídeo mais engajado com um #PNEpraValer será o ganhador. O grupo selecionado será premiado com a participação em uma atividade de incidência política em Brasília. A Campanha custeará a viagem de duas pessoas (um/a estudante e um/a professor/a responsável). Acesse o edital aqui.
✅ Seleção de relatos de experiência e sorteio de equipamento eletrônico (tablet) Profissionais da educação que realizaram atividades na SAM 2025 poderão participar da seleção de relatos de experiências (registrados em texto, foto e vídeo) que mostram como promoveram mudanças significativas em suas práticas ou nas comunidades escolares onde atuam com as atividades da SAM. Todos os participantes que cumprirem os critérios serão automaticamente incluídos no sorteio do equipamento. Acesse o edital aqui.
✅ Manual de atividades e jogos O material, que será disponibilizado às pessoas inscritas para realizarem atividades na SAM, busca facilitar a compreensão sobre o contexto das atividades educativas. Veja algumas delas na seção do site “Como participar”.
CERTIFICADO
Para receber um certificado de participação, é preciso estar inscrito para realizar uma atividade na Semana de Ação Mundial, detalhando as atividades que pretende realizar. Logo após a SAM, com o preenchimento e envio do relatório das atividades realizadas, enviaremos os certificados de participação.
NOVO PNE (2025-2035)
E o que o PNE tem a ver com você? Tudo!
O Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014) é a espinha dorsal da educação pública brasileira. É ele que define as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação para organizar e assegurar a educação em seus diferentes níveis, etapas e modalidades, da educação infantil à educação superior, com ações integradas e responsabilidades compartilhadas em âmbito municipal, distrital, estadual e federal, em um período de dez anos!
O PNE é uma lei decenal que articula as ações de todos os entes federados para garantir o direito à educação para todas as pessoas em território nacional. Por isso é tão importante. E o PNE atual chega ao fim nos trazendo um desafio: construir um novo Plano com ampla participação popular!
Construir um Plano Nacional de Educação com mecanismos de implementação efetivos, sem retroceder naquilo que conquistamos e avançando no que ainda não foi alcançado, de forma a dar materialidade ao direito à educação, é o nosso maior desafio. Isso precisa ser feito junto da comunidade educacional de todo o país, para podermos garantir que nossas demandas sejam consideradas nesse novo caminho para as políticas educacionais: queremos nos ver no PNE!
Dessa forma, a SAM no Brasil tem como objetivo coletivo pensar criticamente e propor ações e estratégias que promovam e garantam a educação pública de qualidade, laica, inclusiva e gratuita para todas e todos.
Por enquanto, o PNE (2014-2024) segue vigente, com grande parte da legislação descumprida – veja mais no Balanço do PNE 2024, produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que abrange o decênio.
Em breve, a Campanha vai lançar o Balanço do PNE 2025.
Justamente para efetivar as metas ainda a serem alcançadas, o novo PNE (2025-2035) deve ser construído sem retrocessos em relação ao atual e ousando em suas metas e estratégias, seguindo a deliberação da Conae 2024.
A legislação está tramitando no Congresso Nacional. Para garantir um debate vitorioso no Congresso, precisamos aumentar cada vez mais a mobilização nas redes sociais e também nas ruas, e não aceitar recuos do governo federal ou de parlamentares da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.
A perspectiva do direito à educação a todas as pessoas deve prevalecer e estar refletida nas metas e estratégias da nova legislação.
Consideramos que a garantia plena do direito à educação é condição para atingirmos, de fato, a justiça social no país. Seguiremos monitorando os indicadores da educação, de forma a exigir que as políticas públicas tenham por base o que está previsto na Lei, possibilitando o cumprimento do artigo 205 de nossa Constituição Federal de 1988:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Vamos aprofundar esses assuntos nesta SAM, para que você também faça parte dessa roda!
Articulação, trabalho coletivo e solidariedade foram fundamentais em movimento que ocupou a Seduc do estado por cerca de 30 dias
Créditos: Departamento de Comunicação do CITA
Texto: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira
Revogar a lei 10.820/2024 e exonerar o Secretário Estadual de Educação, Rossieli Soares. Foram esses os objetivos de centenas de indígenas de mais de 50 etnias que ocuparam a sede da Secretaria de Educação (Seduc) do Pará em janeiro, só saindo de lá mais de um mês depois, com o compromisso do governador Helder Barbalho pela revogação e com o desgaste político de Helder e de seu secretário. E isso quando o estado e a capital, Belém, estão no centro dos holofotes de todo o mundo por estarem às vésperas de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), em novembro.
“Nós trabalhamos muito nos eixos de território, educação e saúde, e a lei 10.820 foi um retrocesso em relação a tudo que defendemos, afetando não só as nossas populações, mas todos os povos”, resume Margareth Pedroso, liderança do povo Maytapu e atual coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA). “Precisamos não só de um espaço físico em boas condições, mas também de professores em sala de aula, e com condições para lá estar. Para chegar às nossas bases, é preciso iniciativa do governo, e a lei aprovada fazia o contrário, tirava todos os incentivos”, critica ela.
A imensa vitória da resistência indígena na luta pelo direito à educação de qualidade para todas e todos foi fruto de muita organização dos movimentos indígenas do Pará, e da solidariedade e apoio de outras categorias que se somaram à luta, como professoras e professores. E conseguiu revogar uma lei que, segundo ativistas do estado, foi aprovada sem o debate necessário e que sintetizava os objetivos da gestão Rossieli para a educação paraense.
“O segundo mandato do Helder tem sido de ataques institucionais à educação presencial no campo para quilombolas, indígenas, assentados, entre outros grupos”, resume a antropóloga e professora Iza Tapuia, que atua na região do Baixo Tapajós (no oeste do estado do Pará). Em sua avaliação, essa é a principal diferença em relação ao primeiro mandato do político. Avaliação similar à da coordenadora-geral do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (SINTEPP), Conceição Holanda, e de Letícia da Conceição, educadora e integrante do Comitê da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no Pará. “Depois de um primeiro mandato de popularidade recorde, o governador, neste segundo mandato, supostamente estaria orientando a gestão para elevação nos rankings nacionais de educação e exposição do Pará no cenário nacional e internacional. Helder e Rossieli (ambos ministros do governo Temer) buscavam resultados e visibilidade”, avalia Letícia.
A lei 10.820/2024
A lei 10.820/2024, alvo das reivindicações dos movimentos indígenas, foi aprovada em dezembro de 2024 e sancionada pelo governador Helder Barbalho (MDB), estabelecendo regras para o exercício do magistério no estado. A lei unificou dezenas de legislações vigentes, o que fez com que várias delas fossem alteradas ou mesmo revogadas, incluindo algumas que versavam sobre a educação escolar indígena. Por isso, movimentos de populações indígenas, quilombolas, rurais e ribeirinhas entendiam que a 10.820 criava insegurança jurídica e abria brecha para a retirada de direitos já conquistados.
Uma das leis revogadas com a criação da nova legislação era a 7.806/2014, que estabelecia o Sistema Modular de Ensino (Some). O Some regulamenta o funcionamento de aulas presenciais em áreas distantes dos centros urbanos, e há uma extensão específica para o ensino escolar indígena, o Somei (sigla de Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena). O Some e o Somei são mecanismos para assegurar a educação presencial em regiões de difícil acesso, respeitando as culturas, línguas e saberes tradicionais. Por isso, sua ausência na nova lei era tão preocupante para os movimentos indígenas (já o Some constava no texto, mas com regime de remuneração alterado).
“A gratificação era fator crucial no Some para poder levar os professores para os territórios, é uma oferta absolutamente diferenciada. É entendendo isso que compreendemos o impacto da lei 10.820 – que não extinguia o Some, mas o inviabilizava”, resume a educadora Letícia da Conceição.
E também por isso argumentava-se que a lei 10.820 abria uma brecha para a expansão do ensino à distância no estado, especialmente em um contexto de expansão do Cemep, um modelo em que os estudantes têm aulas por meio de uma televisão.
Os grupos afetados também alegam não terem sido devidamente consultados na elaboração da lei, aprovada no dia 19 de dezembro. Nesse contexto, a outra reivindicação indígena era – e segue sendo – a exoneração do secretário Rossieli Soares, em cuja gestão se apresentou e aprovou a lei contestada. Para ativistas, Helder Barbalho vem, junto com Rossielli, aprofundando os ataques à educação neste segundo mandato. Investigação da plataforma Amazônia Vox apurou, por exemplo, que o investimento destinado à Educação Indígena no Pará teve corte de 85% entre 2023 e 2024. E que, em 2025, apenas R$500 mil serão destinados para a implementação da Educação Escolar Indígena segundo aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Antes do Pará, Rossielli também foi secretário de Educação dos estados de São Paulo e do Amazonas – neste último, foi condenado por improbidade administrativa. Entre abril e dezembro de 2018, foi Ministro da Educação e, antes disso, como o próprio governo paraense define, “participou ativamente da reformulação do Novo Ensino Médio”, sancionada em fevereiro de 2017 e incessantemente criticada desde então.
Resistência e ocupação da Seduc
É nesse contexto que a ação de resistência liderada pelos indígenas começa a tomar forma. Ainda antes da aprovação da lei 10.820, os povos já estavam mobilizados contra os retrocessos, especialmente o avanço do ensino à distância e as condições precárias de infraestrutura. “No Baixo Tapajós, ainda não temos escolas estaduais regulares, apenas as modulares [via Somei], então a entrada do Cemep nos preocupa, especialmente porque nem sempre temos energia e internet. Além disso, o ensino modular funciona”, diz Margareth Maytapu, coordenadora do CITA. “E quando vimos a lei e que ela ia de encontro a tudo que nós lutamos, é briga. Não era uma lei para nós, nós da ponta não fomos consultados. E isso fez com que nos revoltássemos, porque era como se não existíssemos, sendo que sim, existimos e estamos aqui, preservando a floresta. Nada para nós sem nós”, reforça ela.
Entendendo que a lei recém-aprovada no estado era uma ameaça direta à educação e aos direitos indígenas de maneira geral, lideranças de 14 povos que compõem o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) reuniram-se para pensar quais seriam as ações para forçar a revogação da 10.820/24.
“Primeiro, tomamos a decisão que não iríamos matricular nenhum aluno no Cemep, pois já temos o nosso sistema [o Somei]. Mas, mesmo depois dessa pressão, a lei foi aprovada em dezembro, no apagar das luzes do ano. Então nos reunimos mais uma vez e percebemos que a pressão tinha que acontecer em Belém, que se ficássemos parados a lei ia entrar em vigor e seria um ataque à educação como um todo, não só a indígena”, relembra Iza Tapuia, professora do Somei e membro do CITA.
Logo nos primeiros dias do ano um barco com cerca de 50 pessoas partiu rumo à capital para a ocupação, chegando em Belém no dia 13 de janeiro. A ordem, como enfatizam as lideranças participantes, era revogar e exonerar. No início da ocupação, houve confronto com a polícia, mas o acampamento indígena conseguiu se estabelecer. Como contou o site Amazônia Real, o início do protesto teve também intimidações e restrição a comida, água e acessos aos banheiros e outros locais do prédio.
Por mais de um mês, centenas de indígenas, representando cerca de 55 etnias, permaneceram no prédio, contando com o apoio logístico e financeiro de movimentos indígenas e não indígenas. “Acho que a princípio todo mundo se assustou, porque não imaginavam que os indígenas poderiam ocupar a Seduc, mas ocupamos e foi um movimento incrível”, diz Iza Tapuia, liderança que também esteve presente desde o começo do movimento.”Nós formamos um grupo de mídia indígena muito forte e comunicamos à sociedade, e ela respondeu de maneira fabulosa”, acrescenta. Iza refere-se a todo o apoio logístico e financeiro que permitiu que a ocupação continuasse e abrigasse mais pessoas. “Das 7h às 22h as pessoas passavam, deixavam barracas, colchonetes, alimentação, água, davam o apoio que nós precisávamos. Sem esse apoio não passaríamos esse tempo todo, do ponto de vista da infraestrutura. Foi o movimento popular de Belém que, de alguma forma, garantiu nossas condições materiais para estar lá”, avalia.
Além do acampamento na Seduc, indígenas e outros apoiadores também fizeram um protesto na rodovia BR-163, na região de Santarém, no dia 29 de janeiro, para aumentar a pressão ao governo. Somando à pressão, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei, e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) também declarou apoio incondicional às comunidades indígenas mobilizadas. E a articulação com outros movimentos, como quilombolas e as trabalhadoras e trabalhadores da educação, também ganhou força. O SINTEPP, que representa essa última categoria, articulou uma greve em diálogo com o movimento indígena, que aconteceu em janeiro. “É muito interessante porque de fato a pauta estava muito articulada. Éramos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, SINTEPP, artistas, todos envolvidos pela revogação da lei e pela exoneração de Rossielli. Acho que essa já é uma primeira grande vitória”, diz Iza Tapuia.
No período da ocupação, o governo chegou a convocar a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, para negociar, e, no dia 22 de janeiro, pressionado, anunciou a criação de um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei sobre a Política Estadual de Educação Escolar Indígena – mas esse não era o objetivo do movimento. Depois da criação dessa política, no entanto, o governador publicou um vídeo dizendo que as demandas apresentadas haviam sido atendidas e que os manifestantes estariam impedindo o acesso ao trabalho de servidores e danificando a estrutura da secretaria. A Justiça determinou que o vídeo fosse apagado por considerar falsas essas afirmações. “Mais uma vez, há um grande mérito do movimento aí, porque por mais que a legislação seja importante, não foi ela que fomos discutir. E além disso, não adianta ter uma lei se as outras legislações não a respaldam”, reforça Iza Tapuia.
Foi no dia 5 de fevereiro que o governador Helder Barbalho anunciou a revogação da lei 10.820/2024, mas a ocupação do prédio da Secretaria de Educação permaneceu até a assinatura do termo de compromisso para revogá-la – documento que também menciona a criação de um grupo de trabalho com representantes de diversas instâncias para discutir o estatuto do magistério, plano de cargos, carreiras e salário de profissionais da educação. A revogação, votada por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Pará, foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 13 de fevereiro. Agora, voltaram a valer as diretrizes que estavam em vigor até o dia 19 de dezembro de 2024.
“Foi uma vitória muito grande no sentido de que o movimento não se dividiu. Dentro da Seduc, se falava em uma segunda Cabanagem, por contar com indígenas, ribeirinhas, quilombolas e professores enfrentando o governo. Tivemos apoio de partidos e de vários grupos, mas não eram eles que estavam conduzindo a ocupação”, avalia a antropóloga e professora Iza Tapuia. Ela menciona também o acolhimento e valorização dos novos apoiadores que se juntavam à causa enquanto ela acontecia como um fator de sucesso, e destaca que as e os manifestantes estavam coesos e fortes espiritualmente. “Nada que nos diferenciava foi maior do que aquilo pelo qual lutamos em conjunto, e também estávamos muito fortes espiritualmente, guiados por Tupã, por nossos espíritos protetores, lembrando que não estamos sós”.
Solidariedade e apoio intermovimentos
Como as próprias lideranças indígenas destacam, a solidariedade e o apoio de outros movimentos e categorias foi fundamental para que a manifestação popular conseguisse revogar uma lei tão rapidamente. E a aliança com povos quilombolas e com profissionais da educação foi especialmente importante. Foram ‘guardiões’ da ocupação, negociadores com as forças policiais, além de participar da ocupação em si. Além disso, as e os profissionais da educação entraram em greve, aumentando a pressão e o desgaste político de Helder Barbalho e Rossieli Soares.
“A gestão Helder/Rossieli vem paulatinamente atacando a categoria: acabando com a eleição direta para direção, tirando gratificações inerentes ao exercício do magistério, e o golpe de misericórdia que foi a lei 10.820, que acabava com plano de carreira, com a lei do sistema modular de ensino, com aulas suplementares, entre outros. Além disso, o governo não dialoga com a categoria. Então a aprovação da lei gerou muita indignação”, conta Conceição Holanda, coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (SINTEPP). A professora conta que a entidade já havia decidido não iniciar o ano letivo em protesto a essas medidas, e que, com a ocupação da Seduc pelos movimentos indígenas e quilombolas, as ações passaram a ser articuladas.
“Desde o início dialogamos sobre o que fazer: o SINTEPP ficou do lado de fora da Seduc, e indígenas e quilombolas seguraram a onda lá dentro. Era preciso agir de forma coordenada, não dava para ter um setor ocupando prédio público, outro em greve, e não pensar coletivamente”, reforça. A coordenadora do Sindicato também destaca o apoio da sociedade à greve e à ocupação como um diferencial desse movimento. “Foi uma greve que mobilizou a sociedade, que percebeu que havia um problema na educação para diferentes atores estarem se movimentando. Fazia tempo que não víamos tanto apoio e solidariedade”, diz ela.
“Quando você percebe que não é só você que está sofrendo, por que não juntar todo mundo e ir à luta?” – Margareth Pedroso, do povo Maytapu, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns
Conquistas e o que vem pela frente
O movimento paraense conseguiu a revogação da lei 10.820/24 – e a criação de um grupo de trabalho para propor alternativas -, mas não logrou a saída do secretário de educação do estado, Rossielli Soares. Essa segue sendo uma pauta dos movimentos que participaram da ocupação, que destacam que o trabalho continua e que a dimensão dos protestos trouxe desgaste político à atual gestão.
“O governo segue pressionado, com o Ministério Público em cima dele e nós em cima do Ministério Público”, assegura Iza Tapuia. “Continuamos na batalha pela sua saída [do Rossielli] pois é uma pessoa perniciosa para a educação brasileira. Nesse sentido, uma vitória foi conseguir visibilizar os problemas dessa figura”, diz a professora.
Esse é, para a educadora Letícia da Conceição, um legado fundamental do movimento de ocupação da Seduc que levou à revogação da lei 10.820. Ela classifica esse episódio como “a primeira grande crise de uma gestão que até então só crescia em popularidade”, enfatizando que essa perspectiva foi trazida pela pauta da educação. “A revogação após quase um mês de ocupação, gerou desgastes irreversíveis para a gestão. Esse recuo na alteração do Estatuto do Magistério mostrou que os poderes do governador e o controle da narrativa das fundações empresariais na educação tinham limites. Mesmo após a desocupação do prédio e mesmo com a manutenção do Secretário, o assunto não saiu da pauta: os contratos firmados com as inúmeras fundações empresariais passaram a ser alvo de denúncias e investigações, os relatos de professores denunciando a realidade das escolas não pararam de surgir”, acrescenta.
Nessa linha, Margareth Maytapu, liderança à frente do CITA, traz um chamado à ação: “se não dermos a cara a tapa, nenhum governo vai atuar pela gente, então o que esse caso deixa para mim é que a união e o diálogo ainda são armas pra fazer a diferença nesse mundo. Mas para isso, precisamos lutar”.
Para a avaliação dos PMEs e construção de diagnósticos que subsidiem o próximo ciclo de planejamento educacional a autoavaliação participativa das escolas será estratégia fundamental
Após o primeiro ano de construção e fortalecimento do
Observatório, pesquisadoras e pesquisadores se reuniram na UFABC de São
Bernardo do Campo para pensar a consolidação do projeto em 2025.
A parceria com o Observatório de Educação de Diadema que
teve caráter piloto na região durante o primeiro ano de implementação do
projeto, contribuiu para o desenvolvimento de metodologia de avaliação do Plano
Municipal de Educação de Diadema que servirá de inspiração para os demais
municípios do ABC. O relatório de monitoramento do Plano está disponível no
site da Secretaria de Educação de Diadema.
Durante o primeiro ano de trabalho, as equipes de pesquisadores e pesquisadoras também estiveram organizadas em Grupos de Trabalho (GTs) temáticos, que se dividiram na realização de uma análise dos Planos Regional, Nacional e Municipais de Educação do Grande ABC, com foco as agendas de gênero e relações étnico raciais, trabalhadores da educação, financiamento, infância e ensino fundamental, ensino médio, Educação de Jovens e Adultos, tecnologias na educação, monitoramento e avaliação. O trabalho realizado pelos grupos irão se tornar artigos científicos, como é o caso do artigo produzido pelo GT gênero e relações étnico raciais composto também pela equipe da Ação Educativa, que será apresentado na 5ª Semana das Licenciaturas, da UFABC, que acontece entre os dias 23 e 25 de abril.
Ao longo de 2024, também houveram outros trabalhos
realizados pelo Observatório e apresentado em encontros acadêmicos de expressão
e diálogo com a educação nacional, como o V Seminário de Educação Brasileira
(19-21 de junho) em Campinas e o XII Encontro da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da
Educação – FINEDUCA (16-18 de outubro), em São Luiz (MA).
Entre os dias 30 e 31 de outubro e 1 de novembro de 2024 o Observatório realizou também o seminário “Planos de Educação: desafios ao monitoramento e implementação no nível local”, no campus São Bernardo da UFABC.
No ano de 2025 o Observatório pretende construir uma relação com os 7 municípios da região que apoie o trabalho de avaliação e construção de diagnósticos da educação tendo como uma importante estratégia a escuta de comunidades escolares, por meio dos Indicadores da Qualidade na Educação: uma metodologia de autoavaliação escolar que reúne indicadores educacionais, concebidos para que toda a comunidade avalie a realidade em que está inserida, identifique prioridades, estabeleça planos de ação, monitore seus resultados e apresente recomendações às políticas educacionais e aos Planos de Educação a partir das realidades locais.
Para Claudia Bandeira, coordenadora da Iniciativa De Olho Olhos Planos, “neste processo é fundamental realizar um diagnóstico participativo a partir da escuta das comunidades escolares para que as demandas de quem está no cotidiano da escola como professoras, equipes de gestão, funcionárias e funcionários, famílias e estudantes sejam incorporadas ao próximo ciclo de construção dos Planos de Educação”
Acesse o vídeo da Campanha #FiqueDeOlho: Gênero Nos Planos Já! para saber o que municípios e estados devem fazer enquanto o novo Plano Nacional de Educação tramita no Congresso Nacional: Planos Municipais e Estaduais de Educação: E agora?
Gestão é marcada pela expansão da plataformização sem consulta a comunidades escolares e violação do direito à educação
Ato pela revogação do Novo Ensino Médio em São Paulo
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
Se os problemas da educação paulista não começaram há dois anos, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Renato Feder à frente da Secretaria de Educação (Seduc) tem atuado no sentido de acelerá-los e aprofundá-los, sem escutar as comunidades escolares afetadas por suas políticas. É o que denunciam acadêmicos, ativistas, estudantes, profissionais da educação e demais entidades da área. Desde 2023, privatização, plataformização, violações de liberdade de cátedra e de privacidade, supressão da autonomia, repressão a manifestações e o subfinanciamento da educação vêm sendo alguns dos pontos apontados por quem vive o dia a dia da escola pública no estado.
“A gestão atual aprofunda um processo de privatização e plataformização que já vinha em curso ao menos desde 1995, a ponto de representar uma inflexão”, avalia a professora Márcia Jacomini, que compõe a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o Grupo Escola Pública e Democracia (GEPUD). “Seria um erro desconsiderar os processos que já vinham em curso – de privatização, plataformização, fechamento de turmas do noturno e nortear os conteúdos por avaliações externas -, mas sob Tarcísio/Feder é um novo patamar. A educação do estado de São Paulo hoje tem características distintas”, acrescenta ela.
Gestores e docentes vêm expressando a piora nas condições de trabalho, e estudantes alertam para queda na qualidade da educação e protestam contra o fechamento de turmas, especialmente de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e do noturno. No entanto, os protestos têm encontrado pouco acolhimento, uma vez que as políticas seguem em curso.
“Estamos passando por um retrocesso imenso na educação, de muito sucateamento, considerando os projetos que vêm sendo discutidos, apresentados e aprovados e que mexem muito com o nosso cotidiano”, diz o estudante e diretor de Escolas Técnicas da União Paulista de Estudantes Secundaristas (UPES), Arthur P., que lamenta projetos como a PEC 9/2023 – aprovada como Emenda à Constituição Estadual 55/2024 -, que permite que parte do orçamento da Educação seja redirecionada para a saúde, enquanto a realidade de sua escola e das que visita é de problemas graves de infraestrutura, por exemplo.
Para a professora Márcia Jacomini, da UNIFESP, o aprofundamento do processo de privatização tem se dado de várias formas, como a compra ou aluguel de conteúdos digitais via plataformas digitais e leilões para empresas privadas administrarem algumas unidades – o que foi barrado pela justiça no fim de fevereiro, com a suspensão do decreto do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a concessão da administração de 33 escolas estaduais para a iniciativa privada. Ela destaca também a investida em escolas cívico-militares, no Programa de Ensino Integral (PEI) e o controle exacerbado do trabalho docente.
Todas essas questões se relacionam, em algum grau, com o avanço da plataformização do ensino no estado, apontada por todas as vozes ouvidas como central para entender a gestão Tarcísio na educação. Da forma como tem se dado – por convênios com empresas privadas, estabelecidas sem a escuta apropriada das comunidades escolares – ela pode agravar problemas de infraestrutura, de privatização e de gestão democrática. “A atual gestão aprofundou e ampliou o uso da tecnologia via plataformas digitais, que agora não estão presentes apenas na gestão, mas também interferindo no processo de ensino-aprendizagem”, explica Márcia Jacomini, que pontua também a fragilidade de conduzir esse projeto de expansão sem construir uma infraestrutura própria. “Quando os contratos terminam, é preciso alugar de novo – então o recurso público está de certa forma financiando o setor privado. E isso em um contexto em que disciplinas chegam a ser oferecidas exclusivamente por plataformas, com professores tendo pouca ou nenhuma margem para fazer diferente”, diz.
Esse é um dos grandes alertas feitos por Juliane Cintra, coordenadora Institucional na Ação Educativa com atuação nas áreas de tecnologia e meio ambiente. “A gestão Tarcísio/Feder se caracteriza pela sedimentação de um cenário persecutório a gestores, comunidade escolar e estudantes – é só por meio de um cenário de perseguição e assédio que é possível impor o uso de tecnologias que burocratizam o trabalho, mas que são muito rentáveis, que fazem sentido quando a educação é enquadrada como modelo de negócio”, resume. Juliane, mestra em Direitos Humanos pela USP, enfatiza a crescente dificuldade das educadoras e educadores em trabalhar criticamente o uso das tecnologias. “Há um direcionamento ideológico onde não há espaço para a autonomia”, diz.
A crítica direcionada às escolhas da gestão Tarcísio/Feder não é ao uso das tecnologias digitais em si, mas sim à forma com que elas vêm sendo aplicadas: de cima para baixo, sem dar poder de escolha ou espaço de reflexão às comunidades escolares e totalmente dependentes de empresas privadas. Além disso, sua quase onipresença estaria gradativamente se sobrepondo em relação às outras ferramentas, diminuindo as possibilidades dos processos formativos se adequarem a cada realidade.
“Por um lado, a plataformização e o uso das tecnologias digitais respondem a um anseio popular, é como um verniz de legitimidade para parecer que se está enfrentando questões estruturantes, e por outro burocratizam o trabalho do professorado, impedem a autonomia e por consequência inviabilizam a gestão democrática”, resume Juliane Cintra, que também reforça que as tecnologias podem ser ferramentas interessantes desde que pensadas pelas comunidades escolares, a partir dos problemas concretos do cotidiano. “O que na verdade era preciso era a escuta ativa, e não a imposição de um uso. A questão é que as escolhas têm sido parcerias e negociações com grandes corporações de forma a alijar completamente a comunidade escolar e sua participação na definição das tecnologias que fazem sentido para elas mesmas”, explica.
O cenário impacta o cotidiano das e dos estudantes paulistas de forma avassaladora. “O que mais vejo, com as plataformas e com o novo Ensino Médio, são estudantes com a saúde mental cada vez mais abalada e sem amparo psicológico. Foi uma mudança brusca, e está muito difícil dar conta de tantas plataformas, isso sem falar na questão do acesso à internet”, diz Arthur P. de 16 anos e membro da UPES. “Muitos estudantes estão desmotivados para lutar por seus direitos, e por mais que a gente tente mobilizar, entendemos que é desanimador lutar e lutar e a qualquer momento vir outra bomba”, completa.
Militarização, repressão e vigilância
Mesmo após o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), em 2023, o estado de São Paulo segue apostando nesse modelo, que vai contra o direito à educação. Em maio de 2024, a Alesp aprovou o projeto que expande o número de escolas cívico-militares no estado, em uma sessão que foi marcada pela repressão a protestos estudantis contra a aprovação da medida. Na ocasião, 7 estudantes foram detidos. O objetivo do governo estadual é militarizar 45 unidades a partir de 2026, mas a implementação tem sido adiada por conta dos questionamentos jurídicos sobre o programa. Em março de 2025, está aberta a consulta pública para que as unidades manifestem interesse pela militarização, e até o momento mais de 300 já se manifestaram positivamente – mas, como informa reportagem d’O Globo, há vários relatos de pressão externa para a adesão ao modelo, incluindo recomendações para que profissionais da educação não opinem.
“Nós estudantes não queremos PMs no ambiente escolar. Se em uma escola regular a voz do estudante já é silenciada, imagina em uma escola militarizada?”, resume o diretor da União Paulista de Estudantes Secundaristas (UPES), Arthur P. A organização estava presente na sessão legislativa que aprovou o projeto no estado de São Paulo e que acabou com a detenção de sete estudantes. “Somos totalmente contra esse projeto, e a agressão na ocasião da votação faz a gente se perguntar: é como querem tratar os estudantes nas escolas cívico-militares?”.
Também relacionado à vigilância, um outro episódio deu o que falar no primeiro ano da gestão Tarcísio: um dia, profissionais da educação acordaram com um aplicativo de trabalho instalado em seus celulares pessoais (“Minha escola”), que continha seus dados pessoais. O governo disse que abriu um processo administrativo para apurar o caso, afirmando que “a falha ocorreu durante um teste promovido pela área técnica da pasta em dispositivos específicos da Seduc”. O caso acendeu alertas sobre privacidade e tratamento dos dados de profissionais da rede, além de aumentar a insatisfação com as múltiplas plataformas agora exigidas para o trabalho na escola. O mesmo erro já tinha acontecido no Paraná no ano anterior, quando o secretário de Educação do estado também era Renato Feder, chefe da pasta da gestão Tarcísio.
Fechamento de turmas e redução na oferta de ciências humanas
Movimentos pela educação de qualidade para todas e todos também têm, desde o início da gestão Tarcísio/Feder sistematicamente denunciado obstáculos ao acesso e permanência na educação e a queda de qualidade do que é ofertado no sistema público. Em relação ao acesso e permanência, por conta de sucessivas reduções ou fechamentos de turmas do ensino médio noturno e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em relação à qualidade, por conta das brechas para o ensino à distância, material didático obrigatório com erros e/ou sem espaço para autonomia docente e para questões específicas aos territórios, destoando do que pregam diretrizes nacionais, e a queda na oferta de disciplinas de ciências humanas.
Na rede paulista, havia 85.515 matrículas a menos na EJA presencial em 2023 se comparado a 2020, segundo nota técnica da Rede Escola Pública e Universidade (REPU). Foi uma queda de 61.9% nas matrículas, além da redução de 35.3% das matrículas na EJA semipresencial. E 99% das matrículas perdidas da EJA foram no período noturno. Além disso, as matrículas do ensino noturno regular também tiveram queda de 8.7%. Essas perdas de matrículas foram ainda mais acentuadas nas escolas que aderiram ao Programa Ensino Integral (PEI) a partir de 2020, que reduziram 90.184 matrículas no período noturno. Isso sugere, para as e os pesquisadores da REPU que assinam a nota, que a expansão do programa PEI pode ter influência nessa redução, uma vez que estudantes trabalhadores e trabalhadoras muitas vezes só podem frequentar a escola em um turno, e não em período integral. Portanto, acabam se afastando da escola quando estas aderem ao programa PEI.
Nota técnica mais recente da Rede Escola Pública e Universidade evidencia ainda outro problema: a queda generalizada na oferta de disciplina de ciências humanas na rede estadual, no ensino médio e até no fundamental, como consequência das recentes reformas educacionais, como o Novo Ensino Médio (NEM). A análise dos currículos estaduais em três momentos diferentes aferiu que, no Ensino Médio, houve cortes nas cargas horárias de História, Geografia, Sociologia e Filosofia em escolas de tempo parcial e integral, tanto em decorrência da implementação da Lei n. 13.415/2017 (do NEM) quanto, mais recentemente, da nova reforma do Ensino Médio, que teoricamente iria recompor parte da carga horária perdida pela lei de 2017.
A análise também encontrou “oferta sistemática de ensino a distância para o Ensino Médio noturno”, o que, para os autores, indica que o governo paulista pode estar descumprindo a Lei n. 14.945/2024. A redução das Ciências Humanas também se estende ao Ensino Fundamental, o que a REPU considerou como inédito. O que torna o cenário ainda mais preocupante é que segmentos historicamente mais vulnerabilizados da população são os principais afetados pela redução: por exemplo, para estudantes da EJA, o ensino das Ciências Humanas teve 57,1% horas de formação a menos entre 2020 e 2025.
A Rede Escola Pública e Universidade destaca também que esse processo precariza ainda mais o trabalho docente, uma vez que produz “sobrecarga, piora das condições de trabalho e insegurança profissional”. Isso porque apenas uma minoria das professoras e professores efetivos dessas áreas leciona exclusivamente a disciplina para a qual foram contratados, “sendo frequentemente desviados para assumir outros componentes curriculares do Ensino Médio”, episódios esses que aumentam à medida que diminui a oferta de disciplinas de ciências humanas.
É importante frisar que as alterações trazidas pelo Novo Ensino Médio não valem somente no estado de São Paulo, tendo afetado a oferta da etapa em todo o país. No entanto, a rede paulista de certa forma se “antecipou” nessa reforma. O Secretário de Educação do estado entre 2019 e 2022 foi Rossieli Soares, que antes de ocupar esse cargo foi o Ministro da Educação no governo Temer, época de aprovação do Novo Ensino Médio. “Rossieli veio com a proposta do Inova Educação, que posteriormente compreendemos ser uma espécie de antessala para a reforma do ensino médio. Então já em 2021 há uma alteração significativa em São Paulo, e em 2023 se forma a primeira geração de estudantes que cursaram o ensino médio nesse novo modelo”, diz a professora Márcia Jacomini, da Unifesp.
Ainda em relação aos conteúdos ofertados a estudantes da rede paulista, a gestão Tarcísio vem priorizando um modelo de currículo paulista, crescentemente oferecido via plataformas digitais, que não necessariamente conversa com as diretrizes nacionais – e por isso inclusive tem enfrentado percalços jurídicos. Em 2023, a Seduc estadual anunciou que não usaria os livros do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Alguns dos slides digitais oferecidos como substituição tinham problemas metodológicos, erros conceituais e má contextualização, segundo circulou amplamente na época, e seguem sendo intensamente criticados por isso e por não conversarem com contextos específicos, além de afetarem imensamente a autonomia docente: dado o alto número de slides, aplicativos ou outras plataformas, há menos margem para as e os gestores e docentes trabalharem questões específicas a suas comunidades e/ou territórios, promovendo saberes locais, enfrentando problemas importantes para aquele grupo ou atuando sob outra lógica além das avaliações de larga escala.
“Esses materiais próprios foram produzidos a toque de caixa, e nós sabemos que produzir um livro didático leva tempo. Além disso, sobre a uniformização ou centralização dos currículos, é importante frisar que materiais didáticos são sim necessários para as professoras e professores – mas é muito diferente dar um material pronto ou disponibilizar uma gama de livros via PNLD que podem ser utilizados no preparo das aulas conforme escolha das docentes”, enfatiza Márcia Jacomini.
Na avaliação de Juliane Cintra, da Ação Educativa, essas são políticas que reforçam uma educação bancária, sem espaço para a autonomia e para a interação entre os agentes do processo de ensino-aprendizagem. E que partem de um pressuposto de que as e os profissionais da educação do estado precisam dessa tutela. Como escreveu no artigo “A precariedade da educação como modelo de negócio”, “nessa cadeia de produção, professores e estudantes da escola pública, em sua maioria racializados e empobrecidos, não são vistos como produtores de conhecimento, mas sim encarados como meros consumidores e usuários de serviços”. E ela complementa: “É uma perspectiva que desumaniza, subalterniza toda a comunidade escolar e suas possibilidades de construção coletiva”.
Sucateamento e infraestrutura
Estudantes, docentes e gestores também protestam contra graves problemas de infra-estrutura nas unidades escolares, especialmente frente a políticas que potencialmente retirarão recursos da educação – como a Emenda à Constituição Estadual (EC N. 55/2024), que diminuiu o percentual mínimo de aplicação na educação de 30% para 25% da receita resultante de impostos.
“A infraestrutura precarizada é um cenário que a gente vê todos os dias, e se pergunta como, diante disso, é possível tirarem ainda mais recursos”, lamenta Arthur P., da UPES. Ele relata muitos casos de alagamentos e problemas estruturais agravados pelas condições climáticas extremas, além da falta de professores em várias unidades. “O cenário é de salas com tetos caindo, água caindo das escadas. Em uma ETEC, ouvi de estudantes que o mascote da escola era um rato, tamanha a frequência com que aparecem. Escolas sem ventilação em meio a ondas de calor e mudanças climáticas, num cenário que parece que só vai piorar”, acrescenta. “O que queremos é mais investimento, respeito, melhoria da infraestrutura das escolas e valorização dos professores. Não é com cortes que vamos chegar em uma educação emancipadora, libertadora, pública e de qualidade”.
Congresso aprovou proposta do governo federal autorizando que recursos possam ser retirados do Fundeb
Foto: Fernando Frazão/EBC
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
Às vésperas do recesso parlamentar de 2024, o Governo Federal conseguiu aprovar a PEC do Ajuste Fiscal (54/2024), que estabelece limites de gastos para o governo nos próximos anos. O texto aprovado afeta significativamente a Educação – e poderia afetar ainda mais, não fossem os protestos durante a tramitação da PEC. A principal alteração tem a ver com a destinação dos recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb), que agora poderá destinar parte de seus recursos exclusivamente para a Educação Integral.
O que é o Fundeb
O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública brasileira, e é uma contribuição obrigatória de municípios, estados e União. Sua versão atual foi aprovada e constitucionalizada em 2020, após cinco anos de tramitação e debate.
O Fundo custeia principalmente o pagamento das profissionais do setor e a infraestrutura das escolas e demais recursos que assegurem a qualidade da educação. A grande alteração aprovada em 2020 foi o aumento gradual da complementação da União. Isto é, do repasse de recursos do Governo Federal para os estados e municípios, que possuem menor capacidade de arrecadação de impostos. A estimativa é que em 2025 essa complementação seja de cerca de 56 bilhões de reais.
Com mais recursos (ou “maior complementação”) da União, aumentou-se o montante a ser investido na educação básica, bem como seu potencial de corrigir desigualdades. Isso porque o ente com mais recursos (a União) passa a contribuir mais do que os que têm menos (estados e municípios), com base em diferentes mecanismos para essa complementação, inclusive um que considera as desigualdades educacionais, o VAAR.
O que mudou?
No fim de 2024, o governo federal apresentou ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para contenção de gastos obrigatórios, conhecida como a PEC do Ajuste Fiscal. Essa PEC faz parte das medidas de austeridade fiscal da gestão, que incluem o Arcabouço Fiscal. Aprovada em 2024, as alterações já estão em vigor.
A Educação foi incluída nesse pacote com a flexibilização no uso de recursos do Fundeb: em 2025, até 10% da complementação da União poderá ser usada para o fomento à manutenção de matrículas em tempo integral. Isso significa que o governo federal vai poder usar recursos do Fundeb, que é uma despesa obrigatória em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), para investir em educação integral – ao invés de prever recursos específicos para um programa próprio da modalidade. A proposta original apresentada pelo governo propunha o dobro: que até 20% dos recursos da complementação pudessem ser destinados para a Educação Integral, uma economia que o governo estimou em quase 5 bilhões de reais.
A vice-presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nalu Farenzena, explica que o valor que a União vai acrescentar ao Fundeb não muda, mas sim as regras de como ele pode ser utilizado. “O valor da complementação não diminui, mas é como se fosse criado mais um mecanismo, uma modalidade de complementação, além das que já temos (VAAF, VAAT e VAAR). É uma autorização para usar o dinheiro de outra maneira, e nesse sentido altera as regras do Fundeb”, explica.
A versão aprovada também amenizou a flexibilização ao determinar que o limite de 10% vale internamente para cada mecanismo de complementação. Ou seja: não é possível tirar de um único mecanismo (dos 3 existentes) todo o valor que se deseja remanejar para a educação integral. Seria uma forma de assegurar que nenhum dos três critérios possa ser particularmente desidratado.
A proposta do Executivo foi alvo de severas críticas de várias vozes e entidades da Educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Fineduca, que divulgaram notas contrárias à proposta do Executivo.
A Campanha chamou o texto aprovado de “vitória parcial” por conseguir reduzir a flexibilização de 20 para 10% da complementação da União – e por conseguir conter uma outra emenda surgida durante a tramitação: a permissão de estados e municípios usarem recursos do Fundeb para alimentação escolar, o que não está previsto nas regras do fundo. “A importante vitória impediu um precedente terrível de colocar o Pnae para disputar recursos da Educação”, diz a nota da entidade, que afirma que a mudança aprovada já é suficiente para enfraquecer a capacidade do Fundeb de reduzir desigualdades.
O que essa mudança significa?
Com as alterações sofridas na tramitação, a nova regra não vai economizar tanto como o Executivo pretendia inicialmente, mas ainda terá impactos no financiamento da educação básica. Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, explica que, na prática, um recurso da casa de 6 bilhões de reais será retirado da Educação. “A decisão foi manter o programa de escola em tempo integral, mas deixando de alocar recursos específicos e sim usando o do Fundeb, o que é criar uma quarta modalidade de complementação cujos critérios não foram acordados nos 5 anos em que a proposta do Fundeb foi debatida no Congresso”.
A preocupação em relação à nova regra é potencializada porque o novo Fundeb ainda está em fase de implementação. Segundo o que foi aprovado em 2020, o aumento da complementação de recursos da União cresceria gradualmente até 2026, quando chegaria a 23%. Ou seja: as regras já foram alteradas antes mesmo do Fundo estar plenamente implementado. “Nós batalhamos muito pelo aumento da contribuição do governo federal para estados e municípios, por mais recursos e não por menos. E aí essa medida anularia praticamente todo o percentual conquistado na aprovação do Fundeb”, critica Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), que enfatiza a gravidade da proposta original de flexibilizar até 20% da complementação. Ela destaca que mesmo com o aumento gradual de recursos, o Fundeb vem operando num limite em relação ao montante necessário para a educação de qualidade, o que seria “apostar na precarização”.
O Professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Salomão Ximenes, na época da apresentação da proposta ao Congresso, enfatizou que “por mais meritório que possa ser o dito programa [de Educação Integral], não elimina o fato de que estarão desviando 20% [depois 10%] do Fundeb em plena etapa de consolidação, (…) sem avaliação de resultados e de impacto, sem dialogar com Estados e Municípios que sairão prejudicados e impondo um improvável retrocesso no financiamento da educação pública em relação ao conquistado durante o governo Bolsonaro”, disse.
Como a fala de Salomão indica – e movimentos sociais e entidades da Educação concordam -, o problema não é assegurar recursos para a educação integral e sim a manobra para que isso seja feito via Fundeb e não com programas próprios para este fim. A nota técnica da Fineduca lembra que o Fundeb já tem mecanismos que valorizam a educação integral, como os fatores de ponderação, que ainda poderiam ser aprimorados se fosse esse o objetivo. A assessora política do INESC, Cleo Manhas, reforça ainda que mesmo o ganho para educação integral é extremamente limitado se o resto da educação básica continua subfinanciada. “Não adianta dar uma poupança para estudantes [com o programa Pé de Meia] e não melhorar a escola que estão obrigados a estudar e que continua sem condições, com docentes em contratos temporários. Não adianta dizer que vai cumprir a educação em tempo integral dessa maneira tão precarizada. Educação em tempo integral exige escolas com muito mais infraestrutura, não é apenas colocar uma placa, é preciso ter uma escola atraente, com várias atividades, e não é isso que vemos”.
Cleo critica ainda a falta de estudos sobre os impactos de uma alteração desse porte: “Como estados e municípios vão fazer uma política de educação em tempo integral se não foi feito nenhum estudo de impacto? A proposição não veio acompanhada dos cálculos, da descrição dos objetivos e indicadores afetados, por exemplo, bem como de medidas de compensação para esse corte”. Por isso, entidades como a Fineduca têm afirmado que as novas regras do Fundeb alteram o papel do fundo de combater as desigualdades educacionais. Em nota, a Associação afirma que “o MEC contribui com o corte de gastos demandado pelo mercado financeiro, a pretexto da estabilidade fiscal do país, mas às custas da redução do potencial equalizador do Fundeb”.
Na mesma linha, a CNTE destacou que o texto aprovado pode comprometer a manutenção e investimentos das políticas em andamento, especialmente o pagamento da folha de pessoal da educação na esfera municipal – cerca de 70% do montante do Fundeb é destinado à valorização de profissionais da Educação. Já a Undime ressaltou que a alteração pode reduzir a autonomia dos entes federados, uma vez que parte da complementação poderá ficar “carimbada” para um uso específico, e que essa imposição desconsidera as especificidades dos municípios.
Por fim, há ainda dois pontos que preocupam sobre os impactos do ajuste fiscal na Educação: que a nova regra possa de alguma maneira descaracterizar o Fundeb; e a falta de tempo e diálogo com a sociedade em sua proposição. Para Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, a nova redação do Fundeb pode descaracterizar os critérios de redistribuição do Fundeb, pactuados ao longo de anos de debate público. “A questão que se coloca aqui é o precedente que foi aberto, da exigência de que os recursos do Fundeb devam ser direcionados para isto ou aquilo. Durante o processo de tramitação de 2015 a 2020, uma das emendas aprovadas dizia que uma parte dos recursos deve ser aplicada na educação infantil – o que foi, portanto, uma prioridade amplamente discutida. Fora a grande prioridade do Fundeb, que é aplicar 70% dos recursos em remuneração de profissionais. Então colocar agora mais uma prioridade e sem discussão é uma interferência, inclusive sobre a autonomia dos entes federativos, e um precedente”, alerta Nalu. “A sociedade brasileira não teve a oportunidade de discutir essa prioridade nem em que termos ela se daria”.
Nalu reconhece vários movimentos positivos no financiamento educacional desde o início da atual gestão de Lula, mas pondera suas limitações frente a um cenário mais generalizado de austeridade fiscal com fortes impactos em áreas sociais. “O Brasil não está aproveitando a oportunidade de levar adiante a discussão da implementação do Custo Aluno-Qualidade de educação básica. Isto é, de passarmos a realizar o planejamento da área da educação pensando nos recursos que são necessários para assegurar educação de qualidade, o que levaria inclusive ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Como realizar todas as metas se não aumentamos o nível do recurso?”, questiona.
A assessora política do INESC, Cleo Manhas, também é enfática sobre os efeitos das políticas de austeridade na educação e no enfrentamento de desigualdades: “Saúde e educação têm grandes orçamentos, mas dado o tamanho do público-alvo é fácil de ver que é um orçamento muito incipiente. E dessa forma podemos chegar em um ponto inviável para políticas sociais, especialmente porque temos ainda um passivo a ser resolvido que vem desde a pandemia. O arcabouço fiscal está caminhando para uma política recessiva tanto quanto o Teto de Gastos, e com o agravante de que um governo de centro-esquerda é muito mais cobrado do que governos de direita”, pondera. “ O Ministério da Fazenda devia ser um Ministério “meio” e não um Ministério “fim”, mas a economia virou um fim. Estamos reféns desse discurso econômico”.
Gestoras e sociedade civil mencionam também a ausência de dados e de apoio para a sua obtenção como desafios para a avaliação dos Planos de Educação
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
O atual Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela lei 13.005, de 2014, teve sua vigência prorrogada em 2024 por mais um ano, enquanto o texto do próximo plano não é votado no Congresso. A prorrogação do PNE impacta a política educacional nos níveis estadual e municipal – cujos planos subsequentes foram formulados há uma década com base no documento nacional. Agora, com os planos municipais e estaduais prestes a entrar em seu último ano de vigência, gestoras/es e sociedade civil elencam incertezas quanto ao futuro do planejamento educacional. Com o fim do decênio se aproximando, falhas e omissões também ficam mais evidentes, como a falta de vontade política, apoio ou transparência para implementar os planos, a falta de coordenação entre entes federados e a ausência de dados para realizar monitoramento e avaliação e, por consequência, planejar a próxima década na educação.
A Iniciativa De Olho nos Planos ouviu depoimentos de pessoas envolvidas na formulação, implementação e monitoramento dos planos de educação em diferentes municípios. As experiências narradas a seguir sintetizam desafios comuns enfrentados em outros locais, mas também podem inspirar novas estratégias em outras realidades. Após os relatos, foram sintetizadas ainda algumas perspectivas apontadas durante o seminário “Planos de Educação: desafios ao monitoramento e à implementação no nível local”, realizado pelo Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC em 30 de outubro e 1º de novembro, que debateu os resultados dos Planos de Educação dos municípios do Grande ABC.
RELATO 1: Angra dos Reis (RJ) – A dificuldade no diagnóstico
Relato de Eliana Teixeira, professora e pedagoga da rede municipal de Angra dos Reis. Ex-membro do Conselho Municipal de Educação, Delegada da Conae 2024 como representante dos profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro.
O PME de Angra dos Reis foi criado em 2015, seguindo e espelhando orientações do PNE, com vigência até 2025.
No Fórum [Permanente de Educação de Angra dos Reis], conseguimos fazer um relatório bem detalhado de monitoramento do Plano municipal em 2020, usando dados até 2019 levantados por nós mesmos do Fórum, usando indicadores criados por nós mesmos, já que não tínhamos informações suficientes de oficiais. Da pandemia para cá não conseguimos mais fazer, está difícil conseguir essas informações, e ao dialogar com outros municípios, percebemos essa mesma dificuldade para ter dados e indicadores. Em 2019 também não foi simples. Mesmo o dado populacional do município foi difícil de obter, uma vez que o Censo atrasou. E esse é um problema que afeta o Plano Nacional, uma vez que os municípios terão dificuldade de avançar em relação ao cumprimento das metas e objetivos se não têm clareza de seus próprios dados e avanços.
A partir da minha atuação, consigo ver avanços e mudanças, mas não temos dados claros. Por exemplo: vejo aumento do número de escolas de educação integral. Mas foi suficiente para alcançar a meta? Ninguém sabe. Ou seja, nós que atuamos na educação de forma incisiva e militante vamos levantando essas informações, mas elas não vêm de maneira institucional.
Temos buscado dados junto à Secretaria Municipal de Educação, mas não é o suficiente para os indicadores oficiais do PNE. Sofremos com a falta de um órgão que faça a nível municipal o tipo de levantamento que o INEP faz a nível nacional. Pelo INEP, temos dados de referência de 2014/15, mas não temos o acompanhamento – e seria importante que os relatórios de ciclos também tivessem dados municipais, porque assim conseguiríamos de fato monitorar, sabendo que os indicadores são construídos por um órgão de referência.
Estamos recebendo algumas informações [sobre o fechamento deste ciclo e o início do próximo] via Fórum Estadual do Rio de Janeiro – de forma institucional mas também através de comunicação entre nós que fomos delegadas e delegados da Conae 2024. O Fórum convocou uma reunião ampliada, o que foi muito importante para dividir com os municípios o que tem chegado até eles no âmbito estadual. A partir dessa reunião, também criamos um grupo informal só dos fóruns municipais de educação.
Entendo que pensar a construção do próximo plano e a finalização do atual são processos diferentes. Nós fizemos uma conferência para construir um novo plano nacional, mas para construir um novo plano no município precisamos saber a realidade local. E para isso precisamos de informações que dizem respeito ao plano atual. É preciso finalizar esse ciclo, fazer um diagnóstico de como estamos como município para poder pensar o próximo. E nisso não tenho visto orientação – apenas sobre o que vamos fazer para o próximo plano.
Falando como alguém que participou de todas as Conferências de Educação realizadas na cidade, vejo que estamos muito desmobilizados, e já há algum tempo. Especialmente desde a pandemia, e essa desmobilização se reflete em vários órgãos da gestão participativa. Tivemos uma quebra política, porque tínhamos um outro tipo de relação com a SASE (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino), com pessoas que nos auxiliavam na construção e monitoramento. Foi um período muito proveitoso quando podíamos contar com uma equipe técnica na Secretaria de Educação auxiliando o Fórum, o que não temos mais. A desmobilização da SASE desmobilizou também a rede de monitoramento do Plano, que o tratava como ele deveria ser: um projeto de Estado e não de governo. Nós seguimos bravamente, mas não conseguimos recuperar o empenho de antes – até pelo contexto político que afetou a rede de construção e formação coletiva e de trocas de experiência.
Sem dúvidas, esses são nossos maiores desafios para construir o próximo Plano Municipal de Educação de Angra dos Reis. Para construir é fundamental ter avaliação do período anterior – como o INEP e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação fazem a nível nacional, por exemplo. Precisamos disso a nível de município também. O outro fator é retomar o processo de mobilização, e já tenho visto que é possível na medida que vamos construindo essas redes de delegados, de municípios que compõem o Fórum Estadual. A retomada do apoio do governo federal via SASE também pode nos ajudar a construir essa rede e a nos fortalecer como município, mas para isso é preciso ter escuta não somente nos municípios mas também entre os municípios. Entendo que essa troca de experiências é fundamental para avançar a mobilização.
Pensando nesses apoios, e também no que temos recebido do Fórum Estadual, sou levada a esperançar nos termos de Paulo Freire. Esperançar que, em 2025, nós consigamos ter esse movimento mais coletivo também nos fóruns municipais. Já demos os primeiros passos. Temos que fortalecer a mobilização, tanto de profissionais da educação quanto de gestores e principalmente sociedade cvil, para continuar solicitando e pressionando e conseguir um diagnóstico, mesmo sem todos os dados consolidados. Precisamos fazer nossos próprios diagnósticos, e não esperar de braços cruzados o que vem do nível nacional.
O relato de Angra dos Reis evidencia um problema grave e generalizado: a insuficiência de dados para monitorar e avaliar os planos de Educação. Embora nos municípios essas dificuldades sejam ainda maiores, também são realidade a nível nacional. O Balanço do PNE realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em 2024, por exemplo, destacou essa lacuna, que atrapalhou a avaliação de 11 das 20 metas do Plano. Esse obstáculo, que atravessa o monitoramento de todo o plano, foi motor para que ativistas e entidades de Diadema, no ABC Paulista, pensassem em uma solução mais efetiva para contorná-la.
RELATO 2: Diadema (SP) – Novas alianças para que o Plano resista a flutuações políticas
Relato de Ana Lúcia Sanches, Secretária de Educação de Diadema e coordenadora do GT de Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC
Em Diadema, além do Plano Municipal de Educação, temos o Plano Regional do Grande ABC, que cobre os 7 municípios da região. Por aqui, por muito tempo tivemos gestões que não priorizaram o monitoramento dos planos. Então a década passou quase inteira sem instrumentos de monitoramento. Neste contexto, instituímos o Observatório Municipal de Educação de Diadema, justamente para olhar o PME e entender onde nos situamos. É preciso dar muito crédito à equipe do Fórum Municipal de Educação (especialmente na figura da professora Leonarda Barbosa Luna, quem estava à frente do Fórum) que, com toda a dificuldade e com meios limitados, fez um trabalho árduo, mesmo sem indicadores efetivos e com o Censo do IBGE atrasado.
Hoje temos o Observatório estruturado: construímos uma ferramenta de monitoramento, apresentamos para o Conselho Municipal de Educação, temos parceiros fundamentais. Acredito que a universidade, a UFABC, recuperou a tarefa e desafio do monitoramento e de ajudar gestores a enxergar suas fragilidades. Hoje, em Diadema, a partir da parceria com a UFABC e com organizações como a Ação Educativa, somos mais maduros para monitorar o plano daqui para a frente, seja como governo ou como sociedade civil. E isso é importante, porque esses interesses são diferentes, mas todos temos a oportunidade de ter um mapa muito mais lúcido sobre os desafios a serem enfrentados.
É indiscutível o papel do Coletivo, liderado pela UFABC, para chegarmos nesse estágio. A criação do Observatório Regional de Educação foi um esforço para que conhecêssemos nossas realidades, com suas fragilidades e forças, e hoje conta com uma boa estrutura que permite que tenhamos noção do quanto avançamos e do que falta. Na minha leitura, a experiência do Observatório é o principal mecanismo contemporâneo de acompanhamento dos planos.
Outro ponto a ser destacado nos últimos 10 anos é a importância do governo federal. Na verdade, de todos os entes federados. O impulsionamento feito no âmbito federal ajuda e mobiliza os municípios, e por isso o Sistema Nacional de Educação não pode ser apenas uma boa intenção ou ser regido pelo pensamento de que basta enviar dinheiro – embora, é claro, não adiante falar de Planos e definir estratégias se não houver recursos. Mas articulação federativa não é sobre isso e sim sobre instruir políticas públicas para que tenham efetivamente conexão entre financiamento, concepção e implementação. É nessa linha que não posso deixar de falar da ausência do governo estadual, que está absolutamente inexistente na vivência pública de qualquer gestor de educação nesse momento no que diz respeito a cumprir metas dos Planos de Educação. Dessa forma, qualquer implementação de plano sempre será falha e incompleta, uma vez que um ente fundamental não se posiciona.
No plano regional, estamos mais robustos, apostando muito na construção coletiva e na universidade como um terceiro ente que vai ser um sujeito mais permanente nessa conversa, independente dos ciclos eleitorais. Mas em relação à construção dos próximos planos, no âmbito estadual não temos qualquer orientação ou interlocução para falar do Plano de São Paulo, e há algo ainda incipiente sobre o plano nacional. Especificamente em Diadema, as informações acabam chegando, mas muito mais por vínculos afetivos do que por uma cadeia institucional estruturada. Essa nossa cadeia se agrega nos períodos de conferências, mas depois desidrata, o que pode ser um alerta para a nossa militância. Para a próxima década, o que confio é que avançamos bastante no processo de mobilização e organização, deixamos um Fórum Regional de Educação mais forte e mais ativo, e municípios com Fóruns municipais mais fortes.
Congregar forças é muito importante. Para manter os planos em dia é preciso sociedade civil atenta, fóruns funcionando e efetivo controle e denúncia de todo tipo de violação. As ferramentas de monitoramento só funcionam se os fóruns estiverem ativos e atuantes, e estes podem utilizar as ferramentas que o Observatório constrói para nos instruir na defesa e monitoramento dos diferentes segmentos envolvidos e do financiamento da educação. Já os gestores precisam olhar no olho do problema, porque quem não reconhece a realidade está fadado ao fracasso. E a sociedade civil precisa estar atenta e forte para que o trabalho se sustente com o tempo. A sociedade precisa ser sujeito da construção de um mundo mais humanizado, consciente que devemos zelar pela educação. Talvez, olhando para os últimos 10 anos, nossa força tenha sido justamente essa vigilância, o efetivo monitoramento.
O que fazer agora nos municípios e estados?
Diante de um cenário como esse, de dificuldade de obtenção de dados para monitoramento e avaliação e com pouca clareza quanto aos prazos para a próxima etapa, já que nem mesmo o PNE possui data estimada para votação, representações de municípios e estados podem estar desmobilizadas ou sem orientações quanto aos próximos passos. Esse foi um dos pontos abordados no seminário “Planos de Educação: desafios ao monitoramento e à implementação no nível local”, recentemente realizado pelo Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC, coordenado pela UFABC e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, em parceria com outras organizações, como a Secretaria Municipal de Diadema e a Ação Educativa. Na ocasião, gestoras e gestores, movimentos sociais, entidades representativas, academia e sociedade civil reuniram-se para refletir sobre aprendizados do decênio que está se encerrando e desafios para o próximo.
Selma Rocha, da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (MEC), reforçou que os próximos meses serão de encontros regionais com as instâncias responsáveis pelo monitoramento e avaliação dos planos a nível estadual e municipal (Secretarias de Educação, Conselhos, Comissões de Educação dos Legislativos e Fóruns de Educação). “É muito importante nesse momento que todos os segmentos da sociedade se organizem para terminar de monitorar os planos em vigência e começar a discutir os problemas, objetivos, metas e estratégias para os próximos. O MEC estará no próximo ano em todos os estados do país desenvolvendo esse apoio”, garantiu ela.
A importância do diagnóstico nos níveis municipal e estadual enquanto o novo PNE não fica pronto foi reforçado por diversas pessoas participantes, e a professora Leonarda Barbosa Luna, do Fórum Municipal de Educação de Diadema, também valorizou a experiência do município, compartilhando aprendizados que podem ser úteis para novas gestões a partir de 2025. Para os territórios que ainda não fizeram monitoramento, ressaltou que esse não é um passo simples. “Precisamos de conhecimentos técnicos. A implementação do Observatório e as parcerias são importantes para ter quem conhece as políticas públicas, que sabe tratar os dados do Censo e os dados que são difíceis para muitas pessoas. O Observatório é o pontapé inicial para começar a monitorar”. Além disso, Leonarda destacou a importância de envolver instâncias como o Fórum e o Conselho Municipal de Educação. “Ninguém faz nada sozinho”.
A professora da Faculdade de Educação da USP, Denise Carreira, ressaltou ainda que a avaliação e diagnósticos devem ser participativas. “É importante que as gestões municipais estimulem a construção do diagnóstico participativo de seus planos de Educação. Que possam estimular a autoavaliação participativa pelas escolas, porque é muito importante que esse diagnóstico mobilize as escolas para também dialogarem com seus Projetos Políticos Pedagógicos e com o Plano do município”, ressaltou Denise. “Um plano de verdade é um plano assumido pela sociedade e pelas comunidades escolares. Ou seja, a gente precisa que o debate sobre os planos possa ser discutido com as famílias, com os estudantes, com o conjunto das profissionais de educação. Esse é o desafio”.
O papel do financiamento adequado e equitativo para o cumprimento dos planos e para a garantia do direito à educação também foi levantado pela professora Adriana Dragoni, integrante da Fineduca e do Grupo que desenvolveu o simulador de Custo Aluno-Qualidade. Por isso, a pesquisadora estimulou o uso da ferramenta SimCAQ para construir planos baseados nas realidades de cada local. Especificamente, sobre quanto custa assegurar os Planos Municipal, Estadual e o PNE em cada local. Na plataforma, é possível preencher e alterar os parâmetros baseados em cada território.
As ações possíveis não acabam aí: fortalecer Fóruns e Conselhos de Educação para que possam trabalhar conjuntamente no monitoramento dos Planos, tornar o debate sobre os planos mais acessível com amplo envolvimento da população e das comunidades escolares, democratizar o debate sobre financiamento educacional e estabelecer parcerias e diálogo permanente com diferentes entes federados são outras possibilidades. É preciso valorizar os legados e ampliar a mobilização para que os Planos de Educação sejam um avanço na garantia de direitos e na redução de desigualdades.
Apesar da grande demanda potencial, há cada vez menos turmas de EJA no estado. Modalidade exige esforços diferenciados para assegurar permanência
Agência Brasil – EBC
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é direito de qualquer pessoa que não concluiu a educação básica. No Brasil, esse número pode chegar à casa de 80 milhões de pessoas. Apesar da imensa demanda potencial, as notícias mais comuns sobre a modalidade têm sido os anúncios de fechamento ou remanejamento de turmas, o que mantém e agrava desigualdades educacionais e sociais.
No estado de São Paulo, onde quase 12 milhões de pessoas são elegíveis para a EJA, o cenário não é diferente. Em 2023, havia 85.515 matrículas a menos na EJA presencial do que em 2020, segundo divulgado por nota técnica da Rede Escola Pública e Universidade (REPU). Foi uma queda de 61.9% nas matrículas, além da redução de 35.3% das matrículas na EJA semipresencial. Em abril de 2024, uma matéria do G1 com dados do Censo Escolar também já havia apontado essa tendência no estado, indicando redução de 57% nas matrículas da EJA Ensino Médio entre 2019 e 2023 (135 mil para 56 mil matrículas).
Como comenta a professora sênior da Faculdade de Educação da USP, Maria Clara Di Pierro, o processo de redução de matrículas nas redes municipal e, mais acentuadamente, estadual “é um processo que resulta de uma combinação de diversos fatores, como a inadequação de políticas públicas, o modelo escolar muito pouco atrativo e com questões de qualidade, e a falta de horizontes para jovens e adultos das camadas populares permanecerem na escola”. É um cenário que foi agravado na pandemia, mas que já vinha antes dela.
A tendência de queda no número de matrículas da EJA é nacional, reconhecida pelo Ministério da Educação como o grande desafio da modalidade. Ela reflete o sucateamento e abandono de quase todas as políticas para a modalidade na última década e que fazem com que o país esteja muito longe do patamar desejado para 2024 segundo previa o Plano Nacional de Educação (PNE). Como mostra o último balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foram mais de um milhão de matrículas perdidas na última década. Apesar de iniciativas recentes, como o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos, o cenário ainda deve demorar a ser revertido. E dadas as especificidades da EJA, para isso acontecer é preciso muita vontade política. Até lá, estudantes, movimentos e demais entidades e membros de comunidades escolares lutam para que o cenário não se agrave ainda mais.
Desafios da EJA
A Educação de Jovens e Adultos é historicamente subfinanciada. Por exemplo, até 2023 o repasse financeiro para cada matrícula de EJA via Fundeb era menor do que para um aluno do ensino fundamental regular. Isso em uma modalidade marcada por acolher estudantes trabalhadores e trabalhadoras, com suas necessidades e desafios próprios de acesso e permanência.
Maria Clara Di Pierro, professora sênior da FEUSP, destaca a necessidade das políticas públicas olharem para a EJA com lentes próprias e não com o mesmo olhar da escolarização obrigatória para crianças e adolescentes. Essa é uma grande demanda de quem está no chão da escola e sabe as condições de vulnerabilidade de grande parte de alunas e alunos da Educação de Jovens e Adultos. “O vínculo dos estudantes da EJA com a escola é intermitente. Eles vão e voltam. São sim persistentes, mas têm dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho e outros arranjos de vida e de construir um projeto a médio prazo. E isso é lido como evasão”, exemplifica a professora, reforçando que as respostas para um problema multideterminado precisam ser também múltiplas e intersetoriais.
A permanência na escola depende também de fatores como moradia, renda, transporte público e alimentação. Por isso, medidas como transferência de matrículas de EJA para outras unidades, um movimento que tem sido comum em São Paulo e no Brasil, pode ter impactos na permanência e aumentar o abandono escolar. Essas transferências ocorrem sob o nome de “nucleação”, que é quando várias turmas de EJA são transferidas e concentradas em uma única unidade. “É possível dizer que é ‘racional’ nuclear se há, por exemplo, poucos alunos e funcionários à noite. Mas ao fazer isso a EJA deixa de ser ofertada em várias escolas para ser ofertada em apenas uma. Fora o ônus do deslocamento, a falta de vínculo com a comunidade e com o território. Em outras palavras, é uma política contraproducente”, resume a professora Maria Clara Di Pierro, da FEUSP.
O cenário paulista
O sucateamento da modalidade também é realidade o cenário do maior estado do país, onde os números mostram que houve, além de redução na oferta de EJA, redução na oferta do do ensino médio regular no período noturno. A nota técnica “Redução na oferta da Educação de Jovens e Adultos e do ensino noturno na Rede Estadual de São Paulo, 2020-2023”, da REPU, traz vários dados que dão conta do problema:
A EJA presencial perdeu 61,9% das matrículas entre 2020 e 2023, período no qual desapareceram 85.515 matrículas.
As turmas da EJA presencial também diminuíram: eram 1945 turmas a menos em 2023, e quase 90% dessas turmas que deixaram de existir eram ofertadas à noite.
O noturno concentrou 99% do total de matrículas perdidas de EJA no período.
A EJA semipresencial perdeu 35,3% das matrículas entre 2020 e 2023.
As matrículas do ensino noturno regular também tiveram queda de 8.7%.
As perdas de matrículas foram ainda mais acentuadas nas escolas que aderiram ao Programa Ensino Integral (PEI) a partir de 2020. No período, 312 dessas escolas interromperam o atendimento à EJA e 470 deixaram de ofertar vagas no período noturno, levando a uma redução de 90.184 matrículas no período noturno.
As escolas que aderiram ao PEI a partir de 2020 perderam 84,5% das matrículas da EJA e 50,9% das matrículas do ensino noturno.
A Secretaria de Educação (Seduc) do Estado informou, em nota para essa reportagem, que hoje no estado de São Paulo existem 2,9 mil turmas em 793 escolas que ofertam a EJA, atendendo cerca de 66,7 mil alunos e alunas, e que qualquer estudante elegível para esse nível de ensino pode se matricular a qualquer momento do ano em uma unidade de ensino, em postos do Poupatempo ou pela Secretaria Escolar Digital (SED). A Pasta não comentou sobre as variações no número de matrículas ao longo dos anos.
A nota da REPU, que usa dados fornecidos pela Seduc, reconhece que os anos de 2020 e 2021, os de maior impacto da pandemia de Covid-19, foram atípicos e tiveram maiores índices de desistência e abandono escolar, mas defende que isso não é suficiente para explicar a queda nas matrículas. Isso porque a perda geral das matrículas na rede de ensino no mesmo período foi de 6.2%, muito distante dos mais de 60% na EJA.
O fato da quase totalidade das matrículas e turmas perdidas estarem no período noturno sugere, para as e os pesquisadores, quais políticas educacionais impactam as vagas nesse período, caso do Programa Ensino Integral (PEI). Implementado em 2012, o PEI tem jornada de sete horas e as escolas que aderiram ao modelo representam 45,2% da rede estadual paulista. Em muitos municípios há uma única escola estadual disponível. O argumento de que as escolas PEI aprofundam desigualdades educacionais baseia-se no fato de que estudantes trabalhadores e trabalhadoras muitas vezes só podem frequentar a escola em um turno, e não em período integral. Portanto, acabam se afastando da escola.
A adesão de escolas ao modelo cívico-militar – uma das bandeiras do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) – também impacta a oferta da EJA. A pesquisa da geógrafa Rafaela Miyake mapeou o perfil das primeiras escolas a aderirem ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) observou que, em São Paulo e no resto do Brasil, muitas unidades fecharam turmas da EJA e do noturno ao aderirem o programa. Isso porque as escolas, para serem elegíveis, não poderiam ofertar essas modalidades.
Na avaliação da professora Maria Clara Di Pierro, especialista em Educação de Jovens e Adultos na FEUSP, há uma “contrapolítica” no estado de SP em relação à EJA, que resulta na diminuição das matrículas. A nível nacional, a professora critica a falta de sanções – por exemplo, financeiras – aos municípios e estados brasileiros que descumprem suas obrigações constitucionais de ofertar Educação de Jovens e Adultos, já que em muitos municípios essa modalidade não é oferecida.
Na nota enviada à reportagem, a Seduc informa que tem “investido na ampliação das oportunidades de ingresso para estudantes na Educação de Jovens e Adultos” e que a Secretaria “também realiza constantemente campanhas de busca ativa para incentivar o retorno de estudantes que interromperam os estudos, em qualquer série oferecida pela rede estadual, incluindo a modalidade de EJA. Caso haja demanda, novas turmas podem ser abertas”.
A professora da FEUSP, Maria Clara Di Pierro, pontua que as pesquisas na área mostram que a demanda tem nuances. Embora gestores sempre citem a baixa demanda como motivo para fechamento de turmas, ela lembra que é preciso mobilizar e construir essa demanda, com ações mais eficazes de divulgação e busca ativa. “É preciso ação sistemática e organizada do poder público para pensar promoção e a permanência, porque hoje não há políticas de permanência e nem um modelo que considere a intermitência do vínculo”, critica. “Os dados mostram que há milhões de pessoas de demanda potencial, o que acontece é que essa demanda não está manifestada, não bate na porta da escola no momento do planejamento do ano letivo”, diz. A professora lembra que, dado o tamanho da demanda no estado de São Paulo, é possível [e desejável] investir em vários modelos da EJA que se adaptem aos diferentes públicos, inclusive o autoinstrucional. “O desafio é fazer uma oferta diversificada de modelos altamente flexíveis sem rebaixar a qualidade, sem ser majoritariamente à distância”, finalizou.
Comunidades escolares resistem
As comunidades escolares afetadas pelos fechamentos ou remanejamentos têm se manifestado contra esse movimento. É o caso do CIEJA Rose Mary Frasson, cuja comunidade tem se mobilizado em vários protestos nas últimas semanas, e também da escola estadual Dr. Décio Ferraz Alvim, que ganhou visibilidade após um protesto de estudantes em setembro ser interrompido pela entrada da Força Tática da Polícia Militar. O ocorrido foi divulgado por parlamentares como o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL), e o protesto foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) no mesmo mês. Na audiência, que também abordou fechamentos e supostas perseguições em outras unidades da rede estadual, vários estudantes e professores da EE Dr. Décio Ferraz Alvim narraram os acontecimentos da escola, acusando os gestores responsáveis de perseguição política em represália à movimentação comunitária pela permanência da EJA e do noturno.
A Secretaria de Educação do Estado informou, por nota, que não houve fechamento de turmas da EJA na unidade, que ela continua oferecendo o modelo e está com matrículas abertas. “Todos os estudantes têm vaga garantida na rede estadual, que ajusta o atendimento conforme a demanda”, diz o comunicado. A informação de que a EJA segue em vigor é confirmada por estudantes da unidade ouvidos para esta reportagem. O que explicam – e isso também é mencionado na audiência pública – que o que foi comunicado não era o fechamento imediato e sim que não seriam abertas novas turmas a partir de 2025 – portanto, a unidade não ofertaria mais EJA após a formatura dos atuais educandos e educandas. Além disso, profissionais relatam que o número de turmas na escola já vem diminuindo ao longo dos anos, apesar da demanda.
Segundo os e as estudantes – que são de turmas e modalidades diferentes – essa notícia foi dada à gestão da escola pela diretoria de ensino, e o então coordenador pedagógico visitou todas as salas para informar a situação. Isso mobilizou estudantes, que realizaram assembleia onde foi deliberada uma visita à Diretoria de Ensino responsável pela unidade. A caravana foi ouvida pela entidade – e após essa visita algumas vagas de EJA que tinham sido remanejadas para outra escola reabriram -, mas pouco tempo depois dois profissionais da escola foram afastados: a diretora e, logo em seguida, o coordenador pedagógico.
“Fiquei muito bravo [com o fechamento] por conta do trabalho sério de conscientização que tínhamos conseguido fazer. Alunos e professores começaram a discutir a questão, e eu me coloquei ao lado dos alunos. Eles fizeram assembleia na escola pra decidir passos a serem tomados e uma das deliberações foi uma manifestação em frente à Diretoria de Ensino, da qual participei. Fui o único membro da gestão lá [na manifestação]”. Ex-coordenador pedagógico da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.
Com a troca de quadros docentes em meio à mobilização estudantil, estudantes do noturno se organizaram para um protesto pacífico. O objetivo era, segundo elas e eles, conseguir conversar com a nova diretoria sobre o ocorrido e compreender o que estava por trás do afastamento, além de manifestar apoio à manutenção das salas da EJA e ao ex-coordenador.
“Um dia após minha cessação os alunos não voltaram para a sala de aula, pois queriam saber da diretoria o que estava acontecendo. Eu havia dado a minha palavra que estaria junto com eles contra o fechamento e reivindicando o retorno das matrículas que tinham sido tiradas daquela unidade. Foram os alunos que cobraram diretamente a nossa gestão quando souberam que algumas vagas não seriam mais abertas. Ex-coordenador pedagógico da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.
O corpo discente se organizou para, após o intervalo, não voltar às salas de aula até conseguirem dialogar com a Direção. O diálogo não veio, mas um grupo de estudantes foi recebido na sala da Direção. Não muito tempo depois, a Força Tática apareceu na porta da escola, entrou na unidade e, segundo estudantes, agiu para tirá-los de dentro. Todas as pessoas ouvidas relataram truculência policial e confirmam que ao menos um aluno da EJA, que é negro, foi revistado pelos policiais, situação que teria sido interrompida somente após ação de outros professores e professoras. O caso foi denunciado na Audiência Pública da ALESP, que também exibiu vídeos de estudantes, com medo, saindo às pressas da escola.
Também foi relatado que a direção aceitou conversar com um pequeno grupo de estudantes, e que, passada a confusão inicial, alguns alunos e alunas que ficaram na escola foram convidados e convidadas a dar depoimento aos policiais sobre o que aconteceu. Na manhã seguinte, houve outra movimentação estudantil e dessa vez a polícia, embora acionada, não chegou a entrar na escola, por ação de profissionais da unidade. Desde o episódio, segundo as pessoas ouvidas, impera o medo entre estudantes e profissionais, e a escola agora convive com patrulhas policiais.
Por telefone, a assessoria da Seduc informou que o protesto estudantil era motivado pela saída de um membro do corpo docente e não pelo fechamento de turmas de EJA, e não comentou o caso. Na audiência pública realizada na ALESP no dia 25 de setembro, o deputado Carlos Gianazzi informou que o Dirigente de Ensino havia sido convocado para depor na Comissão de Educação do Estado e que o comando geral da Polícia Militar também teria que dar explicações sobre a ação ocorrida na escola. Além disso, o deputado afirmou que o caso foi encaminhado à Defensoria Pública do Estado, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas.
Na unidade, as turmas seguem abertas, mas a mobilização foi afetada pelo clima de medo, perseguição e autocensura instalado após a intervenção policial. Ao mesmo tempo, um sentimento de revolta e injustiça:
A EJA está funcionando, mas nos dizem que vai fechar. Nós vemos fechar em outras escolas e temos medo que ano que vem esse assunto seja retomado e não tenha ninguém para nos proteger. Nosso medo é que fechem a EJA. (….) A escola está bem diferente, o clima bem pesado. Todo mundo ficou muito assustado, tanto que no dia seguinte [ao protesto] muita gente faltou. Quando eu vi a Força Tática fiquei em choque, não sabia o que esperar, quais seriam os próximos passos da polícia. Está todo mundo acuado, mas revoltado. Estudante da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.
Iniciativa é do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC, coordenado pela UFABC e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC com a parceria da Ação Educativa
O Observatório de Políticas Educacionais do Grande
ABC, primeira experiência desse tipo de âmbito regional no país, realizará entre
os dias 30 de outubro e 1º de novembro de 2024 o seminário “Planos de Educação:
desafios ao monitoramento e à implementação no nível local”, aberto ao público.
O evento acontecerá na UFABC, campus de São Bernardo do Campo, conforme
programação detalhada adiante.
O Seminário tem o objetivo de compartilhar os
primeiros resultados do projeto “Observatório de Políticas Educacionais:
planejamento regional e governança democrática para a qualidade da educação no
Grande ABC”, desenvolvido com o apoio do Programa de Pesquisa em Políticas
Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (PPPP/FAPESP)
e sob a coordenação acadêmica de Salomão Ximenes, da UFABC. Além disso, pretende disseminar metodologias
de monitoramento democrático das políticas educacionais em âmbito local, com a
realização de oficinas e de painéis de debates, que discutirão os desafios já
mapeados e sobre os quais o Observatório pretende incidir nos próximos anos,
com ênfase nas questões relacionadas ao fortalecimento das experiências em
nível local e regional.
A realização do Seminário “Planos de Educação:
desafios ao monitoramento e à implementação no nível local” coincide com o fim
do ciclo decenal inaugurado pelo Plano Nacional de Educação 2014 – 2024 (Lei n.
13.005/2014) e com a discussão sobre o novo PNE, cujas diretrizes foram
aprovadas na Conferência Nacional de Educação de 2024. Em junho deste ano, o
governo federal encaminhou o projeto de lei ao Congresso Nacional (PL n. 2614/2024).
O PNE 2014 – 2024 impulsionou a discussão e aprovação
de planos decenais no âmbito dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.
Na região do Grande ABC, a articulação representada pelo Consórcio
Intermunicipal Grande ABC e pelo Fórum Regional de Educação, com o suporte das
gestões municipais, dos fóruns de educação dos municípios, das universidades e
dos movimentos sociais, levou à realização de uma Conferência Regional de
Educação, cujo resultado foi a aprovação do Plano Regional de Educação do
Grande ABC (2016 – 2026).
O encerramento desse ciclo decenal de planejamento
participativo e democrático das políticas educacionais, previsto para o período
entre 2024 e 2026 (último ano de vigência dos planos locais), coloca em
destaque a necessidade de avaliar e renovar esse processo, articulando-o às
discussões em âmbitos nacional e estadual. A partir de 2024, a produção
colaborativa de políticas educacionais orientadas à plena realização do direito
à educação ganha um reforço, com o início da implantação do Observatório de
Políticas Educacionais do Grande ABC.
Além de uma apresentação dos objetivos do
Observatório, prevista para acontecer no dia 30 de outubro, estão previstas
também a realização de mesas de debate e oficinas com a presença de Daniel
Cara, docente na Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional
Pelo Direito à Educação; Adolfo Samuel de Oliveira – representante do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); Selma
Rocha, Diretora de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da
Educação; Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e
pesquisadora em políticas educacionais; Adriana Dragone Silveira, coordenadora
do Simulador de Custo-Aluno Qualidade (SIMCAQ) e dirigente da Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA); além de membros
do Observatório e das instituições parceiras que comporão as mesas de debates e
oficinas.
No dia 31 de outubro, haverá ainda o pré-lançamento do
“2º Relatório de Monitoramento e Avaliação do Plano Municipal de Diadema”,
fruto da parceria entre o Observatório de Educação de Diadema, vinculado à
Secretaria de Educação do Município, e o Observatório de Políticas Educacionais
do Grande ABC.
A participação no Seminário é aberta a educadores(as), gestores(as) educacionais, pesquisadores(as) e estudantes, membros dos fóruns e dos movimentos sociais em defesa da educação pública e interessados em geral.
Sobre o Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC
A criação do Observatório de Políticas Educacionais do
Grande ABC está prevista no inovador Plano Regional de Educação do Grande ABC
(PRE 2016-2026), aprovado pelos 7 (sete) municípios da região, como uma
política pública interfederativa e interinstitucional de planejamento,
monitoramento e avaliação orientada à melhoria da qualidade, à democratização
de condições educacionais e à gestão democrática, voltadas à plena realização
do direito à educação, mediante a articulação territorial das políticas educacionais.
Para isso, propõe a interação permanente entre os processos de gestão pública
planejados e a produção e disponibilização de conhecimentos científicos
pertinentes.
Em 2024, o Observatório passa a ser efetivamente
implementado, com coordenação da UFABC e do Consórcio Intermunicipal Grande
ABC, suporte do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP
(PPPP/FAPESP) e parceria da Ação Educativa, Secretaria de Educação do Município
de Diadema e Fórum Regional de Educação do Grande ABC, além de pesquisadores da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo
(USP).
O triênio apontado no projeto em implantação é
relevante para o fluxo da política pública objeto de estudo e intervenção, já que
entre 2024 e 2026 convergem os processos de avaliação dos decênios inaugurados
pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014 – 2024 e pelos planos estaduais,
municipais e regional de educação.
Políticas têm sido aprovadas sem atender demandas de estudantes e população negra é a mais prejudicada pelas reformas educacionais
EBC/Divulgação
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
Nos últimos anos, estudantes de todo país foram impactadas/os por várias mudanças em seu dia a dia escolar: a aprovação do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/17), a explosão de escolas cívico-militares, o fechamento das escolas com a pandemia de Covid-19 – nem sempre apoiado por ações que assegurassem a continuidade dos estudos de forma remota – e as várias alterações na lei do Novo Ensino Médio, nunca acompanhadas de aumento de investimento financeiro. Essas várias mudanças tiveram ao menos uma característica em comum: foram construídas e implementadas “de cima para baixo”, sem atender as demandas das e dos jovens, especialmente estudantes negras e negros das periferias, população que é a mais prejudicada pelas reformas educacionais em curso.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2023 mostram que cerca de sete em cada 10 jovens que abandonam a escola no Ensino Médio são negras e negros, sendo a necessidade de trabalhar o principal motivo. Apesar da aprovação de uma nova Política para o Ensino Médio em 2024, seguem os desafios com relação ao atendimento educacional de jovens que trabalham, principalmente daquelas e daqueles que abandonaram a escola. E os impactos das reformas educacionais para o Ensino Médio ainda afetam de forma negativa esses/as estudantes.
Para ser bem sincera, depois da reforma eu dei até uma desanimada da escola, principalmente por causa da parte digital. Sinto que não aprendo tanto só com a tela de celular, é diferente de ter professor explicando. (…) Os mais afetados somos nós que moramos na periferia e, em maior escala, pretos e periféricos. A gente olha mais de fora e vê que quem tem condições melhores, tipo as escolas particulares, não tem o Novo Ensino Médio como a gente. Estou tendo que fazer cursinho popular por fora, e vou concorrer à mesma vaga, com as mesmas exigências, mesmo não tendo o mesmo estudo. Estou indo para a escola para terminar o Ensino Médio, mas dizer que realmente estou aprendendo alguma coisa, eu não estou. Rebeca*, estudante do 3º ano do EM
Sendo preta e periférica, acho que muitos alunos da minha cor, a gente tem dificuldade de até mesmo seguir com essas plataformas [digitais]. Tá sendo horrível, porque a gente acaba não tendo tempo pra fazer as lições gerais dentro da sala de aula, os professores acabam tendo que fazer um trabalho que não é deles, e isso dificulta muito o ensino. Lara, estudante do 3º ano do EM
Nós queremos ensino médio de qualidade, que a gente possa passar no vestibular, porque projeto de vida não vai me ajudar a passar na Fuvest. Quero que foque exatamente naquilo que a gente precisa pra gente ocupar o lugar que é nosso por direito, porque essa coisa do [novo] ensino médio só foi pra afastar mais e mais a periferia da faculdade. Porque vem aquela coisa “preciso trabalhar”. E dando demandas que a gente não precisa, como projeto de vida, empreendedorismo, afastando a gente mais e mais de uma faculdade pública, a pessoa trabalha mais e mais pra poder pagar uma faculdade particular. Bianca, estudante do 3º ano do EM
*Nomes fictícios para os depoimentos das jovens e dos jovens que contribuíram com a reportagem
“É um projeto que impacta a agenda da educação antirracista na medida em que mantém o aprofundamento das desigualdades que a reforma do ensino médio de 2017 criou. Aquela desigualdade que vimos crescer se mantém, e vai continuar a ser ampliada. Quando isso acontece, a população negra e pobre é a mais atingida”, resume Débora Goulart, professora da Unifesp e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU).
Só para dar alguns exemplos: o “novo” Novo Ensino Médio deixa brechas para o ensino à distância (EaD), para a privatização e para a desescolarização. Isso porque agora até trabalho pode contar como carga horária de educação. Dizendo de outra maneira, a Reforma permite que uma atividade fora da escola (o trabalho) seja equivalente à escolarização.
“Com isso, o que está sendo dito é que para o Novo Ensino Médio, trabalho é uma forma de estudo e que trabalho juvenil substitui a escola. Ou seja, na impossibilidade de garantir só a escola para a população pobre, você faz ela trabalhar e que isso conte como estudo, o que é uma maneira de retirar estudantes da escola”, acrescenta Débora.
Em relação à oferta de Ensino Médio no período noturno, a lei recém sancionada também deixou uma brecha importante: ficou estabelecido que todos os municípios devem ter ao menos uma escola que disponibilize aulas nesse turno, mas apenas se houver demanda manifestada. Isso, como ressalta Débora Goulart, impacta fortemente a garantia do direito à educação, porque deixa a possibilidade de que essas aulas não sejam ofertadas. Ou seja, que estudantes, em sua maioria trabalhadoras e trabalhadores, não tenham garantida a oferta de ensino.
A situação também é muito precária no ensino técnico-profissionalizante, pois nessa modalidade houve flexibilização do principal e talvez único ponto positivo da nova lei: a carga horária mínima obrigatória. Depois de muita pressão popular, ficou assegurado o mínimo de 2.400 horas na formação geral básica (FGB) das e dos estudantes, mas para educação profissional o mínimo é de 2.100 horas. Nessa modalidade, também passou a ser permitida a contratação de docentes por “notório saber” – isto é, sem necessidade de formação em docência e em suas áreas específicas.
Todas essas mudanças vêm em um contexto em que a porcentagem de estudantes do ensino superior negras e negros em universidades federais saltou de 17% para 49%. Ou, nas palavras de Débora Goulart: “O NEM aprofunda as diferenças raciais do ponto de vista educacional. É a recolocação de uma barreira educacional para a população negra”, reforça a professora da Unifesp.
Com o Novo Ensino Médio eu fiquei muito desanimada da escola. Eu amava a escola, ler livros e pegar na biblioteca. Agora, de verdade, só faço porque tenho que fazer e concluir, basicamente vou porque tenho que ir. E são as pessoas da favela e da periferia que estão sofrendo isso. Foi o cursinho [popular, extra] que me animou um pouco mais a acreditar que vou conseguir ter acesso ao ensino superior. Lá eles fazem a gente acreditar de volta nisso, que a universidade pública é pra gente. Rebeca, estudante do 3º ano do EM
[A implementação] foi muito complicada. Um dos motivos de eu ainda estar no primeiro ano foi [problema com] as plataformas, porque mesmo que tenha tirado 10 dentro da sala de aula, se não consegue a nota na prova da plataforma, não adianta. E na pandemia eu tive um problema no sistema, eu não constava no sistema da minha escola. Aí começou a desandar. Leandro, estudante do 3º ano do EM
Exclusão, perseguição e racismo
Outro fenômeno em franco crescimento em todo o Brasil, e em especial no estado de São Paulo, é a militarização das escolas. Um processo de caráter racista, machista, LGBTfóbico e excludente com estudantes mais vulneráveis, já que a militarização prega pela obediência e pela padronização – que é baseada em ideais brancos, heteronormativos e que privilegia apenas um tipo de masculinidade e feminilidade.
Por exemplo: em março de 2022, uma estudante baiana negra foi impedida de entrar em sua escola por conta do cabelo crespo, recebendo a ordem de alisá-lo. No mesmo mês, em Santa Catarina, alunas receberam advertência por levar uma bandeira LGBT para a escola. Como destacou Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, a militarização “põe a escola a serviço de uma lógica racista de perseguição, de vigilância permanente e de contenção da juventude negra compreendida como uma ameaça à sociedade”. Isso se dá através da imposição de comportamentos rígidos e do silenciamento dos espaços de crítica ao modelo disciplinar militar, além do esvaziamento da gestão democrática e repressão à atuação de coletivos juvenis.
E os dados mostram a urgência de se debater e combater o racismo nas escolas: segundo a pesquisa Percepções do Racismo no Brasil, esse é o tema mais importante a ser debatido, com 69% das pessoas considerando-o prioritário. E cerca de 2 em cada 3 estudantes apontam justamente a escola como o ambiente onde mais o experienciam.
Um dos discursos utilizados para vender o modelo militarizado é de que essas escolas seriam “melhores”. Mas o que os dados mostram é que elas recebem muito mais investimento e que, na verdade, elas já tinham infraestrutura e nota do Ideb acima da média antes de serem militarizadas. E se a adesão à militarização não mudou substantivamente a “qualidade” do ensino nessas unidades, serviu para deixá-las mais excludentes. Isso porque, para aderir ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), as escolas tiveram que cumprir requisitos como fechar turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de ensino noturno – caracterizadas por receberem estudantes trabalhadoras e trabalhadores.
“Em geral, o perfil das escolas muda depois da militarização: embranquecem, atendem pessoas com mais condições financeiras, passam a ter congestionamento de carros”, descreve Catarina Almeida dos Santos, professora da UnB e especialista em militarização. Catarina ainda pontua o paradoxo de, por questões de segurança, se cogitar ou implementar um modelo liderado pelas mesmas forças responsáveis pela repressão à juventude negra: “É contraditório militarizar a escola com o discurso de garantir segurança e colocar dentro dela exatamente quem não garante a segurança do lado de fora, especialmente para quem é pobre e negro. É porque a sociedade está insegura que a escola também está, e não o contrário. Chamar os responsáveis por essa falha para resolvê-la não resolve nada”.
A professora da Unifesp e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), Débora Goulart, complementa: “o que significa para um estudante negro, que tem medo da polícia na rua, tê-la na escola? Sendo a escola esse ambiente que, com todos seus problemas, em geral é onde os jovens conseguem se expressar, se coletivizar e expressar suas identidades. A figura militarizada na escola enfraquece a possibilidade desses grupos se fortalecerem”.
Na minha escola, em comunidade, não ia dar certo. Os alunos estariam em risco. Giovana, estudante do 1º ano do EM.
A militarização nas escolas afeta o jovem negro acho que não só na parte estudantil, mas também o psicológico. Porque querendo ou não essas escolas querem que nós sejamos moldados ao que eles querem, na vestimenta, no cabelo. Então essas escolas são voltadas para que as pessoas percam a capacidade de pensar contra o sistema, entende? Porque pensando contra o sistema vem a revolução e eles não querem a revolução. Com essas escolas eles moldam os alunos pretos e periféricos pra que eles comecem a pensar exatamente da forma que eles querem que a gente pense. E com toda essa revolta contra a militarização isso pra eles está causando uma revolta do caramba, porque pra eles não deveria ser assim, preto não deveria ter voz. Periférico não tem voz. Como assim você tá indo contra o que eu tô falando? Bianca, estudante do 3º ano do EM
Ano passado trabalhei com mais pessoas da minha escola para ela não virar cívico-militar nem PEI, por conta da estrutura dela e da própria comunidade que está. Não seria bom para a escola e nem para os professores. E ficaram insistindo para virar, mandaram alguns alunos para outras unidades ver para como eram. Mas na nossa realidade não funciona. Eu agora no pré-exército já estou vendo que se você prestar atenção percebe que é um ambiente muito controlador, tem que seguir tudo à risca, querem bonequinhos. Ou segue à risca ou é humilhado, tem a voz calada. Leandro, estudante do 3º ano do EM
Acho que seria difícil [se a escola se militarizasse], porque a gente já tem que seguir regras, às vezes a gente não tem muito a oportunidade de dar nossas opiniões, expressar o que a gente pensa, fala, sente. Acho que isso ficaria muito difícil. Acaba tendo muita regra e são pessoas que deveriam proteger nosso povo, nossa periferia, mas acabam prejudicando muito. Acho que isso não funcionaria muito nas escolas. tanto pra nós como pretos ou como qualquer pessoa em geral, LGBTs…acho que não funcionaria muito bem. Lara, estudante do 3º ano do EM
Vai ser a gente pela gente pra tentar mudar a realidade. Se a gente não fizer nada, pra eles tá bom. Então os próprios estudantes que têm que se mover de alguma forma pra mudar a realidade. Rebeca, estudante do 3º ano do EM
O adolescente negro tá na base, tentando ainda entender os assuntos. E desde que me entendo por gente não vejo recompensa por debater, muitas vezes as escolas não querem que você pense e conheça seu próprio país. Isso é muito frustrante, ir colocando na cabeça das pessoas que se você é de classe baixa, pobre, negro, não pode ser ouvido. Acho que as pessoas deveriam ter mais compaixão, isso ir escalando para quem tem cargos públicos, porque ninguém é melhor do que ninguém, isso foi colocado para a gente seguir regras e ter medo de mudar, de ter um pingo de esperança. Leandro, estudante do 3º ano do EM
Acho que a gente deveria se unir mais. Com tudo isso que está acontecendo é mais um direito pra gente se unir e dizer que nós temos vozes, que nós temos direito de fazer o que a gente quer na escola porque nós somos os alunos, temos o direito de expor nossa opinião e falar o que a gente sente. Lara, estudante do 3º ano do EM
O que a gente pode fazer enquanto estudante periférico é ir pras ruas mesmo. Por que a gente é movimento social né? Pretos e periféricos são movimento social sim, vão pra rua, vão alcançar. Eu e você aqui fazendo reclamação não vai ter voz nenhuma, mas junta um monte de pessoas e vai pra Paulista pra você ver. Vai ter atenção, e quanto mais atenção melhor. Acho que a gente como estudante tem que sim reivindicar nosso direito e ir atrás porque aquela faculdade pública é nossa por direito. (…) Encontros como o de hoje [dos Projetos SETA e Tô No Rumo] ajudam os jovens a pensar. Todo mundo já pensa nisso, mas ajuda a formular o que tá pensando, sabe? Vai juntando ideias que talvez uma pessoa só não consiga pensar. Todo mundo quer a mesma coisa, uma melhoria, mas só como um todo podemos fazer diferença. Bianca, estudante do 3º ano do EM
Contenção de gastos no orçamento 2025 pode afetar de maneira mais profunda as políticas sociais
Agência Brasil/EBC
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
Ainda não se sabe ao certo como será o Orçamento de 2025 – a votação e aprovação estão atrasadas -, mas é possível dizer que ele não será generoso com as áreas sociais, como saúde, educação e assistência social. Nos últimos meses, o governo federal, especialmente via ministérios da Fazenda e do Planejamento, tem sinalizado cortes, contingenciamentos e outras medidas que podem significar menos recursos para esses setores. E no próximo ano deve ser aprovado o novo Plano Nacional de Educação (PNE), com validade de 10 anos, e que, ao contrário do que vem sinalizando a agenda econômica, prevê um aumento gradual do investimento em Educação.
“Os contigenciamentos que acontecem ao longo do ano atrapalham o cumprimento das metas educacionais, isso quando não há bloqueio de recursos. São componentes que atrapalham muito a gestão e o direito à educação, uma vez que se perde qualquer possibilidade de planejamento”, explica Nelson Amaral, professor da UFG e atual presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Além disso, um montante significativo do orçamento é hoje distribuído via emendas parlamentares – mecanismo com muito menos controle social e transparência. “O Legislativo atualmente é responsável pela execução de parte do Orçamento, e há uma certa chantagem do Congresso”, alerta Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), organização que monitora o orçamento público sob a lente dos direitos humanos.
Todos os anos, o orçamento do país é definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA), cujo projeto é enviado pelo Executivo ao Congresso até dia 31 de agosto. Neste ano, o governo ainda não enviou o projeto referente a 2025 porque o passo anterior está atrasado. Para elaborar a LOA, é preciso que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) já tenha sido votada – o que ainda não aconteceu. A LDO dá as diretrizes para o governo construir a LOA, sinalizando quais serão as prioridades orçamentárias. Ela deve ser aprovada pelo Congresso até julho, mas neste ano a Casa Legislativa entrou em recesso sem votá-la. Por isso ainda não é possível saber com certeza como estará distribuído o Orçamento para 2025. Ele segue em disputa, tendo as áreas sociais como alvos prioritários.
Teto de Gastos, Arcabouço Fiscal: como o governo pode usar o dinheiro que arrecada
Atualmente é o arcabouço fiscal, aprovado em 2023, que diz quais são as regras de gastos do dinheiro público. Ele substituiu a Emenda Constitucional 95 (o Teto de Gastos), promulgada em 2016, e que congelou os gastos públicos. Segundo a EC 95, os gastos em áreas como saúde e educação só podiam subir de acordo com a inflação, não havendo nenhum aumento real no investimento. O governo Bolsonaro descumpriu muitas vezes o Teto de Gastos, mas nunca para investir nas áreas sociais. Essa política de austeridade, sem investimentos reais em Educação, afetou fortemente o planejamento educacional e praticamente inviabilizou o cumprimento do atual Plano Nacional de Educação.
O arcabouço fiscal em vigor prevê que as despesas podem aumentar além da inflação, mas que o aumento não pode ultrapassar um certo patamar e deve ser compatível com o aumento da arrecadação. Ou seja, depende bastante da receita e, apesar de mais flexível, ainda impõe um limite. O arcabouço deve cumprir todas as obrigações constitucionais (como os pisos para Educação e Saúde), não se sobrepondo a elas.
Quase tudo – cerca de 90% – que o governo arrecada já tem destino certo. No caso da Educação, há o Fundeb e o piso constitucional, previsto também para outras áreas. Por conta disso, desde a década de 90 existe um mecanismo que autoriza que parte (20%) dessa receita comprometida seja desvinculada. Ou seja, que possa ser gasta em qualquer área. O mecanismo hoje se chama Desvinculação de Receitas da União (DRU). Criado para ser provisório, acabou sendo prorrogado diversas vezes e está em vigor até dia 31 de dezembro de 2024. No quebra-cabeça do orçamento para 2025, cogita-se prorrogar a DRU para aumentar a receita sem destino pré-determinado.
Essa manobra é interessante para o governo principalmente porque hoje mais da metade dos recursos discricionários – os não obrigatórios, não “carimbados” – é distribuída pelo Congresso através das emendas parlamentares. Por isso, diz-se que há uma “disputa entre Poderes” quando o assunto é orçamento, com o Executivo tendo que dividir o espaço com o Legislativo. Um ponto importante sobre as emendas parlamentares é que são um mecanismo com menos transparência e controle social do que o recurso via leis e programas já estabelecidos, que passam, por exemplo, por análise de Tribunais de Contas.
“O que acontece hoje no Brasil é uma situação muito complexa e paradoxal de briga entre poderes pelo controle do orçamento. A pequena parte discricionária, onde estão os investimentos em novos programas e que o governo pode decidir onde alocar, está migrando para as mãos do Congresso, que hoje controla quase 60% desse tipo de recurso. Como a maior parte dos recursos não tem essa flexibilidade, isso significa que o governo tem que disputar a discriccionaridade com o Congresso. E hoje ele está de certa forma rendido nessa disputa, pois há cada vez mais emendas impositivas”, resume a Ursula Peres, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e professora do curso de Gestão de Políticas Públicas na EACH/USP. “E, para abrir espaço no Orçamento, o governo tem caminhado mais para reduzir as despesas obrigatórias do que para brigar com o parlamento pelos recursos de investimentos, que são transformados em emenda e muitas vezes sem qualquer controle sobre sua execução”, diz Cleo Manhas, do Inesc.
Financiamento da Educação: principais mecanismos
A Educação pública tem várias fontes de financiamento. Na educação básica, a principal é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O Fundeb é um repasse obrigatório em todas as esferas (União, estados e municípios) e subsidia cerca de 40 milhões de matrículas, com mecanismos concebidos para enfrentar as desigualdades educacionais. Em 2020, ele foi alterado e constitucionalizado, tornando-se permanente. Nessa alteração, mais que dobrou a contribuição da União ao Fundeb. Ou seja, o governo federal é quem mais entra com recursos, repassando-os a estados e municípios – e esse aporte vai aumentar até pelo menos 2026. Além de ser um repasse obrigatório, o Fundeb ficou de fora do novo arcabouço fiscal, o que implica que as regras que limitam os gastos do governo não se aplicam a ele.
Outro compromisso da União é investir em educação ao menos 18% de tudo que é arrecadado com impostos – é o piso constitucional. Aprovado na Constituição Federal de 1988, é um compromisso orçamentário obrigatório (também há um piso para a Saúde de 15%, mas com origem diferente dos recursos). O piso também ficou limitado ao reajuste da inflação enquanto o Teto de Gastos esteve em vigor (2016-23).
Além dos gastos obrigatórios, há os chamados recursos discricionários, que são os não obrigatórios – e por isso, em geral são os mais ameaçados quando se fala em corte de gastos e controle de orçamento. Na educação, estão entre os gastos discricionários: transporte e alimentação escolar, livros didáticos, Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), os repasses a universidades federais e recursos de assistência estudantil.
O atual Plano Nacional de Educação determina que o total investido em Educação corresponda a 10% do PIB brasileiro – meta que nunca foi cumprida, sendo o patamar atual de cerca de 5.5%. O projeto do novo PNE enviado pelo Executivo ao Congresso reproduz essa meta para o próximo decênio.
Quais as ameaças ao financiamento da Educação
Muitas leis e programas já asseguram e regulamentam os mecanismos de financiamento da Educação, mas têm sido descumpridos ao longo dos anos sem grandes consequências. Ou impactados por políticas de austeridade fiscal, como o Teto de Gastos, que fez com que a Educação deixasse de receber mais de R$7 bilhões. “O financiamento da educação caiu consideravelmente durante a vigência do Teto de Gastos e no governo Bolsonaro, mas não foi só aí, não podemos nivelar por baixo. Se olharmos o PNE percebemos que ao longo dos 10 anos houve retrocesso. Teve Teto, Bolsonaro e pandemia, mas mesmo em governos democráticos não estamos aplicando o que deveríamos”, reforça Cleo Manhas, do INESC, ressaltando o subfinanciamento histórico da Educação pública brasileira.
As regras fiscais – como o Teto de Gastos e o Arcabouço Fiscal em vigor – estabelecem limites para os gastos sociais, mas não fazem o mesmo para todos os outros gastos do governo. Fica de fora, por exemplo, o pagamento de juros da dívida pública. “Por que falamos de austeridade fiscal o tempo todo? Em DRU, em acabar com vinculações constitucionais? Porque o tempo todo se sinaliza e se dá satisfações ao ‘mercado’ para garantir que vai haver pagamento dos juros. As políticas de austeridade não mexem na dívida pública, no mercado financeiro”, ressalta Nelson Amaral, presidente da Fineduca. “Austeridade é uma palavra difícil pra dizer que estamos cortando dinheiro das políticas que te alcançam”, resume ele.
Cleo Manhas, do INESC, reforça essa crítica, ressaltando que, quando o assunto é Orçamento, o governo federal é pressionado de todos os lados. “Por que a crítica é sempre do governo ‘gastar muito’ e sobre a necessidade de uma regra fiscal rígida para conter os gastos? É porque estão falando de gastos sociais. Um dos nossos maiores desafios é mostrar que essa narrativa é uma falácia e que na verdade o governo gasta muito menos do que deveria gastar com sua população, especialmente a mais empobrecida e vulnerabilizada”, diz.
Com o orçamento tão “pressionado” para os gastos sociais, a tendência é que as despesas discricionárias – não obrigatórias – sejam as mais afetadas. Na avaliação de Ursula Peres, da EACH/USP, o Ensino Superior, especialmente universidades federais, pode estar particularmente vulnerável. “A educação básica tem uma certa proteção por causa do Fundeb, que é obrigatório. Além disso, a maior parte dos recursos de emendas parlamentares tendem a ir para municípios, responsáveis também pela educação básica. São as verbas discricionárias que permitem a compra de equipamentos, a manutenção de laboratórios, condições de infraestrutura nas universidades. Nada disso é obrigatório, no Ensino Superior só são gastos obrigatórios os salários e a manutenção básica” explica. Ou seja, a expansão do ensino superior público fica ainda mais difícil, e há uma tendência a uma precarização dessas instituições – o que afeta majoritariamente as populações já marginalizadas.
No entanto, até mesmo os repasses obrigatórios para a Educação podem estar ameaçados. Em 2024, falou-se publicamente sobre a possibilidade de alterar as regras do piso constitucional para Saúde e Educação, limitando-os a 2,5% de crescimento acima da inflação.
Isso porque esse é um investimento que está fora do arcabouço fiscal e sob uma regra diferente, podendo crescer mais do que as outras despesas incluídas no arcabouço. Por isso o desejo do governo de limitá-lo, sob argumento de não pressionar ainda mais os gastos em outras áreas e/ou gastos não obrigatório.
A Iniciativa De Olho nos Planos alertou para esse descompasso – e sua potencial ameaça ao financiamento em saúde e educação – ainda em 2023. O advogado e professor da UFABC, Salomão Ximenes, apontou à época que o Novo Arcabouço Fiscal, se aprovado, poderia, como lei complementar, obrigar uma mudança na Constituição com consequências para os pisos constitucionais. O que se mostrou verdadeiro, já que o Ministro da Fazenda e ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad, cogitou alterá-los. Segundo o que circulou na imprensa em junho, a ideia só não avançou porque o presidente Lula se opôs. Mas como a LOA ainda não foi aprovada, não é possível saber se o risco foi totalmente descartado.
Expectativas para o orçamento e financiamento da Educação em 2025
Nem Cleo Manhas, Nelson Amaral ou Ursula Peres acreditam que os pisos constitucionais serão alterados para o próximo ano, mas concordam que as leis orçamentárias e a política econômica de forma mais ampla devem cercear ou limitar ainda mais alguns gastos em Educação. A professora da EACH/USP, Ursula Peres, destaca uma possível nova prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e acredita que o governo deve propor um orçamento “no limite do limite”. O presidente da Fineduca, Nelson Amaral, vê com preocupação que a defesa do piso constitucional tenha sido feita pelo próprio Presidente da República e não pelo ex-ministro da Educação, Fernando Haddad. “Acredito que para 2025 o governo deve fazer de tudo para aumentar a receita, mas acho que melhorias só se muito pontuais, não vejo nenhuma grande sinalização em relação à educação e saúde, ao cumprimento do PNE, até porque o arcabouço fiscal não permite”, avalia, enfatizando que a situação das universidades federais deve continuar limítrofe e exigindo mobilização de docentes, entidades estudantis e movimentos sociais.
Já Cleo Manhas, assessora política do INESC, alerta para movimentos que reduzam as fontes de financiamento para as áreas sociais. Por exemplo, alterações nas cestas de impostos. “Outra possibilidade é alterar o conceito de “receitas correntes líquidas”, que é de onde sai o dinheiro mínimo da saúde. O risco está aí o tempo todo, e educação, saúde, previdência e assistência social são as áreas em maior risco”, diz.
Para Ursula Peres, a educação pode ser alvo prioritário por receber maior de repasse da União se comparada, por exemplo, à saúde, ainda que os recursos para a educação sejam insuficientes para avançarmos na garantia de uma educação de qualidade e para a implementação das metas e estratégias do PNE. “Não é que a educação tenha financiamento suficiente, mas vem recebendo mais recursos da União, especialmente desde a aprovação do Novo Fundeb”, explica ela. “Mas reduzir os recursos em educação afeta direitos básicos e universais. E considerando, por exemplo, os mecanismos do Fundeb para aportar mais dinheiro para escolas que mais precisam, mexer nesses recursos é colocar em risco toda uma agenda de redução de desigualdades”. A pesquisadora do Centro de Estudos da Métrópole, Ursula Peres, destaca a importância de uma reforma tributária que assegure mais receitas para o governo como possibilidade de conter esses cortes – mas que ainda é incerta.
Como o novo PNE e o planejamento educacional podem ser afetados
Para quem olha de perto a política econômica atrelada ao direito à educação, um aspecto é consenso: sob a vigência do arcabouço fiscal, vai ser muito difícil aumentar os recursos para Educação segundo o que determina o PNE. “A meta de 10% não pode ser só figurativa, até porque há cálculos que a justificam e que mostram como precisamos desses recursos”, reforça Cleo Manhas, do Inesc. Ela se refere à Nota Técnica da Fineduca divulgada em dezembro de 2023, em que a entidade defende a manutenção dos 10% do PIB no novo PNE, mas sugere metas intermediárias diferentes das propostas pelo governo para facilitar seu cumprimento. O presidente da Fineduca, Nelson Amaral, é categórico ao dizer que a inclusão dessa meta por parte do governo foi positiva, mas que a análise do contexto traz dúvidas se ela realmente vai ser cumprida. “Tudo traz a questão: ela foi colocada para valer ou para satisfazer a base do governo?”.
Ursula Peres, da EACH/USP, enfatiza ainda o papel crucial de coordenação entre as esferas de poder para fazer valer o PNE e todas as políticas educacionais. Tema que ressalta a urgência do Sistema Nacional de Educação, que ainda não foi regulamentado. “O PNE depende das três esferas colocando e organizando recursos. Para um direito de fato ser garantido, não basta estar na Constituição, tem que estar no orçamento, e das três esferas. O direito à educação depende de uma ação coordenada e ajustada de União, estados e municípios remando para o mesmo lado”.
Mas em um contexto de cerceamento progressivo aos gastos sociais, a assessora política do INESC, Cleo Manhas, lembra da importância do campo progressista manter e sustentar um posicionamento crítico com relação aos cortes para as políticas sociais. “Sempre temos o ‘medo’ de fortalecer a extrema direita, mas o que de fato a fortalece é não falar. Eles nunca vão cobrar mais gastos sociais. Nós precisamos disputar essa narrativa e lembrar que a política econômica não é um fim em si mesmo, ela é um meio. O que de fato é um fim é saúde e educação pública e de qualidade para todas e todos”.