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Oferta da EJA e de ensino médio noturno tem se reduzido em São Paulo; comunidades escolares resistem

Apesar da grande demanda potencial, há cada vez menos turmas de EJA no estado. Modalidade exige esforços diferenciados para assegurar permanência 

Agência Brasil – EBC

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é direito de qualquer pessoa que não concluiu a educação básica. No Brasil, esse número pode chegar à casa de 80 milhões de pessoas. Apesar da imensa demanda potencial, as notícias mais comuns sobre a modalidade têm sido os anúncios de fechamento ou remanejamento de turmas, o que mantém e agrava desigualdades educacionais e sociais. 

No estado de São Paulo, onde quase 12 milhões de pessoas são elegíveis para a EJA, o cenário não é diferente. Em 2023, havia 85.515 matrículas a menos na EJA presencial do que em 2020, segundo divulgado por nota técnica da Rede Escola Pública e Universidade (REPU). Foi uma queda de 61.9% nas matrículas, além da redução de 35.3% das matrículas na EJA semipresencial. Em abril de 2024, uma matéria do G1 com dados do Censo Escolar também já havia apontado essa tendência no estado, indicando redução de 57% nas matrículas da EJA Ensino Médio entre 2019 e 2023 (135 mil para 56 mil matrículas). 

Como comenta a professora sênior da Faculdade de Educação da USP, Maria Clara Di Pierro, o processo de redução de matrículas nas redes municipal e, mais acentuadamente, estadual “é um processo que resulta de uma combinação de diversos fatores, como a inadequação de políticas públicas, o modelo escolar muito pouco atrativo e com questões de qualidade, e a falta de horizontes para jovens e adultos das camadas populares permanecerem na escola”. É um cenário que foi agravado na pandemia, mas que já vinha antes dela. 

A tendência de queda no número de matrículas da EJA é nacional, reconhecida pelo Ministério da Educação como o grande desafio da modalidade. Ela reflete o sucateamento e abandono de quase todas as políticas para a modalidade na última década e que fazem com que o país esteja muito longe do patamar desejado para 2024 segundo previa o Plano Nacional de Educação (PNE). Como mostra o último balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foram mais de um milhão de matrículas perdidas na última década. Apesar de iniciativas recentes, como o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos, o cenário ainda deve demorar a ser revertido. E dadas as especificidades da EJA, para isso acontecer é preciso muita vontade política. Até lá, estudantes, movimentos e demais entidades e membros de comunidades escolares lutam para que o cenário não se agrave ainda mais. 

Desafios da EJA 

A Educação de Jovens e Adultos é historicamente subfinanciada. Por exemplo, até 2023 o repasse financeiro para cada matrícula de EJA via Fundeb era menor do que para um aluno do ensino fundamental regular. Isso em uma modalidade marcada por acolher estudantes trabalhadores e trabalhadoras, com suas necessidades e desafios próprios de acesso e permanência. 

Maria Clara Di Pierro, professora sênior da FEUSP, destaca a necessidade das políticas públicas olharem para a EJA com lentes próprias e não com o mesmo olhar da escolarização obrigatória para crianças e adolescentes. Essa é uma grande demanda de quem está no chão da escola e sabe as condições de vulnerabilidade de grande parte de alunas e alunos da Educação de Jovens e Adultos. “O vínculo dos estudantes da EJA com a escola é intermitente. Eles vão e voltam. São sim persistentes, mas têm dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho e outros arranjos de vida e de construir um projeto a médio prazo. E isso é lido como evasão”, exemplifica a professora, reforçando que as respostas para um problema multideterminado precisam ser também múltiplas e intersetoriais. 

A permanência na escola depende também de fatores como moradia, renda, transporte público e alimentação. Por isso, medidas como transferência de matrículas de EJA para outras unidades, um movimento que tem sido comum em São Paulo e no Brasil, pode ter impactos na permanência e aumentar o abandono escolar. Essas transferências ocorrem sob o nome de “nucleação”, que é quando várias turmas de EJA são transferidas e concentradas em uma única unidade.  “É possível dizer que é ‘racional’ nuclear se há, por exemplo, poucos alunos e funcionários à noite. Mas ao fazer isso a EJA deixa de ser ofertada em várias escolas para ser ofertada em apenas uma. Fora o ônus do deslocamento, a falta de vínculo com a comunidade e com o território. Em outras palavras, é uma política contraproducente”, resume a professora Maria Clara Di Pierro, da FEUSP. 

O cenário paulista

O sucateamento da modalidade também é realidade o cenário do maior estado do país, onde os números mostram que houve, além de redução na oferta de EJA, redução na oferta do do ensino médio regular no período noturno. A nota técnica “Redução na oferta da Educação de Jovens e Adultos e do ensino noturno na Rede Estadual de São Paulo, 2020-2023”, da REPU, traz vários dados que dão conta do problema:

  • A EJA presencial perdeu 61,9% das matrículas entre 2020 e 2023, período no qual desapareceram 85.515 matrículas. 
  • As turmas da EJA presencial também diminuíram: eram 1945 turmas a menos em 2023, e quase 90% dessas turmas que deixaram de existir eram ofertadas à noite. 
  • O noturno concentrou 99% do total de matrículas perdidas de EJA no período. 
  • A EJA semipresencial perdeu 35,3% das matrículas entre 2020 e 2023. 
  • As matrículas do ensino noturno regular também tiveram queda de 8.7%. 
  • As perdas de matrículas foram ainda mais acentuadas nas escolas que aderiram ao Programa Ensino Integral (PEI) a partir de 2020. No período, 312 dessas escolas interromperam o atendimento à EJA e 470 deixaram de ofertar vagas no período noturno, levando a uma redução de 90.184 matrículas no período noturno.
  • As escolas que aderiram ao PEI a partir de 2020 perderam 84,5% das matrículas da EJA e 50,9% das matrículas do ensino noturno. 

A Secretaria de Educação (Seduc) do Estado informou, em nota para essa reportagem, que hoje no estado de São Paulo existem 2,9 mil turmas em 793 escolas que ofertam a EJA, atendendo cerca de 66,7 mil alunos e alunas, e que qualquer estudante elegível para esse nível de ensino pode se matricular a qualquer momento do ano em uma unidade de ensino, em postos do Poupatempo ou pela Secretaria Escolar Digital (SED). A Pasta não comentou sobre as variações no número de matrículas ao longo dos anos.

A nota da REPU, que usa dados fornecidos pela Seduc, reconhece que os anos de 2020 e 2021, os de maior impacto da pandemia de Covid-19, foram atípicos e tiveram maiores índices de desistência e abandono escolar, mas defende que isso não é suficiente para explicar a queda nas matrículas. Isso porque a perda geral das matrículas na rede de ensino no mesmo período foi de 6.2%, muito distante dos mais de 60% na EJA. 

O fato da quase totalidade das matrículas e turmas perdidas estarem no período noturno sugere, para as e os pesquisadores, quais políticas educacionais impactam as vagas nesse período, caso do Programa Ensino Integral (PEI). Implementado em 2012, o PEI tem jornada de sete horas e as escolas que aderiram ao modelo representam 45,2% da rede estadual paulista. Em muitos municípios há uma única escola estadual disponível. O argumento de que as escolas PEI aprofundam desigualdades educacionais baseia-se no fato de que estudantes trabalhadores e trabalhadoras muitas vezes só podem frequentar a escola em um turno, e não em período integral. Portanto, acabam se afastando da escola. 

A adesão de escolas ao modelo cívico-militar – uma das bandeiras do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) – também impacta a oferta da EJA. A pesquisa da geógrafa Rafaela Miyake mapeou o perfil das primeiras escolas a aderirem ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) observou que, em São Paulo e no resto do Brasil, muitas unidades fecharam turmas da EJA e do noturno ao aderirem o programa. Isso porque as escolas, para serem elegíveis, não poderiam ofertar essas modalidades. 

Na avaliação da professora Maria Clara Di Pierro, especialista em Educação de Jovens e Adultos na FEUSP, há uma “contrapolítica” no estado de SP em relação à EJA, que resulta na diminuição das matrículas. A nível nacional, a professora critica a falta de sanções – por exemplo, financeiras – aos municípios e estados brasileiros que descumprem suas obrigações constitucionais de ofertar Educação de Jovens e Adultos, já que em muitos municípios essa modalidade não é oferecida.

Na nota enviada à reportagem, a Seduc informa que tem “investido na ampliação das oportunidades de ingresso para estudantes na Educação de Jovens e Adultos” e que a Secretaria “também realiza constantemente campanhas de busca ativa para incentivar o retorno de estudantes que interromperam os estudos, em qualquer série oferecida pela rede estadual, incluindo a modalidade de EJA. Caso haja demanda, novas turmas podem ser abertas”. 

A professora da FEUSP, Maria Clara Di Pierro, pontua que as pesquisas na área mostram que a demanda tem nuances. Embora gestores sempre citem a baixa demanda como motivo para fechamento de turmas, ela lembra que é preciso mobilizar e construir essa demanda, com ações mais eficazes de divulgação e busca ativa. “É preciso ação sistemática e organizada do poder público para pensar promoção e a permanência, porque hoje não há políticas de permanência e nem um modelo que considere a intermitência do vínculo”, critica. “Os dados mostram que há milhões de pessoas de demanda potencial, o que acontece é que essa demanda não está manifestada, não bate na porta da escola no momento do planejamento do ano letivo”, diz. A professora lembra que, dado o tamanho da demanda no estado de São Paulo, é possível [e desejável] investir em vários modelos da EJA que se adaptem aos diferentes públicos, inclusive o autoinstrucional. “O desafio é fazer uma oferta diversificada de modelos altamente flexíveis sem rebaixar a qualidade, sem ser majoritariamente à distância”, finalizou. 

Comunidades escolares resistem 

As comunidades escolares afetadas pelos fechamentos ou remanejamentos têm se manifestado contra esse movimento. É o caso do CIEJA Rose Mary Frasson, cuja comunidade tem se mobilizado em vários protestos nas últimas semanas, e também da escola estadual Dr. Décio Ferraz Alvim, que ganhou visibilidade após um protesto de estudantes em setembro ser interrompido pela entrada da Força Tática da Polícia Militar. O ocorrido foi divulgado por parlamentares como o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL), e o protesto foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) no mesmo mês. Na audiência, que também abordou fechamentos e supostas perseguições em outras unidades da rede estadual, vários estudantes e professores da EE Dr. Décio Ferraz Alvim narraram os acontecimentos da escola, acusando os gestores responsáveis de perseguição política em represália à movimentação comunitária pela permanência da EJA e do noturno. 

A Secretaria de Educação do Estado informou, por nota, que não houve fechamento de turmas da EJA na unidade, que ela continua oferecendo o modelo e está com matrículas abertas. “Todos os estudantes têm vaga garantida na rede estadual, que ajusta o atendimento conforme a demanda”, diz o comunicado. A informação de que a EJA segue em vigor é confirmada por estudantes da unidade ouvidos para esta reportagem. O que explicam – e isso também é mencionado na audiência pública – que o que foi comunicado não era o fechamento imediato e sim que não seriam abertas novas turmas a partir de 2025 – portanto, a unidade não ofertaria mais EJA após a formatura dos atuais educandos e educandas. Além disso, profissionais relatam que o número de turmas na escola já vem diminuindo ao longo dos anos, apesar da demanda. 

Segundo os e as estudantes – que são de turmas e modalidades diferentes – essa notícia foi dada à gestão da escola pela diretoria de ensino, e o então coordenador pedagógico visitou todas as salas para informar a situação. Isso mobilizou estudantes, que realizaram assembleia onde foi deliberada uma visita à Diretoria de Ensino responsável pela unidade. A caravana foi ouvida pela entidade – e após essa visita algumas vagas de EJA que tinham sido remanejadas para outra escola reabriram -, mas pouco tempo depois dois profissionais da escola foram afastados: a diretora e, logo em seguida, o coordenador pedagógico. 


“Fiquei muito bravo [com o fechamento] por conta do trabalho sério de conscientização que tínhamos conseguido fazer. Alunos e professores começaram a discutir a questão, e eu me coloquei ao lado dos alunos. Eles fizeram assembleia na escola pra decidir passos a serem tomados e uma das deliberações foi uma manifestação em frente à Diretoria de Ensino, da qual participei. Fui o único membro da gestão lá [na manifestação]”.
Ex-coordenador pedagógico da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.

Com a troca de quadros docentes em meio à mobilização estudantil, estudantes do noturno se organizaram para um protesto pacífico. O objetivo era, segundo elas e eles, conseguir conversar com a nova diretoria sobre o ocorrido e compreender o que estava por trás do afastamento, além de manifestar apoio à manutenção das salas da EJA e ao ex-coordenador. 


“Um dia após minha cessação os alunos não voltaram para a sala de aula, pois queriam saber da diretoria o que estava acontecendo. Eu havia dado a minha palavra que estaria junto com eles contra o fechamento e reivindicando o retorno das matrículas que tinham sido tiradas daquela unidade. Foram os alunos que cobraram diretamente a nossa gestão quando souberam que algumas vagas não seriam mais abertas.
Ex-coordenador pedagógico da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.

O corpo discente se organizou para, após o intervalo, não voltar às salas de aula até conseguirem dialogar com a Direção. O diálogo não veio, mas um grupo de estudantes foi recebido na sala da Direção. Não muito tempo depois, a Força Tática apareceu na porta da escola, entrou na unidade e, segundo estudantes, agiu para tirá-los de dentro. Todas as pessoas ouvidas relataram truculência policial e confirmam que ao menos um aluno da EJA, que é negro, foi revistado pelos policiais, situação que teria sido interrompida somente após ação de outros professores e professoras. O caso foi denunciado na Audiência Pública da ALESP, que também exibiu vídeos de estudantes, com medo, saindo às pressas da escola. 

Também foi relatado que a direção aceitou conversar com um pequeno grupo de estudantes, e que, passada a confusão inicial, alguns alunos e alunas que ficaram na escola foram convidados e convidadas a dar depoimento aos policiais sobre o que aconteceu. Na manhã seguinte, houve outra movimentação estudantil e dessa vez a polícia, embora acionada, não chegou a entrar na escola, por ação de profissionais da unidade. Desde o episódio, segundo as pessoas ouvidas, impera o medo entre estudantes e profissionais, e a escola agora convive com patrulhas policiais.

Por telefone, a assessoria da Seduc informou que o protesto estudantil era motivado pela saída de um membro do corpo docente e não pelo fechamento de turmas de EJA, e não comentou o caso. Na audiência pública realizada na ALESP no dia 25 de setembro, o deputado Carlos Gianazzi informou que o Dirigente de Ensino havia sido convocado para depor na Comissão de Educação do Estado e que o comando geral da Polícia Militar também teria que dar explicações sobre a ação ocorrida na escola. Além disso, o deputado afirmou que o caso foi encaminhado à Defensoria Pública do Estado, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas. 

Na unidade, as turmas seguem abertas, mas a mobilização foi afetada pelo clima de medo, perseguição e autocensura instalado após a intervenção policial. Ao mesmo tempo, um sentimento de revolta e injustiça:


A EJA está funcionando, mas nos dizem que vai fechar. Nós vemos fechar em outras escolas e temos medo que ano que vem esse assunto seja retomado e não tenha ninguém para nos proteger. Nosso medo é que fechem a EJA. (….) A escola está bem diferente, o clima bem pesado. Todo mundo ficou muito assustado, tanto que no dia seguinte [ao protesto] muita gente faltou. Quando eu vi a Força Tática fiquei em choque, não sabia o que esperar, quais seriam os próximos passos da polícia. Está todo mundo acuado, mas revoltado.
Estudante da E.E Dr. Décio Ferraz Alvim.


Seminário debaterá os resultados dos Planos Decenais de Educação dos municípios do Grande ABC

Iniciativa é do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC, coordenado pela UFABC e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC com a parceria da Ação Educativa

O Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC, primeira experiência desse tipo de âmbito regional no país, realizará entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro de 2024 o seminário “Planos de Educação: desafios ao monitoramento e à implementação no nível local”, aberto ao público. O evento acontecerá na UFABC, campus de São Bernardo do Campo, conforme programação detalhada adiante.

O Seminário tem o objetivo de compartilhar os primeiros resultados do projeto “Observatório de Políticas Educacionais: planejamento regional e governança democrática para a qualidade da educação no Grande ABC”, desenvolvido com o apoio do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (PPPP/FAPESP) e sob a coordenação acadêmica de Salomão Ximenes, da UFABC.  Além disso, pretende disseminar metodologias de monitoramento democrático das políticas educacionais em âmbito local, com a realização de oficinas e de painéis de debates, que discutirão os desafios já mapeados e sobre os quais o Observatório pretende incidir nos próximos anos, com ênfase nas questões relacionadas ao fortalecimento das experiências em nível local e regional.

A realização do Seminário “Planos de Educação: desafios ao monitoramento e à implementação no nível local” coincide com o fim do ciclo decenal inaugurado pelo Plano Nacional de Educação 2014 – 2024 (Lei n. 13.005/2014) e com a discussão sobre o novo PNE, cujas diretrizes foram aprovadas na Conferência Nacional de Educação de 2024. Em junho deste ano, o governo federal encaminhou o projeto de lei ao Congresso Nacional (PL n. 2614/2024).

O PNE 2014 – 2024 impulsionou a discussão e aprovação de planos decenais no âmbito dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Na região do Grande ABC, a articulação representada pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC e pelo Fórum Regional de Educação, com o suporte das gestões municipais, dos fóruns de educação dos municípios, das universidades e dos movimentos sociais, levou à realização de uma Conferência Regional de Educação, cujo resultado foi a aprovação do Plano Regional de Educação do Grande ABC (2016 – 2026).

O encerramento desse ciclo decenal de planejamento participativo e democrático das políticas educacionais, previsto para o período entre 2024 e 2026 (último ano de vigência dos planos locais), coloca em destaque a necessidade de avaliar e renovar esse processo, articulando-o às discussões em âmbitos nacional e estadual. A partir de 2024, a produção colaborativa de políticas educacionais orientadas à plena realização do direito à educação ganha um reforço, com o início da implantação do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC.

Além de uma apresentação dos objetivos do Observatório, prevista para acontecer no dia 30 de outubro, estão previstas também a realização de mesas de debate e oficinas com a presença de Daniel Cara, docente na Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação; Adolfo Samuel de Oliveira – representante do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); Selma Rocha, Diretora de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação; Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora em políticas educacionais; Adriana Dragone Silveira, coordenadora do Simulador de Custo-Aluno Qualidade (SIMCAQ) e dirigente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA); além de membros do Observatório e das instituições parceiras que comporão as mesas de debates e oficinas.

No dia 31 de outubro, haverá ainda o pré-lançamento do “2º Relatório de Monitoramento e Avaliação do Plano Municipal de Diadema”, fruto da parceria entre o Observatório de Educação de Diadema, vinculado à Secretaria de Educação do Município, e o Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC.

A participação no Seminário é aberta a educadores(as), gestores(as) educacionais, pesquisadores(as) e estudantes, membros dos fóruns e dos movimentos sociais em defesa da educação pública e interessados em geral.

Sobre o Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC

A criação do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC está prevista no inovador Plano Regional de Educação do Grande ABC (PRE 2016-2026), aprovado pelos 7 (sete) municípios da região, como uma política pública interfederativa e interinstitucional de planejamento, monitoramento e avaliação orientada à melhoria da qualidade, à democratização de condições educacionais e à gestão democrática, voltadas à plena realização do direito à educação, mediante a articulação territorial das políticas educacionais. Para isso, propõe a interação permanente entre os processos de gestão pública planejados e a produção e disponibilização de conhecimentos científicos pertinentes.

Em 2024, o Observatório passa a ser efetivamente implementado, com coordenação da UFABC e do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, suporte do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP (PPPP/FAPESP) e parceria da Ação Educativa, Secretaria de Educação do Município de Diadema e Fórum Regional de Educação do Grande ABC, além de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP).

O triênio apontado no projeto em implantação é relevante para o fluxo da política pública objeto de estudo e intervenção, já que entre 2024 e 2026 convergem os processos de avaliação dos decênios inaugurados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014 – 2024 e pelos planos estaduais, municipais e regional de educação.

Confira a programação completa:

Inscrições

Seminário: Planos de Educação: desafios ao monitoramento e à implementação no nível local

Data: 30 de outubro a 1º de novembro de 2024

Local: UFABC – São Bernardo do Campo (SP), Auditório A003, Bloco Beta.

Programação

Dia 30 de outubro (quarta-feira)

19h – 22h. Mesa de Abertura

  • Apresentação do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC
  • Conferência inaugural – 10 anos de PNE: balanço e perspectivas para o próximo decênio

Convidado: Daniel Cara (FEUSP | Coordenador Honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação)

Coordenação: Salomão Ximenes (UFABC | Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC)

Dia 31 de outubro (quinta-feira)

9h – 12h30. Oficina Temática “Plano Regional e Planos Municipais de Educação do Grande ABC: onde chegamos, para onde vamos?”

Com Grupos de Trabalho do Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC

14h – 18h. Oficina Temática “O monitoramento do Plano Nacional de Educação: indicadores e painéis online” (Vagas limitadas!)

Convidado: Adolfo Samuel de Oliveira (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep)

19h. Pré-lançamento: “2º Relatório de Monitoramento e Avaliação do Plano Municipal de Diadema”

19h30 – 22h. Painel “Monitoramento dos Planos de Educação no Nível Local: desafios e experiências”

Convidados(as):

Adolfo Samuel de Oliveira (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC)

Ana Clara Carneiro (Observatório da Educação de Diadema)

Rodrigo Travitzki (Unicamp | Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC)

Paula Barbosa (UFABC | Observatório de Políticas Educacionais do Grande ABC)

Coordenação: Juliana Cavasini da Silva (Consórcio Intermunicipal Grande ABC)

Dia 1º de novembro (sexta-feira)

9h – 12h30. Painel “O novo PNE: gestão democrática, financiamento e redução das desigualdades educacionais”

Convidadas:

Selma Rocha (Diretora de Articulação com os Sistemas de Ensino, SASE/MEC)

Denise Carreira (FEUSP)

Adriana Dragone Silveira (UFPR | FINEDUCA | SIMCAQ)

Coordenação: Sérgio Stoco (Unifesp | CEDES | REPU)

14h – 18h. Oficina Temática “Simulador de Custo-Aluno Qualidade (SIMCAQ): aplicações no nível local” (Vagas limitadas!)

Convidada: Adriana Dragone Silveira (UFPR | FINEDUCA | SIMCAQ)

18h. Encerramento

18h – 19h. Confraternização | Atividade Cultural (Hall do Bloco Beta)

A educação antirracista diante do novo ensino médio e da militarização das escolas

Políticas têm sido aprovadas sem atender demandas de estudantes e população negra é a mais prejudicada pelas reformas educacionais 

Gênero, Raça e Laicidade Eleições 2018
EBC/Divulgação

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

Nos últimos anos, estudantes de todo país foram impactadas/os por várias mudanças em seu dia a dia escolar: a aprovação do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/17), a explosão de escolas cívico-militares, o fechamento das escolas com a pandemia de Covid-19 – nem sempre apoiado por ações que assegurassem a continuidade dos estudos de forma remota – e as várias alterações na lei do Novo Ensino Médio, nunca acompanhadas de aumento de investimento financeiro. Essas várias mudanças tiveram ao menos uma característica em comum: foram construídas e implementadas “de cima para baixo”, sem atender as demandas das e dos jovens, especialmente estudantes negras e negros das periferias, população que é a mais prejudicada pelas reformas educacionais em curso. 

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2023 mostram que cerca de sete em cada 10 jovens que abandonam a escola no Ensino Médio são negras e negros, sendo a necessidade de trabalhar o principal motivo. Apesar da aprovação de uma nova Política para o Ensino Médio em 2024, seguem os desafios com relação ao atendimento educacional de jovens que trabalham, principalmente daquelas e daqueles que abandonaram a escola. E os impactos das reformas educacionais para o Ensino Médio ainda afetam de forma negativa esses/as estudantes. 


Para ser bem sincera, depois da reforma eu dei até uma desanimada da escola, principalmente por causa da parte digital. Sinto que não aprendo tanto só com a tela de celular, é diferente de ter professor explicando. (…) Os mais afetados somos nós que moramos na periferia e, em maior escala, pretos e periféricos. A gente olha mais de fora e vê que quem tem condições melhores, tipo as escolas particulares, não tem o Novo Ensino Médio como a gente. Estou tendo que fazer cursinho popular por fora, e vou concorrer à mesma vaga, com as mesmas exigências, mesmo não tendo o mesmo estudo. Estou indo para a escola para terminar o Ensino Médio, mas dizer que realmente estou aprendendo alguma coisa, eu não estou. 
Rebeca*, estudante do 3º ano do EM

Sendo preta e periférica, acho que muitos alunos da minha cor, a gente tem dificuldade de até mesmo seguir com essas plataformas [digitais]. Tá sendo horrível, porque a gente acaba não tendo tempo pra fazer as lições gerais dentro da sala de aula, os professores acabam tendo que fazer um trabalho que não é deles, e isso dificulta muito o ensino. 
Lara, estudante do 3º ano do EM 

Nós queremos ensino médio de qualidade, que a gente possa passar no vestibular, porque projeto de vida não vai me ajudar a passar na Fuvest. Quero que foque exatamente naquilo que a gente precisa pra gente ocupar o lugar que é nosso por direito, porque essa coisa do [novo] ensino médio só foi pra afastar mais e mais a periferia da faculdade. Porque vem aquela coisa “preciso trabalhar”. E dando demandas que a gente não precisa, como projeto de vida, empreendedorismo, afastando a gente mais e mais de uma faculdade pública, a pessoa trabalha mais e mais pra poder pagar uma faculdade particular. 
Bianca, estudante do 3º ano do EM


*Nomes fictícios para os depoimentos das jovens e dos jovens que contribuíram com a reportagem

Mas o que há de novo no “Novo Ensino Médio”?

A gravidade da situação levou o Ministério da Educação a realizar uma consulta pública sobre o Ensino Médio logo no começo do novo governo Lula. Da consulta, resultaram propostas de alteração à lei 13.415 que poderiam corrigir vários problemas trazidos por ela – podendo inclusive levar à sua revogação -, mas que foram escanteadas quando chegaram ao Legislativo. A “nova” versão, sancionada no fim de julho de 2024, avança em garantir 2.400 horas para as disciplinas obrigatórias, mas mantém dispositivos que aprofundam as desigualdades raciais e sociais já existentes no Brasil. 

“É um projeto que impacta a agenda da educação antirracista na medida em que mantém o aprofundamento das desigualdades que a reforma do ensino médio de 2017 criou. Aquela desigualdade que vimos crescer se mantém, e vai continuar a ser ampliada. Quando isso acontece, a população negra e pobre é a mais atingida”, resume Débora Goulart, professora da Unifesp e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU). 

Só para dar alguns exemplos: o “novo” Novo Ensino Médio deixa brechas para o ensino à distância (EaD), para a privatização e para a desescolarização. Isso porque agora até trabalho pode contar como carga horária de educação. Dizendo de outra maneira, a Reforma permite que uma atividade fora da escola (o trabalho) seja equivalente à escolarização. 

“Com isso, o que está sendo dito é que para o Novo Ensino Médio, trabalho é uma forma de estudo e que trabalho juvenil substitui a escola. Ou seja, na impossibilidade de garantir só a escola para a população pobre, você faz ela trabalhar e que isso conte como estudo, o que é uma maneira de retirar estudantes da escola”, acrescenta Débora. 

Em relação à oferta de Ensino Médio no período noturno, a lei recém sancionada também deixou uma brecha importante: ficou estabelecido que todos os municípios devem ter ao menos uma escola que disponibilize aulas nesse turno, mas apenas se houver demanda manifestada. Isso, como ressalta Débora Goulart, impacta fortemente a garantia do direito à educação, porque deixa a possibilidade de que essas aulas não sejam ofertadas. Ou seja, que estudantes, em sua maioria trabalhadoras e trabalhadores, não tenham garantida a oferta de ensino. 

A situação também é muito precária no ensino técnico-profissionalizante, pois nessa modalidade houve flexibilização do principal e talvez único ponto positivo da nova lei: a carga horária mínima obrigatória. Depois de muita pressão popular, ficou assegurado o mínimo de 2.400 horas na formação geral básica (FGB) das e dos estudantes, mas para educação profissional o mínimo é de 2.100 horas. Nessa modalidade, também passou a ser permitida a contratação de docentes por “notório saber” – isto é, sem necessidade de formação em docência e em suas áreas específicas.

Todas essas mudanças vêm em um contexto em que a porcentagem de estudantes do ensino superior negras e negros em universidades federais saltou de 17% para 49%. Ou, nas palavras de Débora Goulart: “O NEM aprofunda as diferenças raciais do ponto de vista educacional. É a recolocação de uma barreira educacional para a população negra”, reforça a professora da Unifesp.  


Com o Novo Ensino Médio eu fiquei muito desanimada da escola. Eu amava a escola, ler livros e pegar na biblioteca. Agora, de verdade, só faço porque tenho que fazer e concluir, basicamente vou porque tenho que ir. E são as pessoas da favela e da periferia que estão sofrendo isso. Foi o cursinho [popular, extra] que me animou um pouco mais a acreditar que vou conseguir ter acesso ao ensino superior. Lá eles fazem a gente acreditar de volta nisso, que a universidade pública é pra gente
Rebeca, estudante do 3º ano do EM

[A implementação] foi muito complicada. Um dos motivos de eu ainda estar no primeiro ano foi [problema com] as plataformas, porque mesmo que tenha tirado 10 dentro da sala de aula, se não consegue a nota na prova da plataforma, não adianta. E na pandemia eu tive um problema no sistema, eu não constava no sistema da minha escola. Aí começou a desandar. 
Leandro, estudante do 3º ano do EM

Exclusão, perseguição e racismo 

Outro fenômeno em franco crescimento em todo o Brasil, e em especial no estado de São Paulo, é a militarização das escolas. Um processo de caráter racista, machista, LGBTfóbico e excludente com estudantes mais vulneráveis, já que a militarização prega pela obediência e pela padronização – que é baseada em ideais brancos, heteronormativos e que privilegia apenas um tipo de masculinidade e feminilidade. 

Por exemplo: em março de 2022, uma estudante baiana negra foi impedida de entrar em sua escola por conta do cabelo crespo, recebendo a ordem de alisá-lo. No mesmo mês, em Santa Catarina, alunas receberam advertência por levar uma bandeira LGBT para a escola. Como destacou Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, a militarização “põe a escola a serviço de uma lógica racista de perseguição, de vigilância permanente e de contenção da juventude negra compreendida como uma ameaça à sociedade”. Isso se dá através da imposição de comportamentos rígidos e do silenciamento dos espaços de crítica ao modelo disciplinar militar, além do esvaziamento da gestão democrática e repressão à atuação de coletivos juvenis.

E os dados mostram a urgência de se debater e combater o racismo nas escolas: segundo a pesquisa Percepções do Racismo no Brasil, esse é o tema mais importante a ser debatido, com 69% das pessoas considerando-o prioritário. E cerca de 2 em cada 3 estudantes apontam justamente a escola como o ambiente onde mais o experienciam.

Um dos discursos utilizados para vender o modelo militarizado é de que essas escolas seriam “melhores”. Mas o que os dados mostram é que elas recebem muito mais investimento e que, na verdade, elas já tinham infraestrutura e nota do Ideb acima da média antes de serem militarizadas. E se a adesão à militarização não mudou substantivamente a “qualidade” do ensino nessas unidades, serviu para deixá-las mais excludentes. Isso porque, para aderir ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), as escolas tiveram que cumprir requisitos como fechar turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de ensino noturno – caracterizadas por receberem estudantes trabalhadoras e trabalhadores. 

“Em geral, o perfil das escolas muda depois da militarização: embranquecem, atendem pessoas com mais condições financeiras, passam a ter congestionamento de carros”, descreve Catarina Almeida dos Santos, professora da UnB e especialista em militarização. Catarina ainda pontua o paradoxo de, por questões de segurança, se cogitar ou implementar um modelo liderado pelas mesmas forças responsáveis pela repressão à juventude negra: “É contraditório militarizar a escola com o discurso de garantir segurança e colocar dentro dela exatamente quem não garante a segurança do lado de fora, especialmente para quem é pobre e negro. É porque a sociedade está insegura que a escola também está, e não o contrário. Chamar os responsáveis por essa falha para resolvê-la não resolve nada”. 

A professora da Unifesp e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), Débora Goulart, complementa: “o que significa para um estudante negro, que tem medo da polícia na rua, tê-la na escola? Sendo a escola esse ambiente que, com todos seus problemas, em geral é onde os jovens conseguem se expressar, se coletivizar e expressar suas identidades. A figura militarizada na escola enfraquece a possibilidade desses grupos se fortalecerem”. 


Na minha escola, em comunidade, não ia dar certo. Os alunos estariam em risco. 
Giovana, estudante do 1º ano do EM. 

A militarização nas escolas afeta o jovem negro acho que não só na parte estudantil, mas também o psicológico. Porque querendo ou não essas escolas querem que nós sejamos moldados ao que eles querem, na vestimenta, no cabelo. Então essas escolas são voltadas para que as pessoas percam a capacidade de pensar contra o sistema, entende? Porque pensando contra o sistema vem a revolução e eles não querem a revolução. Com essas escolas eles moldam os alunos pretos e periféricos pra que eles comecem a pensar exatamente da forma que eles querem que a gente pense. E com toda essa revolta contra a militarização isso pra eles está causando uma revolta do caramba, porque pra eles não deveria ser assim, preto não deveria ter voz. Periférico não tem voz. Como assim você tá indo contra o que eu tô falando?  
Bianca, estudante do 3º ano do EM

Ano passado trabalhei com mais pessoas da minha escola para ela não virar cívico-militar nem PEI, por conta da estrutura dela e da própria comunidade que está. Não seria bom para a escola e nem para os professores. E ficaram insistindo para virar, mandaram alguns alunos para outras unidades ver para como eram. Mas na nossa realidade não funciona. Eu agora no pré-exército já estou vendo que se você prestar atenção percebe que é um ambiente muito controlador, tem que seguir tudo à risca, querem bonequinhos. Ou segue à risca ou é humilhado, tem a voz calada.
Leandro, estudante do 3º ano do EM

Acho que seria difícil [se a escola se militarizasse], porque a gente já tem que seguir regras, às vezes a gente não tem muito a oportunidade de dar nossas opiniões, expressar o que a gente pensa, fala, sente. Acho que isso ficaria muito difícil. Acaba tendo muita regra e são pessoas que deveriam proteger nosso povo, nossa periferia, mas acabam prejudicando muito. Acho que isso não funcionaria muito nas escolas. tanto pra nós como pretos ou como qualquer pessoa em geral, LGBTs…acho que não funcionaria muito bem. 
Lara, estudante do 3º ano do EM 

Apostas e caminhos

As juventudes, especialmente as negras, periféricas e LGBTQIA+, sempre encontraram muitas formas de se expressar e de resistir aos sucessivos desmontes. E seguem resistindo à imposição do Novo Ensino Médio, das escolas militarizadas e de políticas que as afetam diretamente. Seguem lutando por uma educação de qualidade, que abra caminhos e oportunidades para o futuro e que as/os escute – por que uma educação antirracista é uma educação que interrompe e corrige desigualdades históricas, o que também inclui assegurar a gestão democrática e a participação efetiva de estudantes


Vai ser a gente pela gente pra tentar mudar a realidade. Se a gente não fizer nada, pra eles tá bom. Então os próprios estudantes que têm que se mover de alguma forma pra mudar a realidade. 
Rebeca, estudante do 3º ano do EM

O adolescente negro tá na base, tentando ainda entender os assuntos. E desde que me entendo por gente não vejo recompensa por debater, muitas vezes as escolas não querem que você pense e conheça seu próprio país. Isso é muito frustrante, ir colocando na cabeça das pessoas que se você é de classe baixa, pobre, negro, não pode ser ouvido. Acho que as pessoas deveriam ter mais compaixão, isso ir escalando para quem tem cargos públicos, porque ninguém é melhor do que ninguém, isso foi colocado para a gente seguir regras e ter medo de mudar, de ter um pingo de esperança. 
Leandro, estudante do 3º ano do EM

Acho que a gente deveria se unir mais. Com tudo isso que está acontecendo é mais um direito pra gente se unir e dizer que nós temos vozes, que nós temos direito de fazer o que a gente quer na escola porque nós somos os alunos, temos o direito de expor nossa opinião e falar o que a gente sente.
Lara, estudante do 3º ano do EM 

O que a gente pode fazer enquanto estudante periférico é ir pras ruas mesmo. Por que a gente é movimento social né? Pretos e periféricos são movimento social sim, vão pra rua, vão alcançar. Eu e você aqui fazendo reclamação não vai ter voz nenhuma, mas junta um monte de pessoas e vai pra Paulista pra você ver. Vai ter atenção, e quanto mais atenção melhor. Acho que a gente como estudante tem que sim reivindicar nosso direito e ir atrás porque aquela faculdade pública é nossa por direito.  (…) Encontros como o de hoje [dos Projetos SETA e Tô No Rumo] ajudam os jovens a pensar. Todo mundo já pensa nisso, mas ajuda a formular o que tá pensando, sabe? Vai juntando ideias que talvez uma pessoa só não consiga pensar. Todo mundo quer a mesma coisa, uma melhoria, mas só como um todo podemos fazer diferença. 
Bianca, estudante do 3º ano do EM


As ameaças ao orçamento da Educação em 2025

Contenção de gastos no orçamento 2025 pode afetar de maneira mais profunda as políticas sociais   

Agência Brasil/EBC

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira 

Ainda não se sabe ao certo como será o Orçamento de 2025 – a votação e aprovação estão atrasadas -, mas é possível dizer que ele não será generoso com as áreas sociais, como saúde, educação e assistência social. Nos últimos meses, o governo federal, especialmente via ministérios da Fazenda e do Planejamento, tem sinalizado cortes, contingenciamentos e outras medidas que podem significar menos recursos para esses setores. E no próximo ano deve ser aprovado o novo Plano Nacional de Educação (PNE), com validade de 10 anos, e que, ao contrário do que vem sinalizando a agenda econômica, prevê um aumento gradual do investimento em Educação.

“Os contigenciamentos que acontecem ao longo do ano atrapalham o cumprimento das metas educacionais, isso quando não há bloqueio de recursos. São componentes que atrapalham muito a gestão e o direito à educação, uma vez que se perde qualquer possibilidade de planejamento”, explica Nelson Amaral, professor da UFG e atual presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). 

Além disso, um montante significativo do orçamento é hoje distribuído via emendas parlamentares – mecanismo com muito menos controle social e transparência. “O Legislativo atualmente é responsável pela execução de parte do Orçamento, e há uma certa chantagem do Congresso”, alerta Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), organização que monitora o orçamento público sob a lente dos direitos humanos. 

Todos os anos, o orçamento do país é definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA), cujo projeto é enviado pelo Executivo ao Congresso até dia 31 de agosto. Neste ano, o governo ainda não enviou o projeto referente a 2025 porque o passo anterior está atrasado. Para elaborar a LOA, é preciso que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) já tenha sido votada – o que ainda não aconteceu. A LDO dá as diretrizes para o governo construir a LOA, sinalizando quais serão as prioridades orçamentárias. Ela deve ser aprovada pelo Congresso até julho, mas neste ano a Casa Legislativa entrou em recesso sem votá-la. Por isso ainda não é possível saber com certeza como estará distribuído o Orçamento para 2025. Ele segue em disputa, tendo as áreas sociais como alvos prioritários. 

Teto de Gastos, Arcabouço Fiscal: como o governo pode usar o dinheiro que arrecada

Atualmente é o arcabouço fiscal, aprovado em 2023, que diz quais são as regras de gastos do dinheiro público. Ele substituiu a Emenda Constitucional 95 (o Teto de Gastos), promulgada em 2016, e que congelou os gastos públicos. Segundo a EC 95, os gastos em áreas como saúde e educação só podiam subir de acordo com a inflação, não havendo nenhum aumento real no investimento. O governo Bolsonaro descumpriu muitas vezes o Teto de Gastos, mas nunca para investir nas áreas sociais. Essa política de austeridade, sem investimentos reais em Educação, afetou fortemente o planejamento educacional e praticamente inviabilizou o cumprimento do atual Plano Nacional de Educação

O arcabouço fiscal em vigor prevê que as despesas podem aumentar além da inflação, mas que o aumento não pode ultrapassar um certo patamar e deve ser compatível com o aumento da arrecadação. Ou seja, depende bastante da receita e, apesar de mais flexível, ainda impõe um limite. O arcabouço deve cumprir todas as obrigações constitucionais (como os pisos para Educação e Saúde), não se sobrepondo a elas. 

Quase tudo – cerca de 90% – que o governo arrecada já tem destino certo. No caso da Educação, há o Fundeb e o piso constitucional, previsto também para outras áreas. Por conta disso, desde a década de 90 existe um mecanismo que autoriza que parte (20%) dessa receita comprometida seja desvinculada. Ou seja, que possa ser gasta em qualquer área. O mecanismo hoje se chama Desvinculação de Receitas da União (DRU). Criado para ser provisório, acabou sendo prorrogado diversas vezes e está em vigor até dia 31 de dezembro de 2024. No quebra-cabeça do orçamento para 2025, cogita-se prorrogar a DRU para aumentar a receita sem destino pré-determinado. 

Essa manobra é interessante para o governo principalmente porque hoje mais da metade dos recursos discricionários – os não obrigatórios, não “carimbados” – é distribuída pelo Congresso através das emendas parlamentares. Por isso, diz-se que há uma “disputa entre Poderes” quando o assunto é orçamento, com o Executivo tendo que dividir o espaço com o Legislativo. Um ponto importante sobre as emendas parlamentares é que são um mecanismo com menos transparência e controle social do que o recurso via leis e programas já estabelecidos, que passam, por exemplo, por análise de Tribunais de Contas. 

“O que acontece hoje no Brasil é uma situação muito complexa e paradoxal de briga entre poderes pelo controle do orçamento. A pequena parte discricionária, onde estão os investimentos em novos programas e que o governo pode decidir onde alocar, está migrando para as mãos do Congresso, que hoje controla quase 60% desse tipo de recurso. Como a maior parte dos recursos não tem essa flexibilidade, isso significa que o governo tem que disputar a discriccionaridade com o Congresso. E hoje ele está de certa forma rendido nessa disputa, pois há cada vez mais emendas impositivas”, resume a Ursula Peres, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e professora do curso de Gestão de Políticas Públicas na EACH/USP. “E, para abrir espaço no Orçamento, o governo tem caminhado mais para reduzir as despesas obrigatórias do que para brigar com o parlamento pelos recursos de investimentos, que são transformados em emenda e muitas vezes sem qualquer controle sobre sua execução”, diz Cleo Manhas, do Inesc. 

Financiamento da Educação: principais mecanismos 

A Educação pública tem várias fontes de financiamento. Na educação básica, a principal é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O Fundeb é um repasse obrigatório em todas as esferas (União, estados e municípios) e subsidia cerca de 40 milhões de matrículas, com mecanismos concebidos para enfrentar as desigualdades educacionais. Em 2020, ele foi alterado e constitucionalizado, tornando-se permanente. Nessa alteração, mais que dobrou a contribuição da União ao Fundeb. Ou seja, o governo federal é quem mais entra com recursos, repassando-os a estados e municípios – e esse aporte vai aumentar até pelo menos 2026. Além de ser um repasse obrigatório, o Fundeb ficou de fora do novo arcabouço fiscal, o que implica que as regras que limitam os gastos do governo não se aplicam a ele. 

Outro compromisso da União é investir em educação ao menos 18% de tudo que é arrecadado com impostos – é o piso constitucional. Aprovado na Constituição Federal de 1988, é um compromisso orçamentário obrigatório (também há um piso para a Saúde de 15%, mas com origem diferente dos recursos). O piso também ficou limitado ao reajuste da inflação enquanto o Teto de Gastos esteve em vigor (2016-23).

Além dos gastos obrigatórios, há os chamados recursos discricionários, que são os não obrigatórios – e por isso, em geral são os mais ameaçados quando se fala em corte de gastos e controle de orçamento. Na educação, estão entre os gastos discricionários: transporte e alimentação escolar, livros didáticos, Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), os repasses a universidades federais e recursos de assistência estudantil. 

O atual Plano Nacional de Educação determina que o total investido em Educação corresponda a 10% do PIB brasileiro – meta que nunca foi cumprida, sendo o patamar atual de cerca de 5.5%. O projeto do novo PNE enviado pelo Executivo ao Congresso reproduz essa meta para o próximo decênio. 

Quais as ameaças ao financiamento da Educação 

Muitas leis e programas já asseguram e regulamentam os mecanismos de financiamento da Educação, mas têm sido descumpridos ao longo dos anos sem grandes consequências. Ou impactados por políticas de austeridade fiscal, como o Teto de Gastos, que fez com que a Educação deixasse de receber mais de R$7 bilhões. “O financiamento da educação caiu consideravelmente durante a vigência do Teto de Gastos e no governo Bolsonaro, mas não foi só aí, não podemos nivelar por baixo. Se olharmos o PNE percebemos que ao longo dos 10 anos houve retrocesso. Teve Teto, Bolsonaro e pandemia, mas mesmo em governos democráticos não estamos aplicando o que deveríamos”, reforça Cleo Manhas, do INESC, ressaltando o subfinanciamento histórico da Educação pública brasileira. 

As regras fiscais – como o Teto de Gastos e o Arcabouço Fiscal em vigor – estabelecem limites para os gastos sociais, mas não fazem o mesmo para todos os outros gastos do governo. Fica de fora, por exemplo, o pagamento de juros da dívida pública. “Por que falamos de austeridade fiscal o tempo todo? Em DRU, em acabar com vinculações constitucionais? Porque o tempo todo se sinaliza e se dá satisfações ao ‘mercado’ para garantir que vai haver pagamento dos juros. As políticas de austeridade não mexem na dívida pública, no mercado financeiro”, ressalta Nelson Amaral, presidente da Fineduca. “Austeridade é uma palavra difícil pra dizer que estamos cortando dinheiro das políticas que te alcançam”, resume ele. 

Cleo Manhas, do INESC, reforça essa crítica, ressaltando que, quando o assunto é Orçamento, o governo federal é pressionado de todos os lados. “Por que a crítica é sempre do governo ‘gastar muito’ e sobre a necessidade de uma regra fiscal rígida para conter os gastos? É porque estão falando de gastos sociais. Um dos nossos maiores desafios é mostrar que essa narrativa é uma falácia e que na verdade o governo gasta muito menos do que deveria gastar com sua população, especialmente a mais empobrecida e vulnerabilizada”, diz. 

Com o orçamento tão “pressionado” para os gastos sociais, a tendência é que as despesas discricionárias – não obrigatórias – sejam as mais afetadas. Na avaliação de Ursula Peres, da EACH/USP, o Ensino Superior, especialmente universidades federais, pode estar particularmente vulnerável. “A educação básica tem uma certa proteção por causa do Fundeb, que é obrigatório. Além disso, a maior parte dos recursos de emendas parlamentares tendem a ir para municípios, responsáveis também pela educação básica. São as verbas discricionárias que permitem a compra de equipamentos, a manutenção de laboratórios, condições de infraestrutura nas universidades. Nada disso é obrigatório, no Ensino Superior só são gastos obrigatórios os salários e a manutenção básica” explica. Ou seja, a expansão do ensino superior público fica ainda mais difícil, e há uma tendência a uma precarização dessas instituições – o que afeta majoritariamente as populações já marginalizadas. 

No entanto, até mesmo os repasses obrigatórios para a Educação podem estar ameaçados. Em 2024, falou-se publicamente sobre a possibilidade de alterar as regras do piso constitucional para Saúde e Educação, limitando-os a 2,5% de crescimento acima da inflação.

Isso porque esse é um investimento que está fora do arcabouço fiscal e sob uma regra diferente, podendo crescer mais do que as outras despesas incluídas no arcabouço. Por isso o desejo do governo de limitá-lo, sob argumento de não pressionar ainda mais os gastos em outras áreas e/ou gastos não obrigatório.

A Iniciativa De Olho nos Planos alertou para esse descompasso – e sua potencial ameaça ao financiamento em saúde e educação – ainda em 2023. O advogado e professor da UFABC, Salomão Ximenes, apontou à época que o Novo Arcabouço Fiscal, se aprovado, poderia, como lei complementar, obrigar uma mudança na Constituição com consequências para os pisos constitucionais. O que se mostrou verdadeiro, já que o Ministro da Fazenda e ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad, cogitou alterá-los. Segundo o que circulou na imprensa em junho, a ideia só não avançou porque o presidente Lula se opôs. Mas como a LOA ainda não foi aprovada, não é possível saber se o risco foi totalmente descartado. 

Expectativas para o orçamento e financiamento da Educação em 2025

Nem Cleo Manhas, Nelson Amaral ou Ursula Peres acreditam que os pisos constitucionais serão alterados para o próximo ano, mas concordam que as leis orçamentárias e a política econômica de forma mais ampla devem cercear ou limitar ainda mais alguns gastos em Educação. A professora da EACH/USP, Ursula Peres, destaca uma possível nova prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e acredita que o governo deve propor um orçamento “no limite do limite”. O presidente da Fineduca, Nelson Amaral, vê com preocupação que a defesa do piso constitucional tenha sido feita pelo próprio Presidente da República e não pelo ex-ministro da Educação, Fernando Haddad. “Acredito que para 2025 o governo deve fazer de tudo para aumentar a receita, mas acho que melhorias só se muito pontuais, não vejo nenhuma grande sinalização em relação à educação e saúde, ao cumprimento do PNE, até porque o arcabouço fiscal não permite”, avalia, enfatizando que a situação das universidades federais deve continuar limítrofe e exigindo mobilização de docentes, entidades estudantis e movimentos sociais. 

Já Cleo Manhas, assessora política do INESC, alerta para movimentos que reduzam as fontes de financiamento para as áreas sociais. Por exemplo, alterações nas cestas de impostos. “Outra possibilidade é alterar o conceito de “receitas correntes líquidas”, que é de onde sai o dinheiro mínimo da saúde. O risco está aí o tempo todo, e educação, saúde, previdência e assistência social são as áreas em maior risco”, diz. 

Para Ursula Peres, a educação pode ser alvo prioritário por receber maior de repasse da União se comparada, por exemplo, à saúde, ainda que os recursos para a educação sejam insuficientes para avançarmos na garantia de uma educação de qualidade e para a implementação das metas e estratégias do PNE. “Não é que a educação tenha financiamento suficiente, mas vem recebendo mais recursos da União, especialmente desde a aprovação do Novo Fundeb”, explica ela. “Mas reduzir os recursos em educação afeta direitos básicos e universais. E considerando, por exemplo, os mecanismos do Fundeb para aportar mais dinheiro para escolas que mais precisam, mexer nesses recursos é colocar em risco toda uma agenda de redução de desigualdades”. A pesquisadora do Centro de Estudos da Métrópole, Ursula Peres, destaca a importância de uma reforma tributária que assegure mais receitas para o governo como possibilidade de conter esses cortes – mas que ainda é incerta. 

Como o novo PNE e o planejamento educacional podem ser afetados

Para quem olha de perto a política econômica atrelada ao direito à educação, um aspecto é consenso: sob a vigência do arcabouço fiscal, vai ser muito difícil aumentar os recursos para Educação segundo o que determina o PNE. “A meta de 10% não pode ser só figurativa, até porque há cálculos que a justificam e que mostram como precisamos desses recursos”, reforça Cleo Manhas, do Inesc. Ela se refere à Nota Técnica da Fineduca divulgada em dezembro de 2023, em que a entidade defende a manutenção dos 10% do PIB no novo PNE, mas sugere metas intermediárias diferentes das propostas pelo governo para facilitar seu cumprimento. O presidente da Fineduca, Nelson Amaral, é categórico ao dizer que a inclusão dessa meta por parte do governo foi positiva, mas que a análise do contexto traz dúvidas se ela realmente vai ser cumprida. “Tudo traz a questão: ela foi colocada para valer ou para satisfazer a base do governo?”. 

Ursula Peres, da EACH/USP, enfatiza ainda o papel crucial de coordenação entre as esferas de poder para fazer valer o PNE e todas as políticas educacionais. Tema que ressalta a urgência do Sistema Nacional de Educação, que ainda não foi regulamentado. “O PNE depende das três esferas colocando e organizando recursos. Para um direito de fato ser garantido, não basta estar na Constituição, tem que estar no orçamento, e das três esferas. O direito à educação depende de uma ação coordenada e ajustada de União, estados e municípios remando para o mesmo lado”. 

Mas em um contexto de cerceamento progressivo aos gastos sociais, a assessora política do INESC, Cleo Manhas, lembra da importância do campo progressista manter e sustentar um posicionamento crítico com relação aos cortes para as políticas sociais. “Sempre temos o ‘medo’ de fortalecer a extrema direita, mas o que de fato a fortalece é não falar. Eles nunca vão cobrar mais gastos sociais. Nós precisamos disputar essa narrativa e lembrar que a política econômica não é um fim em si mesmo, ela é um meio. O que de fato é um fim é saúde e educação pública e de qualidade para todas e todos”.

Projeto do novo PNE se afasta de deliberações da CONAE e não menciona gênero e população LGBTQIA+

Texto apresentado pelo Governo tem metas mais generalistas, dificultando o monitoramento e controle social das políticas educacionais

Foto: Agência Brasil-EBC

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

No dia 26 de junho de 2024, um dia após a lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação (PNE), completar 10 anos, o governo federal enviou o projeto do novo Plano ao Congresso Nacional. O PL 2.614/2024 mantém alguns pontos do atual PNE, mas ainda está distante do que foi deliberado na Conferência Nacional de Educação (CONAE), não contemplando várias de suas agendas. 

O novo projeto, que ainda não iniciou sua tramitação, traz 18 metas para o próximo decênio (o atual PNE tem 20). Em linhas gerais, os temas tratados não mudam muito (estão contempladas todas as etapas da educação básica e superior, qualidade da educação, valorização das profissionais, gestão democrática e redução de diversas desigualdades). Mas vários objetivos são colocados de forma mais generalista, com métricas menos específicas ou metas intermediárias menos ambiciosas e mais tardias. Alguns dos objetivos não alcançados do atual PNE permanecem. 

“O novo PNE para 2024-2034 apresenta avanços, principalmente na transversalidade da igualdade e equidade nas metas, e mantém o patamar de investimentos de 10% do PIB. No entanto, carece de ousadia em diversas áreas”, resume Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que divulgou nota técnica comentando retrocessos, avanços e lacunas deste projeto. Andressa considera que não há uma articulação clara entre a política educacional e planos de desenvolvimento econômico e social, que alguns grupos marginalizados não são mencionados ou que as metas sobre eles não estão suficientemente detalhadas, e a falta de uma política robusta de educação para justiça climática e proteção socioambiental. Para Andressa, o novo PNE precisa de “metas mais ousadas, percentuais mais ambiciosos e prazos mais curtos para recuperar os anos de descumprimento do PNE atual e para realmente transformar a educação no Brasil”. 

O balanço mais recente da Campanha sobre o andamento do atual PNE mostrou que o cenário de descumprimento é generalizado. Dez anos depois de entrar em vigor, quase 90% das metas e dispositivos não foram cumpridos (e três metas estão em retrocesso), as desigualdades sociais, étnico-raciais e regionais persistem, bem como a falta de dados, especialmente sobre as populações indígenas e quilombolas. Em alguns casos, como no analfabetismo funcional (Meta 9 do atual PNE) e acesso ao ensino fundamental (Meta 2), a situação é ainda pior do que em 2014. Por exemplo, hoje a porcentagem de jovens de 6 a 14 anos que frequenta ou já concluiu o ensino fundamental é de 95.7%, contra 97.2% em 2014.  São mais de um milhão de crianças fora dessa etapa. 

Fonte: ANÁLISE FINAL DA EXECUÇÃO DAS METAS DA LEI 13.005/2014

Esses dados mostram o tamanho dos desafios educacionais que o país tem pela frente e que, na avaliação de Andressa, podem não ser suficientemente enfrentados com este novo PNE, caso o projeto não sofra alterações. A coordenadora da Campanha o classificou como tendo “uma abordagem conservadora”, aquém do necessário para garantir que a educação brasileira avance de forma significativa e inclusiva. 

Educação de Jovens e Adultos: texto mais abrangente, mas menos preciso

Um exemplo do que narra Andressa pode ser o que propõe o PL 2.614/2024 para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O novo projeto traz várias novidades em relação ao atual PNE – por exemplo, abarca idosos na população alvo e levanta a possibilidade de apoiar financeiramente as e os estudantes desta modalidade para que possam concluir seus estudos. Como relembra Franciele Busico, diretora do Cieja Perus e integrante do Fórum Estadual EJA de São Paulo, “a inclusão dos idosos – na verdade, de qualquer pessoa acima dos 15 anos de idade -, é um direito constitucional. Entre os idosos, frequentemente são pessoas que trabalham desde criança e para quem a escola era inacessível, então é muito importante considerar esse público e garantir o direito à educação em qualquer idade”. 

Mas, em contrapartida, o novo projeto para o PNE traz muito menos métricas e prazos que estimulem e favoreçam o monitoramento e avaliação do cumprimento das metas. Como destaca Andressa Pellanda, da Campanha, uma das lições do PNE 2014-2024 foi justamente a importância de incluir metas intermediárias e especificar métricas de avaliação, para garantir que o progresso possa ser medido e ajustado conforme necessário. 

As diferenças nesse aspecto são nítidas. No texto aprovado em 2014, as metas 9 e 10 objetivam:


Já a meta 10 do projeto enviado ao Congresso Nacional em 26 de junho é assim apresentada: 

Para o coordenador da Unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa, Roberto Catelli, se o projeto for aprovado sem o detalhamento necessário há o risco real de que o novo PNE seja ainda mais descumprido em relação à EJA – uma das modalidades mais abandonadas na última década, completamente escanteada e subfinanciada. “A maneira com que as metas estão colocadas no texto não obriga o governo a cumprir nada, tornando assim a proposta muito mais uma carta de princípios do que de fato um plano para os próximos 10 anos”, diz. “São bons princípios, mas sem meta. Aumentar uma ou um milhão de matrículas tanto faz”. E alerta: “Metas [bem estabelecidas] não garantem o cumprimento, mas sim um controle social, permitem o monitoramento e a denúncia. Se não há obrigação, o Estado pode defender os princípios mas não fazer efetivamente nada. Corremos o risco de ter um PNE com boas ideias e nenhuma política de implementação”. 

Ausências de gênero e população LGBTQIA+

Indicadores, métricas e prazos para monitoramento e controle social não são a única ausência sentida no texto enviado ao Congresso para o próximo Plano Nacional de Educação. O projeto de lei do governo para o novo PNE não menciona em nenhum momento os termos “gênero”, “orientação sexual” ou a população LGBTQIA+. Teoricamente, essas populações e agendas estariam contempladas nas diversidades, igualdade, equidade e combate a discriminações. Vale lembrar que uma das marcas da tramitação do atual PNE, em 2013, foi justamente a ofensiva ultraconservadora contra o “gênero”, termo que acabou sendo retirado do texto final – o que fomentou uma cultura de censura e perseguição a essa agenda nas escolas. Desta vez, os termos sequer constaram no texto inicial, que também não contemplou populações em situação de migração e refúgio, e fala de justiça climática em termos muito amplos. 

Em relação a metas e estratégias que abarquem a superação de desigualdades étnico-raciais – como a educação indígena e a quilombola -, também são criticadas as ausências de métricas e indicadores mais precisos e ousados. “Não adianta falar em termos genéricos se não houver construção para que essa política realmente exista. Isso significa ter indicadores para poder ter orçamento para cumpri-los. Nada acontece sem isso, sem estabelecer os parâmetros que darão acesso ao recurso”, enfatiza Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid Brasil e coordenadora do Projeto SETA. Ela destaca a importância das métricas e indicadores, mas também que eles sejam relevantes para cada meta. Por exemplo, educação indígena e educação quilombola precisam ser trabalhadas junto a questões territoriais e respeitar as especificidades de cada espaço. Também precisam de mais dados sobre essas populações, o que hoje é uma grande lacuna. “Pelo IBGE, agora sabemos o número absoluto de indígenas e quilombolas, mas seguimos sem dados na educação, inclusive com recorte de gênero. É muito difícil, por exemplo, ter dados que acompanhem toda a trajetória escolar de uma menina negra, menos ainda de indígenas e quilombolas”, reforça Ana Paula. “As ações precisam ser direcionadas, explícitas. Se não, vai depender muito mais da boa vontade de gestores”, complementa. 

A diretora da ActionAid chama o cenário de “vergonhoso” considerando que já são muitos os documentos, legislações e mecanismos no Brasil que reconhecem tais desigualdades e tentam corrigi-las – como as leis 10.639/2003 e a 11.645/2008 -, mas que seguem sendo pouco executados. “[A lacuna nessas agendas] é uma loucura, considerando que já temos marco regulatório consolidado, além de informação suficiente – produzida inclusive pelo Estado – que justifique sua inclusão não apenas de forma transversal, mas central. Isto é, que não apenas constem, mas guiem todo o Plano Nacional de Educação”.

Financiamento, gestão democrática e qualidade 

Em relação ao financiamento, o projeto para o novo PNE conserva a meta de financiamento de 10% do PIB para a educação – reivindicação da sociedade civil e que esteve longe de ser alcançada no decênio 2014-2024. O não cumprimento dessa meta, estreitamente relacionado às políticas de austeridade do período, teve efeito cascata em todo o Plano, impossibilitando seu pleno cumprimento. Para Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a manutenção da meta é uma melhoria “na medida em que reitera um compromisso já estabelecido e reconhece a importância de altos investimentos na educação”. No entanto, a Coordenadora Geral da Campanha alerta para o retrocesso na meta intermediária de financiamento, que ficou para o 6º ano de vigência (frente ao 5º ano do Plano anterior), e o estabelecimento de 7% do PIB até o sexto ano, em comparação com os 10% previstos anteriormente pela Lei nº 13.005/2014. 

“O principal aprendizado do PNE 2014-2024 é a necessidade de uma implementação rigorosa e de um acompanhamento contínuo e estruturado das metas e estratégias, em articulação com uma política econômica a serviço dos direitos sociais. O descumprimento avassalador das metas anteriores destaca a importância de estabelecer mecanismos claros de monitoramento e avaliação”, destaca Andressa. 

E no que diz respeito à avaliação educacional, há uma outra importante lacuna no projeto de lei apresentado pelo Governo: o desempenho de estudantes medido por avaliações externas em larga escala é basicamente o único fator utilizado para balizar a qualidade da Educação e das metas. Não são mencionados, por exemplo, mecanismos como a avaliação institucional e a autoavaliação institucional participativa, o que enfraquece o aspecto de gestão democrática do texto. 

“Durante a CONAE aprovamos a autoavaliação participativa da escola como fundamental para o fortalecimento da gestão democrática em educação e também como parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, que tem como objetivo ampliar o conceito de qualidade para além das avaliações externas em larga escala. Isso significa que quando falamos de qualidade outros aspectos precisam ser considerados, inclusive para contextualizar os resultados de avaliações como o Ideb. Esses aspectos se relacionam à infraestrutura das escolas; acesso, permanência e conclusão dos estudos; gestão escolar democrática; valorização das profissionais da educação; igualdade de gênero e raça na educação; entre outros”, destaca Claudia Bandeira, coordenadora da Iniciativa De Olho Nos Planos. 

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB), criado pela sociedade civil, avalia a equidade e a eficiência da educação básica, prevendo processos participativos de avaliação junto às comunidades escolares para que as realidades e demandas das escolas sejam consideradas nos processos avaliativos e nas políticas educacionais. O projeto do novo PNE não faz menção ao SINAEB e apresenta uma visão restrita de qualidade tendo como principal referência as avaliações externas em larga escala, como o Ideb, o que pode acirrar ainda mais as desigualdades educacionais no país.

Ainda sobre gestão democrática, falta no texto apresentado pelo MEC detalhamento sobre a sua regulamentação e elementos que assegurem a continuidade e a estabilidade das políticas para além dos ciclos governamentais.   

Distância da CONAE

Agendas cruciais para a garantia do direito à educação de qualidade e para a redução das desigualdades educacionais no Brasil estão ausentes no texto que pode vir a ser o novo Plano Nacional de Educação, apesar de terem sido amplamente debatidas na Conferência Nacional de Educação (CONAE) realizada em janeiro, e constarem em seu texto final. 

Esse texto – posteriormente validado pelo Fórum Nacional de Educação e entregue ao MEC – é o que, segundo o regulamento da CONAE, deveria ser base do projeto de lei do PNE, uma vez que é fruto de debate entre diferentes setores da sociedade. Em 2024, o texto teve inclusive caráter vinculante, isto é: o governo não poderia apresentar ao Congresso um texto que contrarie as diretrizes construídas na CONAE. Por isso foi tão importante assegurar agendas de equidade na Conferência. Para representantes ouvidas/os nesta reportagem, o projeto proposto pelo governo não chega a contrariar a CONAE, mas se distancia do que foi nela debatido ao retirar vários pontos do texto final. 

Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ressalta que a falta de uma política robusta de educação para justiça climática e proteção socioambiental, que foram agendas amplamente debatidas e demandadas na CONAE 2024, demonstra uma abordagem “tímida” do governo em relação a desafios emergentes. Já Roberto Catelli, da Ação Educativa, avalia que o texto enviado ao Congresso é uma peça reduzida e reorganizada das discussões da CONAE. Gestora da EJA, Francielle Busico reforça ainda vários retrocessos ou lacunas destacados pela nota técnica da Campanha em relação à Educação de Jovens e Adultos: “a discussão da CONAE foi bem mais profunda do que o que aparece no texto, mais voltada a uma política de reparação de direitos, e não de caráter generalista”. Ela sente falta de maior ênfase na oferta presencial da EJA, da abordagem de temáticas transversais em Direitos Humanos, maior detalhamento sobre EJA nas prisões e da menção às salas de acolhimento para filhos e filhas de estudantes da modalidade. 

“O PNE não dialogou tanto com os resultados da CONAE, então quando há lacunas tão importantes [no texto], todo o esforço feito na Conferência fica, de certa forma, em segundo plano”, resume Ana Paula Brandão, do Projeto SETA. 

Expectativas para a tramitação

O processo de tramitação que culminou na lei 13.005/2014 deixa a expectativa de que o projeto de lei do novo PNE também deve ser alterado nas casas do Congresso. Se as mudanças serão para corrigir suas lacunas e retrocessos ou para reafirmá-los, vai depender do jogo político, por sua vez muito influenciado pela pressão social em torno da matéria. O Ministério da Educação sinalizou o desejo de aprovar a nova lei ainda em 2024, para que possa entrar em vigor em 2025, mas as eleições municipais de outubro podem alterar substantivamente a agenda e o próprio ritmo de votações do Congresso. 

Roberto Catelli, da Ação Educativa, não é otimista em relação à adição de metas e indicadores mais precisos, uma vez que a Comissão de Educação da Câmara é presidida pelo deputado conservador Nikolas Ferreira. Já a leitura de Ana Paula Brandão, coordenadora do Projeto SETA, é que a ausência da agenda de gênero no documento do novo PNE deva minimizar as tensões durante sua tramitação – mas que pode ser revertida, inclusive de maneiras “criativas”, como com o reforço das interseccionalidades ao longo do texto. 

Por sua vez, Andressa Pellanda, Coordenadora Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização que trabalha fortemente na incidência em políticas públicas, têm expectativas de que o novo PNE passe por melhorias significativas durante a tramitação, especialmente nas áreas de articulação intersetorial e econômica, inclusão de políticas para grupos marginalizados e incorporação de metas mais ousadas e específicas. “As expectativas de aprimoramento estão centradas na necessidade de uma avaliação institucional e estrutural das políticas educacionais e na inclusão de estratégias detalhadas, além de uma maior ênfase na educação para a justiça climática”, destaca. 

Prorrogar a vigência do Plano Nacional de Educação pode enfraquecer suas metas e estratégias

Proposta aprovada pelo Senado prorroga a vigência da lei 13.005/2014 até dezembro de 2025, o que pode abrir perigoso precedente de descumprimento e ter efeito cascata em estados e municípios. 

Foto: CONAE 2024

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira 

O atual Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela lei 13.005, de 2014, completa 10 anos de vigência com cerca de 90% de descumprimento de seus dispositivos, 13% em retrocesso e 30% com lacuna de dados segundo o último balanço da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. Sob a justificativa de não haver vácuo até a aprovação do novo plano, ele pode ter sua vigência prorrogada, o que abriria um sério precedente de descumprimento de políticas públicas e pode enfraquecer suas metas e estratégias. Outra preocupação se refere aos prejuízos com relação à articulação federativa, já que estados e municípios devem elaborar seus planos seguindo as diretrizes nacionais.  

O projeto de lei 5.665/2023 de autoria da senadora Professora Dorinha Seabra (União/TO), foi votado e aprovado em maio pelo Senado e enviado à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, presidida pelo bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). Originalmente, o projeto de lei previa a prorrogação da vigência do atual PNE até 2028, mas o texto acabou mudando após negociação política, incorporando emenda do senador Cid Gomes (PSB-CE) que limita a extensão até dezembro de 2025. A argumentação da autora do PL é que a prorrogação do PNE permite manter o foco na direção anteriormente traçada até que o novo plano – cuja tramitação está atrasada – entre em vigor. Outro argumento corrente é que o novo texto precisa ser discutido com calma, sem estar pressionado pelo fim da vigência da atual lei. 

Heleno Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e presidente do Fórum Nacional de Educação (FNE), critica a falta de diálogo com a sociedade na tramitação deste PL, dizendo que não houve estímulo nem de Dorinha e nem do relator (senador Espiridião Amin, do Progressistas-SC) de convocar debates sobre a matéria. “Oficializamos nosso posicionamento contrário e aproveitamos uma sessão sobre Ensino Médio para entregar essa posição por escrito para ela”, diz.  

Segundo a Agência Senado, o Poder Executivo comprometeu-se, por meio do Ministério da Educação (MEC), a trabalhar pela rápida análise da matéria na Câmara. O MEC foi perguntado pela Ação Educativa sobre esse projeto e como se posiciona frente à prorrogação, mas não respondeu até o fechamento da matéria.

Em que passo está o novo PNE? 
A lei do atual PNE completa 10 anos, e portanto termina sua vigência, no dia 25 de junho de 2024. De acordo com a legislação, o Poder Executivo deveria ter enviado um novo texto para análise do Congresso no nono ano de vigência do PNE, o que não ocorreu. Nenhum texto foi enviado até o momento. 
A etapa nacional da CONAE foi realizada em janeiro de 2024, precedida das etapas municipais, regionais e estaduais em 2023. O texto base que saiu da CONAE foi validado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), que o entregou ao MEC em março. Depois disso, não houve movimentação pública sobre a matéria. 
No entanto, segundo uma matéria do Estadão publicada em junho de 2024, o MEC enviou minuta aos ministérios da Fazenda e do Planejamento e aguarda aval para encaminhar à Casa Civil. Só depois deve ser encaminhado ao Congresso para iniciar sua análise e tramitação.
A matéria do Estadão também revelou problemas graves no texto do novo Plano: ele não aborda questões sobre a população LGBTQIA+, e a pauta da “Diversidade” é trabalhada em termos vagos – o oposto do que foi deliberado na CONAE por estudantes, profissionais da educação, entidades e movimentos sociais do campo educacional. 

OS RISCOS DE PRORROGAR A LEI DO PNE 

À primeira vista, pode fazer sentido prorrogar a lei 13.005/2014 para assegurar que o novo Plano seja discutido da forma adequada. No entanto, como afirma Salomão Ximenes, Professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do Observatório Regional de Políticas Educacionais do ABC, esse objetivo poderia ser alcançado de outras formas, sem necessidade da extensão do prazo. “O final da vigência da lei do PNE e o final da validade do PNE são coisas diferentes. As metas e estratégias não perdem a validade do ponto de vista jurídico do direito à educação. Um parecer técnico de órgãos como Advocacia Geral da União, MEC, Conselho Nacional de Educação ou Tribunal de Contas da União poderia resolver isso do ponto de vista formal. É que parece que essa não é a opção política, que não há interesse no fortalecimento do peso jurídico das metas do PNE”, diz. 

Salomão reforça que contraditório seria se, passados 10 anos, as metas – um esforço de planejamento que mobiliza diversos órgãos de controle – parassem de valer e os municípios estivessem autorizados a, por exemplo, diminuir números de matrículas ao invés de aumentar. Como resumiu ele em artigo publicado em parceria com Lucas Junqueira Carneiro, “a premissa de uma lacuna jurídica com o final da vigência decenal do PNE é um equívoco”. 

A prorrogação inclusive fere a Constituição Federal, uma vez que o artigo 214 diz explicitamente que o plano nacional de educação deve ter caráter decenal. E esse é um dos motivos pelos quais o PL 5665/23, se aprovado, pode acabar enfraquecendo – e não fortalecendo – a mais importante política educacional brasileira. “O caráter decenal foi inscrito na Constituição justamente pensando na necessidade de um parâmetro fixo para pensar a médio e longo prazo”, destaca o professor da UFABC. Para Heleno Araújo, do FNE, a prorrogação é também uma ideia “delicada e inconveniente” e que gera uma acomodação na obrigação dos poderes Executivo e Legislativo de encaminharem um novo plano. 

Prorrogar a atual lei do PNE, ainda que “só” por um ano, também pode abrir um precedente para outras prorrogações. Ou seja, pode fazer com que os prazos percam sua força. “Nada impede que o prazo 2025 seja prorrogado de novo. Ao abrir esse precedente, ele passa a ser uma possibilidade sempre que um gestor público perceber que o plano não vai ser cumprido”, explica o professor Salomão Ximenes. 

E se o Plano de Educação não foi cumprido ou se o processo de elaboração de seu substituto também não foi feito no prazo adequado, significa que gestores e parlamentares falharam com suas obrigações. E aí entram – ou deveriam entrar – os órgãos de fiscalização  e controle para responsabilizá-los pelo descumprimento de uma política pública constitucionalizada. Mas a prorrogação, ao ampliar esses prazos, também pode afetar esse aspecto. Em artigo publicado no Conjur, a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, diz que a prorrogação da vigência do PNE equivale a uma  “anistia estratégica” e que “adia o debate do PNE 2024-2034, sem abrir qualquer responsabilização pelo diagnóstico de fracasso do plano educacional vigente”. Nessa mesma linha, Heleno Araújo também cobra os órgãos de monitoramento do PNE. “Temos 4 relatórios [do Inep] prontos, o quinto está prestes a sair. Mas não podemos ficar só no diagnóstico do não cumprimento. Qual o redimensionamento de políticas e as medidas que serão tomadas a partir do diagnóstico?”, questiona. 

Além de todos esses fatores, a prorrogação do Plano Nacional de Educação pode ter efeitos desastrosos para estados e municípios. Tanto porque abre o precedente para a prorrogação nos outros níveis – e essas prorrogações não têm salvaguarda constitucional -, quanto porque impacta a elaboração dos planos estaduais, distrital e municipais, em geral construídos após o nacional para que suas metas e estratégias estejam em consonância com o PNE. É o que Salomão Ximenes chamou de “descoordenação federativa”. “Os planos estaduais e municipais também serão prorrogados? Se não, qual será o efeito? O atual sistema já é muito falho em termos de coordenação, e em vez de enfrentar o problema daríamos vários passos atrás ao criar temporalidades diferentes no processo”. 

MAS O BRASIL FICARIA SEM UM PNE VIGENTE? 

Segundo explica Salomão Ximenes, coordenador do Observatório Regional de Políticas Educacionais do ABC, ainda que a vigência da lei 13.005/14 termine, o Brasil não entraria em um vácuo legislativo. Isto é, as metas e estratégias pactuadas não desaparecem e deixam de valer no dia 26 de junho de 2024. Na verdade, ficam ainda mais urgentes. “O PNE estabelece um padrão para estabelecimento do direito à educação. Passados 10 anos, esse padrão é obrigatório, e quem não cumpriu está indo contra essa norma”, resume ele. Por isso, na avaliação das pessoas ouvidas na reportagem o efeito prático da aprovação do PL 5665/23 seria normalizar uma situação gravíssima de descumprimento dos prazos estabelecidos. “É uma banalização do processo de planejamento vinculante, cujo efeito é muito desproporcional à preocupação levantada”, complementa Salomão. 

O Fórum Nacional de Educação também se pronunciou nesse sentido. Em nota pública contrária à prorrogação, o órgão defende que o projeto de lei tem “potencial de desorganizar o planejamento comum articulado no país”, tanto por ferir a periodicidade prevista na Constituição como por interferir no alinhamento com estados e municípios. 

A procuradora do MP-SP Élida Graziane também é categórica ao dizer que “todas as propostas de prorrogação da vigência da Lei 13.005/2014 em tramitação no Congresso Nacional tendem a perdoar o descumprimento das metas e estratégias do PNE em curso”, contextualizando que “como tem sido muito fácil ignorar e descumprir os comandos do PNE 2014-2024, nunca foi necessário alterá-lo. Pelo mesmo motivo, agora tende a ser igualmente fácil prorrogá-lo nominalmente”.  

PARTICIPAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA

Um outro argumento contrário à prorrogação da lei do atual PNE destaca os esforços já realizados no sentido da construção do novo Plano. Por exemplo, o Grupo de Trabalho do Novo PNE (GTPNE) do MEC, que buscou analisar os problemas da educação nacional como subsídio ao Projeto de Lei para o PNE 2024-2034. Mas, principalmente, os esforços e recursos mobilizados para a realização de debates, audiências e a CONAE. Nesse contexto, vale destacar a Conferência Livre “Gênero nos Planos já!”, realizada em outubro de 2023 pela Ação Educativa que contou com jovens estudantes da região metropolitana de São Paulo e do interior debatendo a importância de garantir equidade de gênero e raça no Plano Nacional de Educação.

Esses esforços já resultaram num documento final – entregue pelo FNE ao Ministério da Educação e sob análise do Executivo. Para Salomão Ximenes, a prorrogação colocaria em risco todo o processo participativo da CONAE 2024. “Especificamente porque a depender do prazo e da mudança de conjuntura, esse ciclo pode perder relevância e sentido. E tudo isso pode ser transportado para os níveis estaduais e municipais”, diz. 

A nota do Fórum Nacional de Educação também toca nesse ponto, ressaltando que o projeto de lei 5665/23 não considera as deliberações dos processos participativos e que “se mostra inoportuno e macula o processo participativo e dialogado em curso que, ademais, está protegido pela Lei, que consagra conferências e instâncias de monitoramento e avaliação do PNE com legítimos papéis propositivos em relação à Política Nacional de Educação”. 

O coordenador do FNE, Heleno Araújo, ressalta justamente o respeito ao esforço que envolveu mais de 4 mil municípios. “Política educacional tem que ser feita com participação e colaboração da sociedade. Por isso a CONAE cumpriu seu papel e entregou seu produto final”, diz. Para Heleno, é estratégico debater fortemente não apenas o novo PNE mas também o financiamento adequado para de fato implementar e cumprir o PNE. “Já aprendemos que lei do PNE sem financiamento adequado não adianta, então temos que enfrentar esse debate de forma séria e manter a pressão sobre as ausências de políticas e leis que prejudicaram o atual plano, como lei do Sistema Nacional de Educação e do Custo Aluno-Qualidade”, diz. 

O professor Sérgio Stocco, do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e do FNE, vai ainda mais além, ressaltando os efeitos do controle social e gestão democrática – contemplados no atual PNE através da meta 19 –  ainda insuficientes. Em seminário na Ação Educativa sobre os 10 anos do PNE, ele reforçou: “Seria fundamental que essa meta tivesse sido implementada como está disposto, mas o caminho da gestão democrática não foi assentado para gerar o processo de mobilização social que exatamente geraria uma disposição da sociedade para cumprir as outras 19 metas”. Ele elenca os bloqueios e restrições à formação de conselhos escolares, grêmios estudantis e outros processos no sentido de assegurar a autonomia da escola. “Sem isso não conseguiremos a base social necessária para fazer o que tem que fazer. Só haverá formação política permanente com a autonomia das escolas”. 

Militarização crescente, fechamento de escolas por (in)segurança: como a segurança pública afeta a Educação

Lógica punitivista e de obediência tem se refletido no aumento das escolas militarizadas, enquanto operações policiais desarticuladas nas periferias deixam milhares sem escola

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Texto: Nana Soares // Edição: Claudia Bandeira

Tanto educação quanto segurança pública são direitos da população e obrigações do Estado, assegurados pela Constituição Federal. Assim como outros direitos, como saúde e moradia, devem estar articulados e caminhar no mesmo sentido: o de construir uma sociedade cada vez mais democrática, inclusiva e participativa, sem deixar ninguém para trás, segundo os princípios dessa mesma Constituição. Mas essa lógica tem sido cada vez mais ignorada, com políticas de segurança pública interferindo de maneira negativa na garantia do direito à educação. 

A concretização dessa interferência é o crescimento exponencial das escolas militarizadas no país, que aumentaram mais de 20 vezes em apenas uma década, expansão que persiste mesmo após o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). O exemplo mais recente é o estado de São Paulo, que acaba de aprovar um programa nesse sentido. Mas a segurança pública – ou justamente a falha na garantia dela – também afeta a educação de jovens em todo o país pelo crescente de violência e conflitos territoriais, que fazem com que as escolas fiquem fechadas por vários dias do ano. Essas interrupções cada vez mais frequentes trazem prejuízos para toda a comunidade escolar e somam-se a outros problemas estruturais da Educação. 

Militarização segue em expansão, e melhora de avaliação das escolas não corresponde à realidade

Até o governo Bolsonaro, não havia um esforço nacional para a militarização das escolas – quando a gestão passa parcial ou totalmente para a responsabilidade de forças de segurança. Os estados ou mesmo municípios criavam suas próprias iniciativas – Goiás e Bahia são dois dos locais onde esse modelo está presente há mais tempo. Em 2019, com a criação do PECIM, o cenário mudou: em um contexto de avanço do ultraconservadorismo e do pensamento militarizado e punitivista como um todo, passou a haver um estímulo, inclusive financeiro, para a militarização de escolas em todo o país. Um exemplo é o estado do Paraná, que hoje talvez seja onde o modelo de escolas militarizadas se expande mais rápido e abertamente. 

“O PECIM deixou um lastro de nacionalização em um processo que até então estava em várias unidades da federação, mas não era nacional. Sua criação em alguma medida endossou as narrativas localizadas”, diz a professora Miriam Fabia Alves, da Universidade Federal de Goiás (UFG), e que estuda militarização. 

Alguns dados ilustram esse avanço: o orçamento destinado às escolas cívico-militares mais que triplicou entre 2020 e 2022 (de 18 para 64 milhões de reais). Segundo a Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME), eram 39 escolas militarizadas no país em 2013, número que passou para 122 em 2018 (ainda antes do PECIM) e saltou para ao menos 816 escolas em 2023. Vale comentar que esse número pode ser ainda maior, uma vez que os modelos de militarização são múltiplos. 

Neste cenário desafiador, o novo governo Lula ainda demorou a revogar o PECIM, fazendo-o somente em julho de 2023, apesar de ter sido orientado a fazer isso desde a fase de transição. A revogação, no entanto, não veio acompanhada da “desmilitarização” das escolas que aderiram ao modelo. Assim, embora não exista mais um programa nacional, a militarização da educação está fortalecida após 4 anos de aportes financeiros e estímulos de todas as ordens. E agora os estados e municípios já têm – e seguem criando – seus próprios programas. 

“A tendência é de regionalização”, explica Amarilis Costa, advogada e diretora Executiva da Rede Liberdade, uma articulação que atua juridicamente em casos de violação de direitos e liberdades individuais, onde se inclui a militarização. Ela reforça que o movimento das escolas cívico-militares hoje acompanha a reorganização do bolsonarismo, e há especialmente duas estratégias: o sucateamento da educação pública e o remodelamento e regionalização da militarização. O remodelamento dos projetos de lei é descrito por Amarilis como uma espécie de “fatiamento” do projeto de militarização, ou a construção da viabilidade dessas escolas a partir de outras dinâmicas do direito administrativo. “Por exemplo, em alguns estados, militares ou ex-militares são colocados como secretários de cultura, educação ou gestores escolares”, explica. Já o sucateamento da escola pública “é mais discreto e parece dissociado da militarização, mas está super conectado uma vez que reforça o argumento da escola cívico-militar [ECM] como uma melhoria”, diz. Nessa linha entrariam ações tomadas pelo governo Tarcísio em São Paulo ainda antes do anúncio do programa de militarização, como a restrição da liberdade de cátedra dos professores e o que é ofertado nos conteúdos e atividades a estudantes. Não por acaso, a gestão não demorou a anunciar a adesão às escolas cívico-militares. 

Por que militarizar vai contra o direito à Educação 

A militarização das escolas vai contra diretrizes constitucionais para a educação, acirra desigualdades e reforça o racismo, o machismo e a LGBTfobia nas escolas. Para a pesquisadora Catarina de Almeida Santos, a padronização de corpos e sujeitos é a contramão do que deveria ser o papel da escola. A lógica de obediência e de modelo único, em contrapartida ao reforço e valorização das diversidades, pode enfraquecer também a gestão democrática e o próprio papel das escolas públicas. 

“A militarização se apresenta como ‘neutra’, uma contranarrativa e um combate ao que seria uma escola ‘doutrinadora’. Essa narrativa ganhou muita força no Brasil, um país que flerta com muita frequência com esse super poder dos militares”, diz a professora da UFG, Miriam Fabia Alves. Ela concorda que a supervalorização desse modelo faz parte de um projeto de extrema desvalorização da escola pública, e por isso localiza a disputa também no campo narrativo. “Nós temos dificuldades em todo o país com a atuação das forças de segurança pública, mas ao mesmo tempo supervalorizamos sua atuação dentro da escola. Como as mesmas forças que assassinam podem educar?”, questiona. Vale lembrar que na votação que aprovou o programa de escolas cívico-militares no estado de São Paulo, forças de segurança foram chamadas à sessão justamente para reprimir estudantes que protestavam contra a medida

Além disso, as escolas militarizadas tendem a iniciar, manter ou aprofundar uma lógica de exclusão em relação a quem são os e as estudantes que podem estudar ali. Em Goiás, por exemplo, algumas escolas, apesar de públicas, têm uma taxa de contribuição voluntária. Além disso, alunos que não “se adequam”, seja pelo desempenho escolar ou por outros motivos, podem ser transferidos. “É uma lógica que dificulta o acesso e a permanência, porque nem todas as exigências – de uniforme, contribuição, questão corporal, etc – podem ser cumpridas por todas as pessoas”, reforça a professora Miriam Alves.

Segundo um relatório apresentado pela sociedade civil brasileira a um comitê da ONU em 2023, o investimento público feito nas escolas militarizadas tem sido significativamente maior que o direcionado às escolas públicas comuns, o que tem como efeito ampliar a segregação étnicorracial e de classe no sistema de ensino. As exigências/exclusões e o maior investimento podem, portanto, justificar porquê as ECMs são frequentemente exaltadas como um “modelo vencedor”, tendo como base o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). 

Mas essa ideia não é sustentada pelos dados. A geógrafa Rafaela Miyake mapeou o perfil das primeiras escolas a aderirem ao PECIM e observou que muitas das unidades já tinham infraestrutura e nota do Ideb acima da média antes do PECIM. Isto é, não foi a militarização que elevou sua qualidade. Outros estudos e levantamentos já tinham percebido esse mesmo padrão, e também ressaltam o maior orçamento destinado às ECMs. 

“A conclusão do mapeamento, e o choque, foi perceber que o projeto piloto [do PECIM] na verdade foi uma tentativa de convencimento da opinião pública de que a militarização melhora a escola. Mas elas já eram boas antes”, explica Rafaela, que continua o mapeamento em seu mestrado no Departamento de Geografia da USP. Das 54 escolas do projeto piloto: 49 já tinham biblioteca quando aderiram ao PECIM (90%); 45 já tinham laboratório de informática (83%); 41 já tinham salas de atendimento especial (76%); 36 já tinham quadra coberta (67%) e 27 já tinham laboratório de ciências (50%). As informações foram enviadas a Rafaela pelo INEP através da Lei de Acesso à Informação. E 20 das 54 escolas já tinham alcançado a meta projetada no Ideb (dados extraídos do Censo Escolar). Em relação à situação de vulnerabilidade social, Rafaela também observou que boa parte dos alunos já figurava em índices diferenciados segundo o INSE-INEP (índices 3 e 4). “Pensando na realidade da escola pública, já era um quadro de exceção”, reforça a pesquisadora. 

A adesão ao PECIM, conforme observado pelo mapeamento, tornou as escolas mais excludentes, já que muitas delas tiveram que fechar turmas para poder se adequar ao Programa. As escolas que aderiram ao projeto piloto não poderiam, por exemplo, ter turmas noturnas, de Educação de Jovens e Adultos (EJA), entre outros requisitos. Mas no momento da adesão eram cerca de 300 turmas de EJA, com quase 8 mil matrículas. “O que aconteceu com essas pessoas após a adesão?”, questiona a pesquisadora. “[Com a militarização], a avaliação pode até aumentar, mas a prestação de serviços para a população piora: as vagas diminuem, além das escolas – sem noturno e sem EJA – passarem a ter menor complexidade na gestão e menor evasão”, reitera Rafaela. A pesquisadora segue seu mapeamento, agora focada nos programas estaduais de Goiás e Paraná – neste último, que é fruto do PECIM, já se notam os mesmos padrões de exclusão.

Operações policiais e conflitos territoriais: fechamento de escolas cada vez mais comum

Os dados sobre a militarização mostram que ela não é uma solução para a educação pública. Mas além disso, há outra complexidade na relação entre educação e segurança: no Brasil, as ações, estratégias e políticas de segurança pública têm reforçado exclusões e desigualdades educacionais e negado o direito à educação a estudantes mais pobres, de periferias, negras e negros. 

O exemplo mais flagrante dessas violações é a quantidade de dias letivos perdidos por alunas e alunos por conta de conflitos territoriais ou operações policiais. No Rio de Janeiro, em 2023, 257 escolas não abriram ou precisaram fechar por conta da violência urbana – isso apenas nos primeiros 45 dias letivos do ano. Foram mais de 85 mil  estudantes sem aulas, ou 13.5% da rede municipal. Outra pesquisa, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), analisou dados de 2019 e aferiu que nada menos do que 74% das escolas cariocas tiveram pelo menos um tiroteio em seu entorno naquele ano. E a estimativa de redução de aprendizado chegou a 64% em português e em perda completa em matemática. 

O Complexo da Maré sempre figura entre as regiões mais afetadas por esse fenômeno. Lá, onde moram 160 mil pessoas, estudam cerca de 20 mil alunas e alunos em 50 escolas. Segundo dados compilados pela organização Redes da Maré, foram 146 dias sem aula de 2016 a 2023, e em 2024 já eram 10 dias de escolas fechadas apenas nos 4 primeiros meses do ano. Uma média de 25 dias sem aulas a cada ano. Isso significa que nos 11 anos de escolarização obrigatória de uma estudante da Maré, a violência pode ter deixado sua escola fechada por mais de um ano letivo completo. 

“Quando penso na relação entre educação e segurança pública, penso em violação de vários direitos: do direito à educação, do direito de ir e vir, do próprio direito à segurança pública”, resume Andreia Martins, pesquisadora da Redes da Maré e ativista do Fundo Malala. “O mesmo estado que propõe ações truculentas de combate ao crime organizado é o que deveria estar fornecendo educação, mas as operações violam esse direito ao fechar escolas”, completa ela. 

Os problemas causados pela violência se acumulam, uma vez que têm impactos na saúde física e mental de toda a comunidade escolar, além de apresentar um desafio logístico e até trabalhista para repor as aulas perdidas. “No dia seguinte não é uma aula normal, as aulas não têm como ser as mesmas quando a escola ficou fechada por tiroteio, quando pessoas foram baleadas. Além da violação do dia a dia, as pessoas ficam fragilizadas e adoecem. É muito difícil criar um ambiente propício para o desenvolvimento cognitivo, para a produção de conhecimento entre estudantes e docentes com tantas fragilidades”, pontua Andreia. “A Secretaria de Educação do município, que diz ter um plano de mitigação desses efeitos, propõe, para o dia não ser ‘perdido’, aulas remotas ou envio de atividades remotas. Mas pesquisas que nós mesmos já conduzimos durante a pandemia já mostraram que os estudantes não têm condição de acompanhar essa aula”, reforça a pesquisadora, destacando desafios como o acesso às tecnologias e conexões adequadas para as aulas remotas. 

Esse ponto, comum a outras escolas do Brasil, especialmente de periferias, merece destaque. Andreia faz questão de lembrar que, quando o assunto é educação, há outros problemas na Maré que não só a violência, agenda que acaba ganhando destaque enquanto há outras fragilidades no território, como a falta de infraestrutura das escolas, a dificuldade de vagas para todas e todos estudantes do Complexo e a ausência de outros órgãos de assistência à população. “É perigoso porque o discurso do Estado para justificar a precariedade dos serviços oferecidos é muito pautado na violência, sendo que há muitas coisas que independem disso. É preciso superar esse discurso”, resume. “O problema não é só a violência, mas o olhar do Estado na implementação de políticas para esse território, que passa também, mas não só, pela política de segurança pública”. 

Articulações para reverter esse cenário: mobilização social e investidas no judiciário

Nesse contexto de crescente militarização, a mobilização social é cada vez mais importante, e tem encontrado, no Judiciário, um caminho para conseguir frear ou reverter alguns desses retrocessos. “Se por um lado a regionalização e desmantelamento dos programas são um desafio e dificultam seu mapeamento, o fato de não virem mais de cima [nível federal] também nos dá melhores argumentos e articulações no sentido jurídico”, avalia Amarilis Costa, diretora executiva da Rede Liberdade, organização que atua fortemente nessa pauta. A Rede tem insistido muito na inconstitucionalidade das escolas cívico-militares, citando especialmente – mas não só – os artigos 37 e 206 da Constituição Federal, que versam sobre a pluralidade de saberes, gestão democrática, valorização de profissionais, entre outros. 

Por isso, inclusive, a “facilitação” à militarização por meio do sucateamento da escola pública pode ser mais desafiadora, já que não há menções diretas à militarização. Da mesma maneira, as muitas maneiras de implementar escolas cívico-militares no país também são um desafio a mais para o litígio no âmbito jurídico. “São políticas sempre em curso e em constante alteração”, diz Amarilis, explicando que novas estratégias de implementação de escolas cívico-militares são utilizadas tão logo se consegue construir os argumentos jurídicos para desmobilizá-las. 

Daí a importância da sociedade civil articulada e mobilizada na pressão social e na disputa de narrativas. “Com todos os desafios, temos tido avanços consideráveis no repúdio a esse modelo, mas sabemos que o imaginário de violência e retrocesso vai se enraizando e afeta especialmente territórios do sul global. Por isso, a mobilização da sociedade civil é fundamental, já que as respostas institucionais e do judiciário nem sempre alcançam o tempo da resposta política”, diz Amarilis. 

No caso de São Paulo, a Articulação Contra o Ultraconservadorismo na Educação, ao lado de mais de 100 organizações que atuam na defesa dos direitos humanos e pelo direito à educação de qualidade, lançou uma Carta de Repúdio ao Programa de Escola Cívico-Militar, promovido pelo governador, Tarcísio de Freitas, alertando que escolas militares acirram desigualdades educacionais, coíbem a expressão da diversidade de gênero e sexualidade e incentivam abusos por parte dos militares. Além disso, elas também reproduzem o racismo estrutural e institucional, impondo padrões estéticos baseados na branquitude e violam a liberdade de crença.

>> Baixe o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas>

> Informe-se sobre as mobilizações da União Brasileira de Estudantes Secundaristas




SEMANA DE AÇÃO MUNDIAL 2024

PNE na boca do povo: pelo direito a uma educação com justiça e transformação socioambiental! Vamos construir um Plano novo!

Semana de Ação Mundial 2024 vai reforçar a mobilização em defesa do novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034)!

Nossa luta é pela renovação do PNE, tendo como base o documento final da Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024, sem retrocessos e com ousadia, para garantir uma educação pública de qualidade a todas as pessoas no território brasileiro.

Use sempre as hashtags #SAM2024, #PNEpraValer e #SemRetrocessoComOusadia nas suas redes sociais!

Novo PNE e a Conae 2024

O atual PNE (2014-2024) termina neste ano com grande parte da legislação descumprida – veja mais no Balanço do PNE 2023, produzido pela Campanha. Em breve, publicaremos o Balanço 2024.

Justamente para efetivar as metas ainda a serem alcançadas, o novo Plano Nacional de Educação (2024-2034) deve ser construído sem retrocessos em relação ao atual e ousando em suas metas e estratégias, seguindo a deliberação da Conae 2024. Isso é o que a grande maioria dos segmentos da educação defende, incluindo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que realiza a SAM.

A Conae promoveu conferências municipais, intermunicipais, estaduais e distrital que discutiram  o Documento de Referência publicado pelo FNE. Na etapa nacional, em Brasília (DF) – evento que reuniu no início de 2024 mais de 2.500 pessoas, entre delegadas/os, observadores e palestrantes –, o documento final foi referendado, sendo condizente com o direito à educação.

O texto final da Conae tem caráter deliberativo e espera-se que o Ministério da Educação (MEC) siga este conjunto de propostas para formular um Projeto de Lei do novo PNE – legislação que deve passar a tramitar no Congresso Nacional ainda neste ano.

Para garantir que cheguemos à tramitação no Congresso Nacional fortalecidos, precisamos aumentar cada vez mais a mobilização nas redes sociais e também nas ruas, e não aceitar recuos do governo federal ou do Congresso Nacional.

A perspectiva do direito à educação a todas as pessoas deve prevalecer e estar refletida nas metas e estratégias da nova legislação.

Semana de Ação Mundial 2024

A Semana de Ação Mundial (SAM) é uma iniciativa realizada simultaneamente em mais de 120 países, desde 2003, com o objetivo de informar e engajar a população em prol do direito à educação, de diversas maneiras. De 2003 a 2023, a Semana já mobilizou mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo cerca de 2,4 milhões de pessoas apenas no Brasil.

A SAM acontece por meio de atividades autogestionadas (ou seja, cada um faz a sua, de acordo com seu contexto!) em praças, escolas, centros comunitários, nas ruas, em audiências públicas e nos mais diversos locais. 

Qualquer pessoa que queira refletir e se engajar pelo direito à educação pode participar.

Os inscritos vão receber o um resumo do Manual da SAM 2024 impresso. O Manual, na íntegra, ficará disponível online gratuitamente.

O Manual da Semana de Ação Mundial (SAM) 2024 já está disponível gratuitamente no site!

Acesse e compartilhe o Manual da SAM 2024: semanadeacaomundial.org

Use sempre a hashtag #SAM2024 nas suas redes sociais!

A Semana de Ação Mundial é a maior atividade de mobilização pela educação no mundo!

A SAM brasileira é dedicada, desde 2014, ao monitoramento da implementação do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), previsto na Lei 13.005/2014, que é o principal caminho para que toda a população brasileira possa ter acesso a uma educação de qualidade da creche à universidade.

Consideramos que a garantia plena do direito à educação é condição para atingirmos, de fato, a justiça social no país. Seguiremos monitorando os indicadores da educação, de forma a exigir que as políticas públicas tenham por base o que está previsto na Lei, possibilitando o cumprimento do artigo 205 de nossa Constituição Federal de 1988:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Vamos aprofundar esses assuntos nesta SAM, para que você também faça parte dessa roda!

Seja bem-vinda/o!

CERTIFICADO

Para receber um certificado de participação, é preciso estar inscrito na Semana de Ação Mundial, indicando as atividades que pretende realizar. Logo após a Semana de Ação Mundial, após o envio do relatório das atividades realizadas, enviaremos os certificados de participação.

Novo projeto de lei para o Ensino Médio deixa brechas para privatização e precarização da etapa

Pautas como a educação profissional, a educação à distância, os itinerários e o notório saber devem mobilizar as disputas mais acirradas no Congresso Nacional

Ato pela Revogação do Novo Ensino Médio
Agência Brasil /EBC

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

Em 2023, admitindo as muitas limitações do Novo Ensino Médio (NEM), em especial o aprofundamento das desigualdades educacionais, o Ministério da Educação (MEC) realizou uma consulta pública para avaliar e reestruturar a política para essa etapa em todo o país. A Consulta não deixou dúvidas que a sociedade brasileira quer um outro Ensino Médio, e foram feitas várias propostas para reverter os retrocessos trazidos pela lei atualmente em vigor. No entanto, o que deveria resultar em aprimoramento pode vir a ter o efeito contrário caso seja aprovada a versão em tramitação no Congresso. 

O substitutivo do PL 5.230/2023, elaborado pelo deputado Mendonça Filho (União-PE) – ministro da Educação no Governo Temer, que estabeleceu o Novo Ensino Médio -, fragiliza ainda mais a modalidade, abrindo brechas para o ensino à distância (EaD), a privatização e a desescolarização. “Esse projeto fraciona o sistema de tal maneira, sem regulamentar e sem dar garantias, que a partir dele não é possível ter um desenho de como será o Ensino Médio no futuro. Podemos intuir, mas não dá para saber”, resume Debora Goulart, professora da Unifesp e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU).

O projeto em tramitação – aprovado pela Câmara dia 20 de março, o que foi considerada uma vitória para o governo – estabelece a garantia de 2.400 horas na formação geral básica (FGB) dos estudantes, mas mantém vários outros pontos problemáticos. Até mesmo a carga de 2.400 horas não é uma vitória em todos os aspectos, porque não determina como essas horas serão distribuídas entre as disciplinas científicas obrigatórias, e também porque os cursos técnico-profissionais podem ter carga da FGB reduzida. 

Além disso, o texto em sua forma atual abre portas para a precarização da educação pública de várias maneiras. Por exemplo, mantém uma brecha para a oferta de ensino à distância na educação básica. As precarizações ficam ainda mais evidentes na regulação do ensino técnico profissionalizante, modalidade em que fica permitida a contratação de docentes por “notório saber” – isto é, sem necessidade de formação em docência e em suas áreas específicas. Também no ensino técnico permanece a possibilidade de que organizações privadas ofertem ou assessorem cursos dos itinerários – um aceno aos interesses privatistas. Ainda, no que talvez seja o retrocesso mais flagrante do texto aprovado, “experiências extraescolares” podem ser validadas como carga horária para o Ensino Médio. Ou seja, até trabalho pode passar a contar como aula. 

“É uma precarização na medida em que não há mais obrigação em fornecer aquela carga horária, já que ela pode ser compensada de outra maneira”, explica Débora Goulart. Assim, em vez de garantir as condições necessárias para a oferta de uma educação de qualidade que atenda as necessidades de estudantes trabalhadoras e trabalhadores que têm maiores índices de evasão, a solução para “resolver” o problema é fazer horas de trabalho contarem como carga horária da educação formal. Por isso, para vozes críticas como as do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, esse projeto incentiva a desescolarização. 

EaD e notório saber: espaço para privatização e precarização

O texto aprovado na Câmara deixa brechas para a privatização em diversos momentos. No ensino técnico profissionalizante, estabelece que a oferta de cursos deve ser dada por instituições “preferencialmente públicas”. Quanto à EaD, fica estabelecido que a carga horária deve ser ofertada de forma presencial “ressalvadas as exceções previstas em regulamento”. Esses casos excepcionais – ainda não descritos -, não apenas preocupam pela possibilidade de precarização, mas também de privatização, uma vez que grande parte da estrutura de EaD vem de instituições privadas. 

“As ressalvas, ou excepcionalidades, serão dadas por legislação posterior, e portanto poderão ser qualquer coisa. Mas o ponto é que não há sistema público de oferta de EaD. Por exemplo, no estado de São Paulo, todas as plataformas conectadas ao Centro de Mídias são compradas”, acrescenta a professora Débora Goulart. “E não há interesse [em ter sistema público de EaD], uma vez que é um campo altamente lucrativo e que se expandiu sobretudo na pandemia”, diz ela, ressaltando as péssimas avaliações do ensino ofertado à distância. Em audiência pública realizada no dia 16/04, o próprio MEC admite que as “excepcionalidades” podem ser uma brecha para a oferta de baixa qualidade. 

Por exemplo, uma pesquisa realizada por UNESCO, UNICEF, Banco Mundial e OCDE em 2021 mostrou altos índices de exclusão durante a pandemia. Nesse mesmo período, a pesquisa “A Educação de Meninas Negras em Tempos de Pandemia: O aprofundamento das desigualdades”, realizada pelo Geledés, também atestou o aprofundamento das desigualdades, sendo as dificuldades de acesso ao ensino remoto um dos fatores primordiais. 

“A privatização no ensino público hoje se dá de forma combinada. Vem pela tecnologia, pelo conteúdo e, sobretudo, pela organização do currículo escolar. Por exemplo, um itinerário formativo tem a liberdade de descrever quais são as disciplinas que o compõem, o que permite assessorias privadas, ou que o material seja produzido por empresas privadas, além da formação dos professores. É possível ter uma cadeia de entidades privadas na construção da relação pedagógica” – Débora Goulart 

E essa precarização também afetará as profissionais da educação, uma vez que no substitutivo de Mendonça Filho fica regulada a contratação por notório saber na educação técnico profissionalizante – prática que, como ressalta Débora Goulart, da Rede Escola Pública e Universidade, já é largamente utilizada na rede pública, salvo poucas exceções, para sanar falta de professores. Uma vez autorizada na legislação, não há qualquer incentivo para resolver esse problema ou para assegurar condições dignas de trabalho às professoras e professores concursados. 

Descumprimento de legislações, falta de participação social e tramitação acelerada

Não bastasse o texto insuficiente para enfrentar os problemas do Ensino Médio no Brasil, o substitutivo do PL 5.230/2023 tem ainda o agravante de desrespeitar os processos participativos de escuta das demandas de estudantes e profissionais da educação para esta etapa da educação básica. O documento final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2024, por exemplo, é explícito sobre a necessidade e urgência de revogar o Novo Ensino Médio e de construir um novo Plano Nacional de Educação com mais investimento em educação pública. E a Consulta Pública realizada pelo MEC em 2023 não tem impactado de maneira efetiva o projeto que tramita no Congresso Nacional.  

Em 2024, as decisões da plenária da CONAE tiveram caráter vinculante reconhecido pelo MEC. Isto é, o que foi acordado na conferência não é meramente consultivo mas sim uma decisão a ser respeitada pelo Estado. E vai na direção oposta do que foi aprovado no Congresso até agora. 

Fora isso, o PL 5230/2023 tramitou em regime de urgência, sem passar pelas devidas avaliações e votações das Comissões da Câmara, indo direto a plenário, o que reduziu significativamente o debate sobre a matéria. Uma tramitação que, nas palavras de Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,  “reproduziu as mesmas condições de criação da reforma do novo Ensino Médio, pela MP 746/2016: sem o tempo necessário para um debate aprofundado e responsável sobre os impactos na vida de  aproximadamente 8 milhões de estudantes matriculados na última etapa da Educação Básica”. Não é a única semelhança entre os dois períodos, já que Mendonça Filho, relator do PL, é ex-Ministro da Educação do governo Temer, o próprio criador do atual modelo da reforma do Ensino Médio. “Sem o prazo adequado para o debate e a efetiva participação social, o texto do substitutivo aprovado na Câmara é insuficiente e ruim”, avalia Tânia. 

Agora o texto será apreciado no Senado, onde espera-se que seja modificado – é para isso que se mobilizam dezenas de movimentos sociais comprometidos com uma educação pública de qualidade., “Embora o Ministro da Educação, Camilo Santana, já tenha deixado claro em entrevistas, que a expectativa do MEC seja aprovar rapidamente o texto no Senado, entendemos que o texto pode e deve ser aprimorado”, enfatiza Tânia Dornelles. Para a assessora da Campanha, temas como a educação profissional, a educação à distância, os itinerários e o notório saber são as pautas que devem mobilizar as disputas mais acirradas. 

Apesar do contexto desfavorável, a própria recomposição das 2.400 horas na formação geral básica, bem como o adiamento da votação do PL para março deste ano são resultados da mobilização popular. Ou seja, por mais que interesses privatistas estejam atuantes para aprovar um Novo Ensino Médio condizente com o que acreditam, as juventudes, profissionais da educação, comunidades escolares também estão. E também têm impacto no Congresso.



Construção do primeiro Observatório Regional de Políticas Públicas no Brasil foi iniciada no Grande ABC

Implementação está prevista no Plano Regional de Educação e contará com a parceria da Iniciativa De Olho nos Planos, da Ação Educativa

O Observatório Regional de Políticas Educacionais do Grande ABC realizou sua primeira atividade pública no dia 10 de abril, no campus de Santo André da Universidade Federal do ABC. O projeto que está em fase de implementação é uma iniciativa da UFABC com o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. O projeto recebe apoio  do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (PPPP/Fapesp) e conta com uma rede de pesquisadoras/es e instituições parceiras, da qual a Ação Educativa faz parte.

“A construção, implementação e monitoramento participativo do Plano Regional de Educação no Grande ABC é uma experiência inovadora de articulação das políticas educacionais no território. Nossa aposta é que por meio da gestão democrática e do estímulo à participação popular, as escolas e suas comunidades possam ser ouvidas sobre as principais demandas educacionais da região”, ressalta Claudia Bandeira coordenadora da Iniciativa De Olho Nos Planos e assessora da Ação Educativa.

A mesa de abertura contou com a participação do professor da UFABC e coordenador do Observatório Salomão Barros Ximenes, Juliana Cavasini da Silva, coordenadora de Programas e Projetos do Consórcio ABC; Ana Clara Carneiro, secretaria Municipal de Educação de Diadema; Karen Aparecida Silveira, do Fórum Regional de Educação do Grande ABC (FRE); Sérgio Stoco, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); e Claudia Bandeira, da Ação Educativa.

Em sua apresentação o professor Salomão Ximenes destacou que a implementação do Observatório de Políticas Educacionais do ABC está prevista no Plano Regional de Educação do Grande ABC (PRE 2016-2026) aprovado pelos 7 municípios que compõe a região para ser uma política pública de planejamento, monitoramento e avaliação orientada com foco na melhoria da qualidade, democratização de oportunidades educacionais e gestão democrática, mediante a articulação territorial das políticas educacionais. O professor ainda apresentou a equipe de bolsistas selecionadas para atuar na implementação do Observatório.

Após a apresentação, os participantes se dividiram em 12 grupos temáticos para organizar e pensar em uma agenda de trabalho e pesquisa sobre temas como Educação Infantil, Ensinos Fundamental, Médio e Superior; Educação de Jovens e Adultos (EJA), financiamento da Educação, gênero e relações étnico raciais, entre outros.

Articulações das ações

As equipes do Observatório Regional de Políticas Educacionais do ABC e da Ação Educativa estiveram na Secretaria Municipal de Educação de Diadema (SME Diadema) no último dia 23 de abril. O município já possui o Observatório da Educação de Diadema e por isso foi escolhido como projeto-piloto para a implementação do Observatório Regional, primeira experiência do tipo em todo o país, um projeto coordenado pela UFABC e pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC com o apoio da FAPESP.

Na visita, o Observatório Regional foi apresentado aos distintos setores da SME Diadema, todos envolvidos nos processos participativos de monitoramento e avaliação dos planos de educação.  Em reuniões de trabalho foram pensadas demandas da educação na Cidade e na Região, bem como as próximas etapas para implementação do Observatório Regional. Um possível cronograma de trabalho foi apresentado durante o encontro, que também discutiu como se dará o funcionamento do Observatório Regional e sua relação com o Observatório municipal. Também foi pontuada a necessidade de aprofundar o diagnóstico sobre a educação municipal e de colaborar nos processos formativos, sobretudo voltados à autoavaliação participativa das escolas e à gestão democrática.

Estiveram presentes Salomão Ximenes, professor da UFABC que coordena o Observatório Regional, e a equipe de bolsistas da Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a secretária de educação da cidade Ana Lucia Sanches, a equipe de servidores da secretaria, além de Cláudia Bandeira coordenadora da Iniciativa De Olho Nos Planos e assessora da Ação Educativa.