Gestão democrática, diálogo e alianças intersetoriais: recomendações para cumprir os Planos de Educação

Webinário da iniciativa De Olho nos Planos trouxe desafios e recomendações aos novos gestores municipais para que trabalhem no sentido de cumprir os Planos de Educação

EBC/Divulgação

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de anos de debates, articulação e mobilização da sociedade civil e de entidades do campo educacional, o PNE sublinha a importância do planejamento para a Educação. Norteados pelo PNE após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para construírem seus planos por meio de processos participativos, também com o objetivo de orientar a gestão educacional e o controle social. 

No entanto, o Plano Nacional de Educação não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação. 

Por serem políticas de Estado com duração de dez anos, os planos de educação devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder. No entanto, a descontinuidade tem se mostrado um imenso desafio para a garantia do direito à Educação em todo o país, sendo os cortes no financiamento da Educação um dos principais motivos. 

As transições municipais sempre foram um momento delicado para os Planos de Educação. Em contexto de pandemia – que alterou não apenas o calendário escolar, mas também orçamentos, repasses e exigiu ações emergenciais – os desafios se multiplicaram. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos promoveu o webinário “Planos de Educação, transição municipal e pandemia: desafios e recomendações” (assista aqui), a fim de mapear desafios, alertar para as importância do planejamento no campo educacional e deixar recomendações às novas gestoras e gestores. A seguir, condensamos os principais pontos abordados no debate, com indicações de materiais para consulta posterior. 

Importância dos Planos

Os planos de educação têm peso de lei e refletem os desejos da sociedade. Ainda, reforçam a necessidade do planejamento para efetivar o direito à Educação de todas e todos, em todos os níveis de ensino. “A ideia é ter uma ‘espinha dorsal’ que não seja modificada a cada gestão, porque objetivos de educação são objetivos de prazo mais largo”, resume Romualdo Portela, presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE). Essa característica explica a importância de se olhar para os planos em um momento de transição municipal.

“É muito importante dar visibilidade aos planos pois são leis aprovadas legitimamente, representando o que a sociedade demandou. Não são apenas um conjunto de metas e estratégias, mas representam a perspectiva da construção do direito à educação como condição essencial de cidadania”, complementa Gilvânia Nascimento, coordenadora da União Nacional dos Conselheiros Municipais de Educação da Bahia (UNCME-BA). Por isso, é tarefa da sociedade acompanhar seu cumprimento e tirá-los da invisibilidade. Em momento de transição, os planos municipais de educação precisam ser conhecidos das novas gestoras e gestores, que devem incorporá-los no planejamento dos próximos quatro anos. 

Em um contexto de crise política, econômica e sanitária é preciso articular a discussão sobre o aumento da eficiência do gasto público ao cumprimento dos planos. “O contexto é complexo e desafiador, mas sem planejamento fica muito mais difícil para os municípios. Precisamos pensar nisso, atrelando essa discussão ao contexto político e econômico que vem fragilizando o direito à educação e criando mais dificuldades para os municípios cumprirem suas responsabilidades constitucionais”, resumiu Gilvânia, que no webinário alertou também para governos que tentam agir isoladamente, indo contra o que já foi definido nos planos locais. 

É necessário identificar quais as instâncias responsáveis pelo monitoramento em cada município e mobilizá-las para discutir uma agenda propositiva referente à transição municipal e ao plano de educação. – Gilvânia Nascimento, coordenadora da UNCME-BA

É fundamental reconhecer que os planos de educação são lei. Precisamos responder a eles.  – Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime

Impactos da pandemia

Um desafio para a próxima gestão é compensar os impactos da pandemia de Covid-19 na educação. O fechamento das escolas e a migração de muitas atividades para o online acabaram por aumentar ainda mais as desigualdades já existentes no país. Também realçaram o papel da escola não só na garantia do direito à educação mas também a outros direitos como segurança alimentar e proteção de crianças e adolescentes.

Neste último tema, por exemplo, dados preliminares de uma relatoria de direitos humanos da Plataforma Dhesca sobre alimentação escolar durante a pandemia mostram que as cestas básicas adotadas em substituição à merenda deixam a desejar em quantidade e qualidade dos alimentos ofertados. Ainda, a pesquisa PNAD-Covid indica que mais de 6 milhões de estudantes ficaram afastados das atividades escolares durante a pandemia –  o que impacta abandono e evasão escolar. Garantir o retorno às aulas presenciais com segurança é outro desafio, visto que há escolas sem acesso a saneamento básico, entre outros insumos básicos. Mapeamento realizado pela Iniciativa De Olho Nos Planos averiguou essa realidade em escolas indígenas, quilombolas e do campo no país, onde a pandemia exacerbou problemas de acesso pré-existentes. 

“Os excluídos são aqueles que se incorporaram mais recentemente aos processos educativos. Portanto, se entendemos que educação é um direito, é preciso se preocupar em incorporar aqueles eventualmente excluídos. As novas administrações devem considerar que houve prejuízo real para o aprendizado esse ano e desenvolver políticas entendendo que a recuperação não será imediata. Isso inclui políticas de busca ativa escolar, combate à reprovação, que não resolve problema nenhum e só acelera a exclusão, etc. Em suma, é preciso considerar este ano como excepcional, como um ano que vai ter que ser compensado nos próximos”, recomenda Romualdo Portela.  

Gestão democrática, participação e alianças 

Se o objetivo é cumprir as metas previstas nos planos de educação, especialmente durante a pandemia de Covid-19, é crucial construir alianças intersetoriais e garantir a participação e a gestão democrática – passos que refletem o processo que levou à construção dos planos e que garantem que as ações responderão às reais necessidades das comunidades escolares. Em momento de transição de gestões, assegurar a gestão democrática também permite dar continuidade a processos bem-sucedidos e corrigir os falhos. “Não aceitamos que uma legislação construída em tanto tempo, com tanta participação e com potencial real de redução de desigualdades seja simplesmente colocada de lado”, disse Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela completou: “Se a gestão democrática não acontece, não há como fazer política que de fato responda às necessidades e à realidade. Não adianta fazer políticas emergenciais sem escuta democrática”. 

O presidente da ANPAE, Romualdo Portela, concordou e afirmou: “Somente a organização da sociedade civil mobilizada pressionando as instituições vai fazer com que os planos sejam de fato implementados”. 

Nesse sentido, as debatedoras e debatedores avaliaram como ações necessárias: 

  • Dialogar com os novos gestores e gestoras eleitos recentemente sobre os planos de educação: prefeitas e prefeitos, dirigentes de educação e suas equipes; 
  • Acompanhar o ciclo orçamentário dos municípios; 
  • Realizar investimentos públicos em educação pública;
  • A pactuação entre diferentes instâncias federativas visando o monitoramento dos planos e a redução das desigualdades educacionais acirradas ainda mais em um contexto de pandemia; 
  • Realizar a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação participativa das escolas;
  • Fortalecer movimentos de base, que ajudam no controle e na incidência das agendas previstas nos planos de educação; 
  • Atentar-se para as discriminações de gênero, agindo para que sejam endereçadas pelas políticas públicas. Estas precisam ser combatidas para as políticas serem, de fato, inclusivas; 
  • Permanente diálogo entre Conselhos e Secretarias de Educação. 

É importante ter em mente os princípios básicos de gestão, que se tornam ainda mais importantes em cenários de crise: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade (e transparência) e eficiência. – Andressa Pellanda,  coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Só quando se ouve a comunidade escolar é possível fazer modificações de fato. É uma ilusão achar que vamos mudar a educação brasileira na canetada. Gestão democrática é eficiente, não ser democratico é ineficiente. – Romualdo Portela, presidente da ANPAE

A autoavaliação participativa da escola é uma estratégia muito importante de monitoramento dos planos. [Nós da Ação Educativa] atuamos na portaria do Sinaeb, previsto no artigo 11 do PNE, para que a autoavaliação fosse tida como fundamental no sistema de avaliação. Assim avançamos  no debate para além das avaliações externas em larga escala. – Claudia Bandeira, Assessora de educação na Ação Educativa

Financiamento da educação e contexto político 

Para pôr tudo isso em prática, não há dúvidas: é preciso ter recursos suficientes. Ou seja, o financiamento da Educação pública é tema central para o cumprimento dos planos de educação. 

O Fundeb, principal mecanismo de financiamento do país, tornou-se permanente em 2020 e incorporou grandes conquistas nesse sentido, assegurando mais recursos para os municípios e permitindo planejar políticas de educação a longo prazo. No entanto, o aumento de recursos será gradual e parte dele ainda está em disputa no processo de regulamentação do fundo. É preciso, portanto, garantir que a regulamentação não traga retrocessos em relação ao que foi aprovado. Por exemplo, que não amplie ainda mais a destinação de recursos públicos para escolas privadas, como autoriza o relatório do deputado Felipe Rigoni. Também vale lembrar que o montante do Fundeb se baseia no valor arrecadado por impostos, que deve ser afetado pela crise econômica. 

O não cumprimento do Plano Nacional de Educação [e dos estaduais e municipais] também é diretamente afetado pelo desmonte de políticas e órgãos educacionais, sobretudo os que tratam do enfrentamento de desigualdades. Soma-se a isso um contexto de desfinanciamento da educação pública e de áreas sociais, em que se destacam: 

  1. Emenda Constitucional 95 [Teto de Gastos], que limita radicalmente os investimentos em áreas sociais e essenciais, como saúde e educação. Para que sejam efetivamente cumpridos, é necessária a revogação da Emenda. 
  2. Proposta de Orçamento para 2021 que não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. Estudo da Coalizão Direitos Valem Mais indica que são necessários R$36 bilhões extras na Educação para combater as desigualdades que se aprofundaram durante a pandemia e para garantir que a reabertura de escolas seja feita com segurança. Nesse sentido, a demanda é por um piso emergencial mínimo para as áreas sociais. 
  3. PEC 188, do Pacto Federativo, que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação. Assim, as áreas essenciais disputariam o orçamento. 
  4. Ataques a processos participativos e de controle social, como intervenção do governo no Fórum Nacional de Educação e na Conferência Nacional de Educação (CONAE) e o Decreto 9759/2019, que restringiu a participação e o controle social. 

Precisamos tornar o financiamento da educação uma pauta de toda a sociedade. Não há como materializar políticas efetivas para garantia do direito à educação sem a garantia dos recursos adequados. – Gilvânia Nascimento (Uncme-BA)

“Só combinando luta institucional com pressão popular é que vamos conseguir, de fato, colocar a educação no centro da agenda das políticas públicas”  –
Romualdo Portela, presidente da ANPAE

Consulte:

  1. NOTA TÉCNICA: Recomendações para a disponibilização e a coleta de dados sobre as ações das redes de ensino relacionadas às atividades educacionais durante a pandemia da Covid-19 – guia para p gestões municipais abordando como fazer políticas emergenciais com gestão democrática e transparente.
  2. Guia COVID-19 – Volume 9: Eleições Municipais – série de recomendações para gestões municipais sobre educação,  como os processos para reabertura das escolas, financiamento adequado e necessidade de cumprimento de planos de educação. 
  3. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil: dos Projeto-Político Peagógicos das Escolas à Política Educacional
  4. Programa de Ação “Ocupar escolar, proteger pessoas e valorizar educação“.

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