Lançamento acontece na quinta, 01/07, em seminário transmitido pela Faculdade de Educação da Unicamp
Na quinta-feira, 01/07, 18h, durante o Seminário Nacional em pesquisa – A Reforma Neoliberal do Ensino Médio: tempos difíceis para a escola pública, a Ação Educativa lança a publicação INDICADORES DA QUALIDADE NO ENSINO MÉDIO. A publicação integra a Coleção Indicadores da Qualidade na Educação, metodologia de autoavaliação participativa escolar desenvolvida por Ação Educativa, com apoio do Unicef, em diálogo com estudantes, profissionais de educação e inúmeros parceiros.
Os Indicadores de Qualidade na Educação são uma metodologia de autoavaliação escolar que reúne indicadores educacionais qualitativos de fácil compreensão, concebidos para que toda a comunidade avalie a realidade em que está inserida, identifique prioridades, estabeleça planos de ação, monitore seus resultados e apresente reivindicações e propostas às políticas educacionais.
O conceito de qualidade presente na coleção Indique destaca as condições concretas de atendimento educacional (infraestrutura, condições de trabalho dos/das profissionais de educação, número de estudantes por turma, etc), os processos de realização do trabalho nas unidades educacionais (tempo de trabalho coletivo, formação continuada de profissionais da educação, gestão democrática, planejamento e avaliação, etc.) e a relação entre esses e os resultados educacionais que se almeja.
Por envolver estudantes, professores(as), gestores(as), familiares, funcionários(as), representantes de organizações locais, entre outros atores no processo de avaliação de qualidade, os Indicadores têm se mostrado muito efetivos para a ampliação do diálogo entre a escola, as famílias e os órgãos do sistema educacional.
A publicação se une aos volumes: Indicadores para o Ensino Fundamental, para a Educação Infantil, e para as Relações Raciais na escola.
O evento de lançamento conta com a participação de Be Camelo e Pedro Veríssimo, da ColetivA Ocupação; Ronildo Geraldo da Silva, professor de ensino médio de MG; Denise Carreira e Gabriel Di Pierro, da Ação Educativa. O evento será transmitido no Youtube da Faculdade de Educação da Unicamp.
Proposta tira direitos principalmente de servidores públicos da educação e estimula a militarização das escolas públicas
Texto: Nana Soares | Edição: Cláudia Bandeira
Depois da Emenda Constitucional 95 (EC 95, o Teto de Gastos), das reformas trabalhista e previdenciária, o novo avanço do governo federal contra os direitos garantidos na Constituição de 1988 é a reforma administrativa. A proposta de emenda à Constituição é uma das prioridades do governo em 2021 e quer alterar as regras do funcionalismo público. Entre as mudanças estão a retirada da estabilidade dos servidores, de benefícios como a licença-prêmio e maior flexibilidade quanto a terceirizações e parcerias com o setor privado.
Todas as fontes ouvidas pela Iniciativa De Olho Nos Planos enfatizaram que a PEC 32 é, na prática, um desmonte do Estado. Sem se basear em evidências, é um mero ataque a trabalhadoras e trabalhadores que terá como resultado a precarização do serviço público, afetando mais quem mais depende dele (os usuários e servidoras e servidores com menores salários). Nota técnica elaborada pelo consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral sobre os impactos fiscais da proposta na verdade conclui que “a PEC 32/2020 apresenta diversos efeitos com impactos fiscais adversos, tais como aumento da corrupção, facilitação da captura do Estado por agentes privados e redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações”. O autor do estudo estima que a reforma administrativa, como colocada nesse momento, deve piorar a situação fiscal da União, seja pelo aumento das despesas, pela redução das receitas ou pela criação de até 1 milhão de cargos de confiança.
Áreas como saúde e educação devem ser profundamente afetadas pela reforma em diversas frentes: precarização de contratos de trabalho, maior influência do setor privado e consequentemente a diminuição da liberdade de cátedra.
Enviada pelo governo para a Câmara ainda em 2020, a PEC da reforma administrativa (PEC 32/2020) já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que avalia se o projeto é constitucional. Apesar de ter sofrido alterações em três pontos, foi aprovada e seguiu para a tramitação. Em junho, a Câmara instalou a comissão especial que vai discutir o conteúdo da proposta. O deputado Fernando Monteiro (PP-PE) foi eleito presidente e indicou o deputado Arthur Maia (DEM-BA) como relator. Maia, em anos anteriores, votou a favor das reformas previdenciária e trabalhista.
A previsão é que, nesta comissão, sejam realizadas 14 audiências públicas – entre elas, uma com Paulo Guedes – e o relator apresente seu parecer em agosto. Aí a reforma administrativa vai para apreciação do Congresso. Por ser uma proposta que altera a Constituição, precisa ser votada em dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado.
A PROPOSTA
A reforma administrativa proposta pelo governo altera as regras para futuros servidores públicos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios. Em caso de aprovação, atuais servidores não são atingidos pelas mudanças (mas podem o ser indiretamente, como explicado na próxima seção). Também estão isentos os militares, parlamentares, magistrados (juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores), promotores e procuradores.
Entre seus pontos estão o aumento do estágio probatório, o fim da estabilidade dos servidores, de licença-prêmio, e do regime jurídico único da União. Também aumenta os cargos por indicação (de confiança) e os convênios com a iniciativa privada. O governo argumenta que a reforma visa aumentar a eficiência do Estado e que vai cortar um custo na casa dos 300 milhões de reais em uma década. No entanto, falta embasamento para essas afirmações.
OS PROBLEMAS
Conversamos sobre a proposta da reforma administrativa com Pedro Pontual, presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP), Roseli Faria, vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor) e Fátima Silva, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Eles apontaram diferentes problemas da PEC e convergiram ao afirmar que a atual proposta, originada do governo Bolsonaro, é intrinsecamente problemática. Ela parte de pressupostos preconceituosos ou, para dizer o mínimo, sem evidências suficientes. Portanto, deve ser barrada, já que mudanças durante a tramitação não alterariam seu teor fundamental.
Pedro Pontual reforça que a reforma não ouviu especialistas ou usuários/as dos serviços para embasar suas proposições e que não há estudos atestando que o problema do serviço público são os servidores. Também não há avaliação dos impactos dos dispositivos propostos. “É uma PEC orientada pelo preconceito contra os servidores, que parte do princípio que o serviço público é ruim e caro e que por isso é preciso diminuir os gastos na folha de pagamento. Mas isso não leva em conta que Estado e orçamento existem para entregar um serviço e que não há meios do Estado ofertar saúde e educação sem o profissional dessas áreas”.
Essa discussão é importante porque o governo, embora argumente “melhorar a eficiência” do funcionalismo público, não está discutindo, de fato, como melhorá-la. A discussão não se dá em termos de prestar o mesmo serviço com menos pessoas ou de aumentar o serviço prestado mantendo o número de servidores. A reforma administrativa fala apenas em reduzir pessoal. “Se a reforma estivesse de fato debatendo eficiência, estaria discutindo os resultados e não apenas os gastos”, resume o presidente da ANESP.
Vale lembrar que o Brasil tem um sistema de saúde universal e gratuito, além de uma grande arquitetura de financiamento da educação. Sendo um dos maiores e mais populosos países do mundo, os gastos absolutos tendem a ser mesmo mais altos. Isso não quer dizer que o valor investido por cidadã/o seja alto. Por exemplo, em 2020 o governo reduziu o valor mínimo por aluno do Fundeb para R$3349,56, cerca de 279 reais mensais por estudante, ou de 16 reais por dia letivo. A União repassa aos estados e municípios, via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no máximo R$1,07 per capita para alimentação escolar (valor que chega a um mínimo R$0,32 na Educação de Jovens e Adultos). “No Brasil, é comum que o docente compre material didático com o próprio salário. Isso sim é uma realidade. E que não se resolve ao tirar a estabilidade do servidor ou diminuindo seu salário”, diz Pedro.
A estabilidade é um mecanismo conquistado na redemocratização, que garante que as trabalhadoras e trabalhadores não serão perseguidos por suas visões, opiniões ou atividades políticas. Como lembra Roseli Faria, da Assecor, esse mecanismo está presente desde o início do século XX nos Estados Unidos, não sendo uma exclusividade brasileira. E também cumpre a função de profissionalizar o serviço público. Mesmo com a estabilidade, garante Roseli, ainda há mecanismos para punir o mau servidor.
Pedro Pontual, presidente da ANESP, concorda. Ele enfatiza que o governo Bolsonaro não fez estudos investigando quais são os males da estabilidade antes de propor acabar com ela. “Existe apenas uma narrativa de que a estabilidade gera preguiça. É uma gestão orientada pelo preconceito”, diz. E, sem estabilidade, servidoras e servidores podem se sentir acuados em discordar de seus chefes, de assinar estudos ou pareceres técnicos, além de haver menos incentivos para especialização e aprimoramento profissional – o que pode ser piorado pela retirada de benefícios como a licença-prêmio. Em contrapartida, a nota técnica do consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral calculou que os cargos ocupados por pessoas sem vínculo – o que favorece a corrupção – podem aumentar em até 29% com a aprovação da reforma.
Além do preconceito embutido nas propostas, muitos mecanismos propostos pela Reforma já estão abarcados na Constituição. Por exemplo, a avaliação dos servidores públicos. Servidores federais não conseguem ter aumento de salário ou progressão de cargo sem a avaliação. “Se é a melhor metodologia ou se a avaliação é dura o suficiente é outra discussão. Mas nada disso precisa de uma PEC, não precisa alterar a Constituição. Se quer reformular, regulamentemos o que já está previsto, coletemos as melhores práticas”, diz Roseli Faria. Por isso, na visão da vice-presidente da Assecor, o atual projeto de reforma administrativa deve levar a um efeito contrário ao anunciado, aumentando o aparelhamento, os desvios de recursos e a corrupção, além da terceirização e mercantilização de serviços essenciais como a saúde e a educação. Como consequência de serviços essenciais mercantilizados e terceirizados, teríamos relações de trabalho mais precarizadas e uma piora no serviço prestado à população.
Da mesma maneira, os desestímulos aos servidores públicos podem acarretar em uma “seleção adversa”. Isto é, ficam no serviço público apenas quem não conseguiu oportunidades melhores. E isso afeta inclusive os atuais servidores, que tecnicamente não são atingidos pela reforma administrativa. Como explicou Pedro Pontual, as prioridades para licenças, especializações e similares tendem a se direcionar para trabalhadores cujos contratos já estão no novo modelo. Nas palavras de Roseli Faria: “A mercantilização pode vir pela ampliação de contratos com a iniciativa privada, que, como contrapartida, precisa da precarização do trabalho no serviço público, da desprofissionalização das carreiras”. Seriam mecanismos de desprofissionalização não apenas o fim da estabilidade, mas também o aumento de servidores temporários com a expansão do período de estágio probatório, por exemplo.
IMPACTOS NA EDUCAÇÃO E ENFRENTAMENTO
Os impactos na educação podem vir de diversas maneiras: diminuição ou extinção de concursos públicos, substituições de professoras/es e funcionárias/os por cooperativas e/ou empresas terceirizadas em um contexto de já intensa precarização da área, com porcentagem importante das trabalhadoras e trabalhadores atuando sob contratos temporários. Vale lembrar que 80% das docentes da educação básica brasileira são mulheres que seriam ainda mais prejudicadas com a precarização destes contratos.
“Além disso, há consequências para os fundos de pensões e previdências do funcionalismo público. Sem concurso e com menos funcionários, como pagar a previdência do próprio quadro atual? Os mais penalizados serão os trabalhadores com os menores salários, os que mais prestam serviços à população”, alerta Fátima Silva, secretária-geral da CNTE.
Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), vê a Educação impactada em diversas frentes em caso de aprovação da PEC da Reforma Administrativa. Além de abrir um potencial para o setor privado lucrar com a educação pública, a proposta também pode estimular ainda mais a militarização das escolas. Salomão analisa que o parágrafo 4 do Artigo 142, ao autorizar militares da ativa a acumular o cargo militar com outro cargo ou emprego de profissional da saúde ou do magistério, pode disseminar a presença militar de forma sem precedentes nas escolas. Isso permitiria a militares da ativa assumir cargos de docência ou gestão nas escolas públicas comuns, sem necessidade de afastamento ou desligamento do cargo militar de origem.
Ainda, segundo sua análise, a fragmentação do regime jurídico entre cargos típicos de Estado e cargos com vínculo por prazo indeterminado (sem estabilidade) pode afetar a liberdade de cátedra dos servidores públicos da educação. “A estabilidade é elemento central da realização do direito à educação de qualidade. É uma proteção não ao servidor estável, que hoje já pode ser demitido por desvios funcionais ou mal desempenho reiterado, mas ao serviço público de educação. E, em termos quantitativos, são os servidores da educação o maior grupo a ser potencialmente impactado por esta mudança de regime e perda de estabilidade”, explica.
Como ressalta Fátima Silva, nem mesmo as emendas podem alterar a proposta substancialmente. Apresentada pelo governo Bolsonaro, o enfraquecimento do Estado é o único horizonte. “Não é uma reforma administrativa, é passar os serviços públicos para a iniciativa privada”, diz. O único jeito de barrar o enorme retrocesso é lutando para que a PEC não seja aprovada e pressionando cada parlamentar para tentar virar o jogo.
Levantamento anual realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação mais uma vez indica estagnação e retrocessos na política educacional do país
A Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, divulgou na quinta-feira, 24/06, o novo balanço da organização sobre o cumprimento das metas e dispositivos do Plano Nacional de Educação (PNE). Os dados foram apresentados durante audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, como parte da programação nacional da Semana de Ação Mundial 2021 e indicaram, por mais um ano, que a grande maioria dos dispositivos de metas do Plano Nacional de Educação não devem ser cumpridos no prazo.
rganização sobre o cumprimento das metas e dispositivos do Plano Nacional de Educação (PNE). Os dados foram apresentados durante audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, como parte da programação nacional da Semana de Ação Mundial 2021 e indicaram, por mais um ano, que a grande maioria dos dispositivos de metas do Plano Nacional de Educação não devem ser cumpridos no prazo.
Os dados mais atualizados do Balanço do PNE 2021 são do segundo trimestre de 2020, portanto, ele leva em conta a pandemia de Covid-19 em alguns indicadores. Contudo, o Balanço registra que algumas metas – como as Metas 1 e 2, que evidencia a exclusão escolar de estudantes da creche ao fundamental -, indicam que “esse não era um problema resolvido antes da pandemia”. Em outros indicadores, os impactos da pandemia, que agravam ainda mais a situação educacional no país, não eram visíveis mesmo com os dados mais atualizados. Com o cancelamento do Censo 2021, do IBGE, será ainda mais difícil monitorar os impactos da pandemia nas metas e estratégias do PNE e pensar soluções para os problemas estruturais causados pela crise sanitária no país.
Das 20 metas, apenas cinco apresentam o status de parcialmente cumpridas. A Meta 16 é uma delas, que tem um dos indicadores com tendência para cumprimento (o indicador sobre o percentual de 50% dos professores da Educação Básica com pós-graduação) e outro estagnado (o objetivo de prover formação continuada a todos os profissionais do magistério da educação básica). Compondo o estado da maioria dos dispositivos de meta, vê-se estagnações e ritmos de avanço insuficiente para cumprimento. Também existem retrocessos, casos dos indicadores de analfabetismo funcional que aumentou de 27% em 2015 para 29% em 2018 em decorrência do desmonte do programa Brasil Alfabetizado (Meta 9)e das matrículas na modalidade Educação de Jovens e Adultos integradas à educação profissional que atingiu 1,8% em 2020 sendo que a Meta 10 estabelece que, ao final da vigência do PNE, 25% das matrículas na modalidade estejam vinculadas à educação profissional. Esses dados evidenciam o total e irresponsável abandono da EJA pelo governo.
Também há baixa de matrículas em educação integral nos dois dispositivos que compõem a Meta 6. O percentual de escolas públicas com jornada em tempo integral diminuiu de 29% em 2014 para 20,5% em 2020 e o percentual de alunos em escolas com jornada integral diminuiu de 17,6% em 2014 para 13,5% em 2020.
O caso mais grave é o da Meta 20, de financiamento, fundamental para o cumprimento de todo Plano Nacional de Educação. O PNE previa uma destinação de 7% do PIB em 2019 e 10% em 2024, uma conquista histórica dos movimentos e organizações que defendem educação pública de qualidade no país. Porém, os gastos estiveram em torno de 5% de 2015 a 2017, tendo uma queda de 0,1% ao invés de subir. Um dos principais motivos de retrocesso é a Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, que segue vigente e impede mais investimentos na educação. Há também os cortes frequentes, como o da Lei Orçamentária Anual de 2021 que foi aprovada com 27% de corte na educação, seguida de bloqueio de R$ 2,7 bilhões por parte do governo federal.
Como sintetizado no resumo do balanço de 2021, “O PNE não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão do que ele preconiza: políticas discriminatórias, excludentes, de censura, e de esvaziamento da escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre. Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional”. O resumo do balanço do PNE de 2021 está disponível neste link.
O PNE
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n. 13.005) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de amplo debate nas Conferências de Educação e de acirrada disputa na tramitação no Congresso Nacional, o PNE sublinha a importância do planejamento educacional, orientando o investimento e a gestão e referenciando o controle social e a participação cidadã.
Seu esvaziamento teve início já em 2015, com a adoção de ajuste fiscal que cortou recursos de políticas sociais e ganhou gigantesca amplitude com o golpe parlamentar de 2016, que intensificou a política econômica de austeridade com a aprovação da Emenda Constitucional 95, constitucionalizando os cortes por vinte anos e tornando inviável a implementação do PNE. Nesse contexto, grupos econômicos atuam para privatizar os serviços públicos, “vender” soluções milagrosas para a gestão educacional e transformar a educação pública em mercadoria. A fragilização do PNE decorre também da atuação de grupos ultraconservadores que atacam escolas e gestões educacionais que combatem o racismo, o machismo, a LGBTfobia e outras discriminações no ambiente escolar.
Resgate do PNE
Com os objetivos de manter vivo o sentido e o legado da construção e implementação dos Planos de Educação Nacional, Estaduais e Municipais; promover a importância do planejamento educacional para a garantia do direito humano à educação de qualidade no país, reagindo aos desmontes de Planos de Estado e à privatização da educação; e valorizar as iniciativas e acúmulos de comunidades escolares, estudantes, fóruns, conselhos, secretarias de educação, e demais grupos que participaram de processos de construção e monitoramento de Planos de Educação, a Iniciativa De Olho Nos Planos lançou o edital público “PLANOS DE EDUCAÇÃO VIVOS: vamos contar as suas histórias!”, com inscrições abertas até dia 06 de agosto.
Com inscrições até 25 de agosto, o objetivo é resgatar a memória, valorizar o legado e manter vivo o principal instrumento da política pública educacional brasileira.
A Iniciativa De Olho nos Planos lança nesta quinta-feira, 24/06, o edital de seleção “PLANOS DE EDUCAÇÃO VIVOS: vamos contar as suas histórias!”, com inscrições abertas até dia 25 de agosto.
Por meio do edital, a Iniciativa De Olho Nos Planos, coordenada pela Ação Educativa em aliança com seu Comitê de Parceiros e com a Oxfam Brasil, convida conselhos, fóruns e secretarias de educação, universidades, movimentos estudantis, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, profissionais da educação, coletivos juvenis e/ou estudantis e ativistas a contarem histórias sobre processos participativos de construção e monitoramento dos Planos de Educação em seus municípios, estados e também a nível federal, bem como histórias sobre a importância dos planos e sua situação atual. O objetivo do edital é resgatar a memória, valorizar o legado e manter vivo o principal instrumento da política pública educacional brasileira, além de valorizar as iniciativas e acúmulos de comunidades escolares, profissionais, estudantes, fóruns, conselhos, secretarias de educação, organizações estudantis, grupos juvenis e coletivos culturais que participaram de processos de construção e monitoramento de Planos de Educação.
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n 13.005) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de amplo debate nas Conferências de Educação e de acirrada disputa na tramitação no Congresso Nacional, o PNE sublinha a importância do planejamento educacional, orientando o investimento e a gestão e referenciando o controle social e a participação cidadã. Após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para elaborar seus Planos decenais de Educação, cujo desafio foi garantir que os mais diversos setores da sociedade participassem e contribuíssem com sua construção. No entanto, desde 2015 o PNE vem sendo esvaziado por sucessivas medidas, como a Emenda Constitucional 95, que constitucionalizou os cortes por vinte anos e tornou inviável a implementação do PNE.
Neste edital, serão consideradas as propostas de atividades que contem as histórias em diferentes linguagens (oral, escrita, ilustrada, cantada etc) e suportes (áudio, padlet, vídeo, powerpoint, álbum de fotos etc). As inscrições podem ser individuais ou coletivas.
Como parte das ações desse edital, nos dias 18 e 19 de agosto de 2021, das 19h às 21h, realizaremos uma Oficina de Formação sobre Contação de Histórias, oportunidade em que será possível aprender e ensinar a contar histórias utilizando diferentes linguagens (oral, escrita, ilustrada, cantada etc) e suportes (áudio, padlet, vídeo, powerpoint, álbum de fotos etc). A mediação da oficina contará com Kiara Terra, atriz, escritora e grande contadora de histórias, reconhecida nacionalmente. Todas, todos e todes que se inscreveram poderão participar da oficina, bem como interessados em geral que estejam pensando em se inscrever. As inscrições para a oficina são independentes da inscrição para o edital.
Das histórias aprovadas, o Comitê selecionará as dez mais criativas. As autoras e autores receberão uma declaração de reconhecimento público em cerimônia virtual com representantes do Comitê de Parceiros da Iniciativa De Olho Nos Planos e poderão realizar, sem custos e à escolha, uma formação a distância ou presencial da programação 2021 do Centro de Formação Educação Popular e Direitos Humanos da Ação Educativa.
Prazo para inscrições: 25 de agosto de 2021 Divulgação do resultado: Setembro de 2021
A Iniciativa De Olho nos Planos, em parceria com a Oxfam Brasil, lançou o podcast #FiqueDeOlho, que vai debater, em episódios mensais, como as movimentações legislativas impactam as comunidades escolares e o que é possível fazer para participar e influenciar esses processos.
No primeiro episódio, convidamos Mariana Santarelli, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, para explicar o que deve ser assegurado em termos de alimentação escolar durante a pandemia e o que fazer se seus direitos estiverem sendo violados. O episódio está disponível em diversas plataformas como a Anchor.FM e o Spotify.
Se você tem alguma sugestão de tema ou quer entender melhor algum debate legislativo que afeta a educação e sua comunidade escolar, escreva para nós! Você pode entrar em contato em contatodeolho@acaoeducativa.org.br
O #FiqueDeOlho conta com a edição e apresentação de Raquel Melo, locução de Cacau Melo, sonoplastia de Fábio ACM, roteiro e produção de Claudia Bandeira e Nana Soares.
Manifesto Público denuncia que a educação domiciliar é risco para o direito à educação no país e cobra a urgente retomada de investimentos nas escolas públicas
A regulamentação da educação domiciliar (homeschooling) é fator de EXTREMO RISCO para o direito à educação no país como uma das garantias fundamentais da pessoa humana. É o que afirmam mais de 300 instituições acadêmicas, entidades sindicais, organizações e redes de educação e de defesa dos direitos humanos e entidades religiosas que assinam o documento “Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas”, lançado nesta sexta-feira (21) às 11h.
As entidades signatárias são contrárias aos Projetos de Lei de regulamentação da matéria presentes no Congresso Nacional, ao texto original e aos apensados, bem como à proposta de substitutivo ao PL 3.179/2012, elaborada pela deputada Luísa Canziani, texto que reforça em vários aspectos o PL 2.401/2019, apresentado pelo governo Bolsonaro ao Parlamento, e acrescenta outros pontos controvertidos.
No Manifesto, as entidades também expressam grande preocupação com a tentativa de acelerar a votação do projeto de Lei 3.262/2019, com base um texto extremamente problemático: mais um risco à garantia do direito à educação no país. Atualmente, a Lei Penal, em sintonia com preceitos constitucionais, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB e com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, prevê o crime de abandono material aos pais que não mandarem seus filhos à escola. O Projeto de Lei 3.262/2019 visa descriminalizar a ausência de matrícula escolar de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos para famílias que adotarem a educação domiciliar. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados está prestes a votar o PL, remetendo-o diretamente ao plenário da Casa.
No documento, as entidades afirmam as diversas razões pelas quais são contrárias à educação domiciliar no país. Entre elas, que a educação popular fere o direito de crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso a conhecimentos científicios e humanísiticos, mesmo que estes confrontem doutrinas religiosas e políticas defendidas por suas famílias. Chamam a atenção que a regulamentação da educação domiciliar vai contribuir para o desmantelamento da política de educação inclusiva de estudantes com deficiência em escolas regulares.
Além disso, a escola pública cumpre importante papel na segurança alimentar de crianças e famílias de baixa renda e na denúncia de casos de violência doméstica e sexual, em especial contra meninas, mulheres e adolescentes LGBTI+. Destacam que a educação domiciliar desresponsabiliza o Estado pela garantia do direito à educação, ao mesmo tempo em que onera os cofres públicos com novas demandas de fiscalização e avaliação não previstas, sendo assim, inconstitucional.
Demandas da educação
As entidades apontam que há uma tentativa de acelerar a votação ao mesmo tempo em que a política educacional vem sofrendo inúmeros cortes orçamentários, ataques por parte do governo Bolsonaro e esvaziamento completo do Plano Nacional de Educação, lei aprovada pelo Congresso em 2014 que estabelece metas para a melhoria da oferta educacional até 2024.
No contexto da maior crise humanitária vivida pelo país nas últimas décadas, as secretarias de educação estão desamparadas financeiramente para planejar e implementar o ensino remoto com tecnologias, o retorno às aulas presenciais, o enfrentamento da evasão escolar e o apoio aos estudantes de famílias de baixa renda.
Entre as demandas ecoadas pelas entidades no Manifesto, constam: a vacinação dos profissionais da educação, a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs) e demais condições de segurança sanitária. As escolas precisam de conectividade universal e gratuita para estudantes e profissionais da educação, pois o ensino híbrido deverá se manter no pós-pandemia.
Votação do PL 3.262/2019 e mobilização
A votação do projeto que regulamenta o homeschooling está prevista para a próxima terça-feira (25) na Câmara dos Deputados. As entidades signatárias do Manifesto vão promover mobilizações nas redes sociais para denunciar os problemas deste PL, além de cobrar dos parlamentares prioridade para a aprovação de leis que garantam efetivamente o direito à educação.
Contato para a imprensa
Frisson Comunicação – Ana Paula Messeder – 61 99213-7282
Porta-vozes
Heleno Araújo, presidente da CNTE
Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa
Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Pelo Direito à Educação
Roberta Guedes, gerente de educação básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil
Falta de planejamento, orçamento e vontade política dificultam implementação de políticas como os Planos de Educação
Por Nana Soares
Um dos motivos que torna o Plano Nacional de Educação (PNE) e os planos regionais e locais tão importantes é o fato de serem políticas de Estado e não de governo. Isto é, representam um compromisso do Estado brasileiro com a Educação, compromisso esse que deve ser honrado independente de quem está no poder. Mas essa característica é historicamente um gargalo no país, o que faz com que a implementação das políticas de Estado seja falha e irregular.
O último balanço da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, de 2020, deixa isso evidente: se o ritmo atual for mantido, 85% dos dispositivos das metas previstas no PNE não serão cumpridos até o fim do prazo (2024). A Meta 6, por exemplo (oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica), regrediu em relação a 2014. Já a Educação de Jovens e Adultos (EJA), alvo da meta 10, indica o abandono dessa modalidade. Como afirmou a Campanha, o descumprimento do PNE, consequência dos desinvestimentos na área de educação e do escanteio da agenda, necessita ser debatido com urgência.
Muitos fatores podem atrapalhar o planejamento e implementação das políticas de Estado, não apenas na educação. Para começo de conversa, é preciso ter um diagnóstico da realidade atual para pensar o que deve ser mudado e como. Ou seja, dados. Profissionais qualificados e capacitados para a captação desses dados e para o planejamento, monitoramento e implementação das políticas a partir deles também são parte essencial do processo, que precisa de recursos para ser posto em prática. Além disso, é essencial que haja participação popular efetiva em todas as etapas. Políticas de Estado são construídas pela população em seminários, rodas de conversa, audiências públicas, conferências etc. e por isso devem ser seguidas, independente das trocas de gestão. Cabe aos gestores cumprir sua obrigação de dar continuidade a elas, assegurando seu caráter participativo.
E se esse processo já apresentava problemas, a tendência é de piora. O cancelamento do Censo 2021 por falta de verbas deve deixar o Brasil no escuro em relação a uma série de dados e indicadores essenciais para pensar políticas de educação, inclusive os planos municipais e estaduais. O Censo, realizado decenalmente pelo IBGE, já havia sido adiado de 2020 para 2021, mas foi cancelado após o Orçamento 2021 não disponibilizar recursos suficientes para sua realização, com cortes de mais de 90% em relação ao orçamento original. Será a primeira vez em 80 anos que o Brasil não realizará o levantamento.
O Censo “fotografa” a realidade brasileira, subsidiando políticas públicas e sendo também um instrumento para avaliar o impacto de políticas públicas em curso ou do passado. Na educação, o Censo capta dados como o número e a distribuição de pessoas não alfabetizadas, crianças e jovens fora da escola e os dados sobre a escolaridade. Também permite mapear a demanda por escolas ao traçar um perfil etário da população. Tudo isso a nível municipal ou mesmo de bairros. Assim, é uma ferramenta importantíssima, especialmente para os municípios monitorarem seus Planos de Educação.
O Censo Escolar, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) continua, mas não capta as mesmas informações do levantamento do IBGE, limitando-se a dados de quem já está registrado no sistema. Ou seja, de quem já está na escola. “Os dados do Inep e do IBGE são as maiores fontes de dados para pesquisa, mas eles são complementares”, lembra Adriano Senkevics, doutorando em Educação pela USP.
“Em um cenário de agravamento da pobreza e da desigualdade, além das outras dificuldades da pandemia, a não realização do Censo terá um impacto muito grande na formação de políticas públicas, porque esta é a pesquisa que, por seu desenho, consegue identificar quem está desassistido. A PNAD também pode oferecer uma estimativa, mas ela é amostral, apenas o Censo tem tanta capilaridade”, complementa ele. Por exemplo, o Censo captaria o abandono e evasão escolar, que estima-se ter aumentado na pandemia. Como resume Adriano, “o Censo fará falta sobretudo porque o cenário mudou. Vivemos um problema que demanda informações inéditas, o Brasil não é o mesmo de 2019”.
Processos participativos e o caso de Santo André
Os Planos de Educação foram construídos através de processos participativos, sendo a participação da sociedade civil assegurada em diversos mecanismos de monitoramento, como os Fóruns Municipais de Educação, responsáveis pelas Conferências de Educação, e os Conselhos Municipais de Educação. Além disso, ferramentas como os Indicadores de Qualidade na Educação preveem que comunidades escolares de uma rede de ensino apresentem recomendações e propostas às políticas educacionais e aos planos de educação construídas por meio de processos participativos.
Como isso tem se dado na prática é outra história. Em Santo André (SP), o Plano Municipal de Educação (PME) e, particularmente, a participação popular efetiva nas instâncias de monitoramento estão ameaçados. O PME do município, de 2015, tem 19 metas e 252 estratégias. A Prefeitura desenvolveu, à época, um projeto destinado a organizar o processo de monitoramento do plano de forma participativa. Dois anos depois, em 2017, no início de uma nova gestão, a então Secretária Municipal de Educação, Dinah Zekcer, comprometeu-se publicamente com o cumprimento das metas do PME.
Apesar destes marcos importantes, Elly Bayó, educadora e integrante do Conselho Municipal de Educação do município, denuncia que a participação da sociedade civil está sendo limitada, bem como o PME vem sendo abandonado e que a pandemia tem sido usada como muleta para não se tocar no assunto. “Está muito difícil retomar o Plano Municipal de Educação. Mesmo no âmbito do Conselho, dificilmente o documento é referenciado. E há um aparelhamento dos mecanismos para que a sociedade civil não tenha peso. No Conselho, estamos em número muito menor e há interferência das escolas privadas, inclusive nas nomeações”, diz Elly.
E isso se repete em outras instâncias, como no Fórum Municipal de Educação: “O Fórum, por ter sido um espaço de cobrança, foi cooptado, inclusive por meio de decreto, que diminuiu a participação da sociedade civil. São medidas para controlar o quê, quando, como e para quem a sociedade civil fala”, denuncia Elly, que também lembra que as Conferências Municipais de Educação já não acontecem desde antes da pandemia.
No site da Secretaria de Educação do município, a composição atual do Conselho não está disponível na seção correspondente. Nós, da iniciativa De Olho Nos Planos, tentamos contato com a Secretaria de Educação por e-mail, mas até a publicação desse texto não obtivemos resposta.
O último relatório de monitoramento do PME do município é de 2017, e há apenas um relatório de avaliação do cumprimento do PME em Santo André, que utiliza dados consolidados entre agosto de 2017 a dezembro de 2018. Neste relatório, a Secretaria de Educação avaliou que 56% do PME havia sido executado.
Quanto ao cumprimento das leis 10.639/2003 e 11.645/2009, que tratam da valorização da história e cultura africana e indígena nas escolas e nas políticas e da igualdade racial na educação, a educadora também diz que os processos iniciados em 2015 já não têm continuidade a nível municipal. “Minha unidade é uma das únicas que ainda fazem a avaliação institucional anualmente, o que se deve muito às minhas cobranças. E mesmo aqui isso está fragilizado, porque há tentativas de mudar a metodologia proposta pelos Indiques, como ao abrir mão dos subgrupos com participação das famílias. Está sendo preciso insistir que a metodologia foi construída a partir de muita pesquisa e estudo”, narra ela. “Não deveria ser assim, porque a Secretaria se comprometeu”.
“A aplicação da metodologia dos Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola na rede de ensino de Santo André foi uma das estratégias de monitoramento participativo do PME que resultou em um Documento de Recomendações para a implementação das metas que visam a redução das desigualdades educacionais no município. Este é um ano estratégico para cobrarmos a implementação dos Planos porque se iniciam as Conferências de Educação. As gestões municipais têm a obrigação de cumprir o Plano que é Lei e o principal instrumento da política pública educacional”, diz Claudia Bandeira, assessora de Educação da Ação Educativa.
O caso de Santo André mostra como a vontade política e o compromisso com a população são essenciais para dar continuidade às políticas de Estado. Ainda que tenha havido comprometimento público em mandatos anteriores, é preciso que as gestões trabalhem ativamente para cumprir as metas dos Planos de Educação. Quando isso não acontece, a sociedade pode pressionar em instâncias como o Fórum Municipal de Educação e o Conselho Municipal de Educação.
Em Santo André, o Conselho tem sido o espaço mais efetivo para comunicação direta com a gestão atual. “É onde conseguimos resistir e pressionar no sentido de pautar as discussões importantes, como o fomento ao ensino remoto, e também encaminhar ofícios, ainda que a proporção de sociedade civil esteja defasada e que a nós seja dispensado um tratamento diferente”, conta Elly Bayó. A educadora se refere ao uso de um linguajar “difícil” a fim de constranger e/ou reduzir a participação popular. Segundo ela, isso já fez com que estudantes se retirassem do órgão. “Se é tão necessário assim ter o conhecimento específico, deveríamos receber formações. Estamos fazendo essa cobrança”, diz ela, que garante que na atual configuração não há fomento à participação da sociedade civil. No entanto, ela reafirma que a presença popular nessas instâncias é essencial para articular planos e políticas de Educação no município, para o controle social e inclusive para começar a mudar essa estrutura.
O receio da educadora e ativista é que não apenas o PME não seja cumprido, como ainda seja alterado por manobras legislativas e a população perca seu referencial de reivindicações. E por isso a importância de fazer-se presente em todas as instâncias possíveis de controle social. “A raiz do problema, da dificuldade de garantir que uma política seja de Estado e não de governo, é justamente a negação da participação popular”, resume Elly.
Judicialização e financiamento
Quando o Conselho não age para implementar o Plano de Educação ou para implementar outras políticas, a sociedade civil atuante em Santo André aciona o Ministério Público. Essa estratégia de judicialização é, na opinião da Procuradora de Contas do Ministério Público de São Paulo, Élida Graziane, talvez a única estratégia efetiva no atual contexto brasileiro para garantir a destinação de recursos para direitos fundamentais como a saúde e a educação. “
Por que não se cumpre o planejamento? Porque ninguém responsabiliza o descumprimento. O PNE entrar em seu sétimo ano com quase 90% das metas não cumpridas merece um debate mais aprofundado. O PNE regulamenta diretamente a Constituição, então não cumpri-lo não é descumprir uma lei ordinária, mas sim a própria Constituição”, explica Élida, que, por isso, defende uma atuação mais enérgica dos órgãos de controle. “A judicialização não substitui a política, isso é preciso deixar claro, mas o debate precisa lidar com o contexto, e em um contexto em que o debate democrático está cada vez mais raro e onde o Congresso está absolutamente tomado pelo Centrão, não vejo outra saída”.
A preocupação de Élida é garantir o financiamento de políticas de Estado. Afinal de contas, não é possível pensar políticas duradouras sem dinheiro. No caso da Educação, a aprovação do novo Fundeb em 2020, agora permanente, foi uma vitória, garantindo mais recursos para a área, embora ainda falte regulamentação e outras medidas ameacem o financiamento da educação. “Essa desculpa de desviar recursos porque ainda falta regulamentação é muito antiga e me parece uma estratégia de má fé. Enquanto não há leis regulamentadoras, gestores de todas as esferas se sentem no direito de burlar o repasse, mas o Artigo 10 do Plano Nacional de Educação obriga que as leis orçamentárias sejam orientadas ao cumprimento do PNE. Portanto, todo dinheiro da educação, não só do Fundeb, tem que ser orientado nesse sentido”, diz a procuradora.
Dito de outro modo: os desvios de recursos que deveriam ser para políticas de Estado as inviabilizam financeiramente e se somam a não possibilidade de captar informações de qualidade, como é o caso do cancelamento do Censo e a um processo de destruição de processos participativos e de substituição de equipes técnicas por profissionais alinhados ao governo. A descontinuidade de políticas de Estado não é acidental e sim parte do projeto.
Oferecido gratuitamente, material é um dos subsídios para que milhares de pessoas possam realizar suas atividades em prol do direito à educação na SAM 2021
A Semana de Ação Mundial (SAM), coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lança seu Manual para a edição 2021. Aprofundando o tema da SAM 2021 ‘A educação está passando a lição: Financiamento e escola segura! Ensinar e aprender com infraestrutura!’, o material é o principal subsídio oferecido para a realização de atividades que mobilizam milhares de pessoas em todos os estados do país.
O Manual impresso será enviado gratuitamente para as primeiras 1.000 inscrições na SAM 2021 e sua versão digital sempre poderá ser acessada no site da SAM.
O tema do financiamento educacional é detalhado dentro do contexto urgente de pandemia que acentua a necessidade melhores condições para o ensino-aprendizagem.
“Este documento (…) é mais um material importante, com síntese de informações desenvolvida a partir de todo esse acúmulo ao longo de 2020 e trazendo atualizações de contexto neste novo ano, assim como recomendações para uma tomada de decisão para que as políticas emergenciais a serem desenvolvidas em 2021 sejam baseadas em direitos e com financiamento adequado. Ele é um instrumento também essencial para as comunidades escolares, famílias e profissionais da educação e proteção se informarem, participarem da formulação das políticas, monitorarem e demandarem respostas que garantam seus direitos à saúde, educação, e proteção”, escreve Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no editorial do Manual.
O Manual se junta a uma série de materiais disponíveis no site da SAM que sugerem temas a serem trabalhados em atividades autogestionadas realizadas por professores, famílias e responsáveis, e estudantes, toda a comunidade educacional, gestores, conselheiros, tomadores de decisão e todas as pessoas preocupadas com a garantia do direito à educação.
A SAM 2021 acontece entre os dias 14 e 21 de junho e está com inscrições abertas até 14 de maio.
Acesse o Manual da SAM 2021 aqui e, abaixo, o sumário com os capítulos do material.
1 – Financiamento adequado com transparência e controle social para uma educação pública e de qualidade e o cumprimento do Plano nacional de educação – E o que diz a Lei? – A austeridade contra os direitos – O impacto da Covid-19 no financiamento da educação – Maior demanda pela educação pública – Novo Fundo para a Educação Básica: o Fundeb
2 – Reforma tributária que favoreça o aumento dos recursos públicos a serem destinados para a educação, por meio de sistema tributário progressivo
3 – Medidas de alívio ou cancelamento de dívidas para países de renda média e de renda baixa e financiamento de 0,7% do PIB de países ricos em ajuda ao desenvolvimento – Ajuda para o desenvolvimento
4 – Construção e fortalecimento de sistemas públicos que garantam equidade e inclusão, cobrindo todas as etapas e modalidades e combatendo discriminações de classe, raça e etnia, gênero, etárias, entre outras – Sistema Nacional de Educação – Entendendo melhor… – O Custo Aluno-Qualidade (CAQ) – Conheça o que constitui o CAQ – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – E aí, será que somos inclusivos? – O que precisamos para isso?
5 – Educação pública e gratuita de qualidade para todas as pessoas, acabando com a tendência de privatização e comercialização da educação – Capitalismo de Vigilância – Mas qual uso pode ser feito dos nossos dados? – E o que educadoras e educadores podem fazer junto às suas comunidades escolares? – Privatização por desastre
6 – Condições de trabalho, valorização e formação inicial e continuada de trabalhadoras e trabalhadores da educação
7 – Espaços de participação da comunidade escolar nas decisões sobre a educação – Participação de crianças e adolescentes
8 – Proteção das crianças e adolescentes de toda forma de violência, discriminação e opressão – Balanço do Plano Nacional de Educação
Educação foi a área com o maior corte orçamentário em 2021, e persistem os ataques a projetos que asseguram condições dignas de ensino e aprendizagem durante a pandemia
Por Nana Soares
A pandemia de Covid-19 obrigou as comunidades escolares de todo o país a se reinventarem, transferindo o que era possível para o online e remoto. No entanto, em um país desigual como o Brasil, esse fenômeno deixou suas marcas: no mês de outubro de 2020, por exemplo, 5.5 milhões de crianças e adolescentes não estavam realizando nenhuma atividade escolar, segundo o Unicef. Negras e negros, indígenas, estudantes com deficiência e moradores de áreas rurais ou do Norte e Nordeste do país eram os principais afetados. Os motivos são muitos, como a falta de acesso à internet e a celulares/computadores/tablets para realizar as atividades. O abandono escolar é outro problema, já que, com a renda familiar afetada, muitos estudantes tiveram que procurar trabalho.
Longe da escola e confinados em casa, outros direitos também são comprometidos. Desde o início da pandemia, aumentaram as denúncias de violência doméstica e sexual contra mulheres, meninas e meninos, e aumentou a insegurança alimentar – não só em casa, causada pelo aumento da pobreza e do desemprego, mas também porque a alimentação escolar está sendo violada neste período. Em suma, o direito à educação foi profundamente afetado pela pandemia.
Neste contexto e considerando que o direito à educação está intimamente relacionado à garantia de outros direitos, a área deveria ser prioritária em 2021, com políticas de enfrentamento à pandemia e às desigualdades exacerbadas no ano passado. Mas o que se observa no Brasil é o contrário, com sucessivos projetos de lei que desconsideram o contexto sanitário e a realidade das escolas brasileiras, prolongando a precariedade e a violação do direito à educação no país. Isso sem contar o corte de 27% no orçamento em 2021 que fez da Educação a área mais prejudicada na distribuição de recursos.
Ainda, o projeto de lei (PL) 3477/20, que dispõe sobre a garantia de acesso à internet a alunos e a professores da educação básica pública, foi vetado por Jair Bolsonaro em março de 2021, após aprovação no Congresso. Além da internet, o PL 3477 previa a aquisição de tablets para os estudantes do Ensino Médio da rede pública. Esses foram exatamente os maiores desafios relatados pelas redes municipais de educação à pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Segundo o levantamento, realizado em quase 4 mil municípios, quase 80% das redes respondentes tiveram dificuldade com a conectividade dos alunos, reforçando a necessidade de ampliar este acesso. No entanto, o presidente vetou o PL com a justificativa do impacto orçamentário e de que o PL não observava as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, deputados, deputadas, estudantes e ativistas pela Educação organizam-se para derrubar o veto presidencial quando o projeto voltar à Câmara, o que deve acontecer ainda esta semana.
“É uma dificuldade ver que a maioria dos estudantes está tendo seu direito constitucional violado. A abstenção de mais de 50% no ENEM, por exemplo, mostra desistência, desespero. O que tem afetado os estudantes brasileiros é um combo: falta merenda, condição, internet, auxílio emergencial. A falta dessas condições vai fazer o Brasil perder uma geração para o desemprego, desnutrição e violência”, diz Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).
A segunda maior dificuldade relatada na pesquisa da Undime foi adequar a infraestrutura das escolas à situação de emergência sanitária. Não à toa, quase dois terços dos dirigentes ouvidos relataram que suas redes pretendiam continuar as atividades não presenciais em 2021. O levantamento realizado pela Iniciativa De Olho Nos Planos em outubro de 2020 com escolas indígenas, quilombolas e do campo observou as mesmas dificuldades: problemas de conectividade dos alunos e das famílias e condições extremamente precárias nas escolas. Banheiros interditados, frequentemente sem insumos, fornecimento irregular de água, energia elétrica e merenda foram relatados por quase todos os agentes das comunidades escolares. Além disso, o número de funcionários era insuficiente para suprir todas as demandas. Em uma escola indígena, as salas eram separadas por uma parede de gesso e os professores precisavam combinar entre si as atividades desenvolvidas para que o barulho não impedisse a outra turma de ter aula.
A retomada das aulas presenciais em escolas com problemas de infraestrutura é um risco sério do ponto de vista epidemiológico. Nota técnica de abril/2021 da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) aferiu isso em primeira mão: com dados coletados por profissionais em 299 escolas do estado de São Paulo, a rede constatou que a incidência de Covid-19 entre os professores e professoras da rede pública foi 192% maior do que a incidência na população geral da mesma faixa etária. O crescimento de casos também foi muito superior ao da população geral. “A principal conclusão é que as escolas não podem ser considerados ambientes incondicionalmente seguros, isso não existe. Elas precisam de reformas e insumos. Sem considerar isso, ninguém está verdadeiramente debatendo os riscos. Vacinar a população adulta não dispensa a obrigação de outros protocolos de segurança”, opina Fernando Cássio, professor adjunto da Universidade Federal do ABC e um dos autores do estudo. “O que vemos agora é que as pessoas têm medo de voltar, porque não confiam na capacidade do Estado ou do mantenedor de escola privada em manter os padrões de segurança. É primordial qualificar o debate com dados e informação, porque não se pode continuar induzindo as pessoas ao erro e fazê-las arriscar a vida em meio a uma crise humanitária”, completa.
Ainda assim, avança no Legislativo o projeto de lei 5595/2020, que torna a educação um serviço essencial e, com isso, obriga a retomada imediata das aulas presenciais em escolas e universidades de todo o país. Sob a justificativa dos impactos da pandemia na educação, como os narrados no início deste texto, o PL também proíbe a suspensão de aulas presenciais durante pandemias e calamidades públicas (o que afeta o direito de greve) e insere os profissionais da educação como grupo prioritário no calendário de vacinação. O projeto foi aprovado no Congresso e será apreciado pelo Senado Federal nesta semana.
A invisibilidade da EJA (clique para abrir o box)
Historicamente subfinanciada, a educação de jovens e adultos (EJA) recebe menos investimento do que o ensino regular. Desde o início da pandemia, ao menos 60 mil educandos abandonaram os estudos somente no estado de São Paulo. A precarização da EJA, no entanto, vem de antes. Michel Temer diminuiu os repasses para a modalidade; Jair Bolsonaro extinguiu a secretaria responsável pelo desenvolvimento da EJA, a Secadi; e desde 2016, o governo federal não compra mais livros didáticos específicos. O resultado foi uma queda de mais de 30% nas matrículas de 2010 a 2019. A lei de regulamentação do novo Fundeb, aprovada em 2020, também não mexeu no repasse para a EJA, embora isso vá ser revisado em 2022.
“Se antes a EJA aparecia com problemas nas normativas e editais, agora ela nem existe mais”, resume a professora Analise da Silva, da UFMG e especialista em EJA. “É preciso garantir não só o ingresso, mas também a permanência dos estudantes. Por exemplo, o plano de dados móveis para o aluno acessar as aulas, porque não é só ter celular ou tablet, ter um plano que permite assistir ao vídeo, abrir um mapa. Isso é garantir a permanência. Não dá para afirmar que só isso resolveria a questão, mas se não sequer tentarmos, não tem como resolver”, diz ela, que lembra que se avançou muito pouco na qualificação do ensino remoto emergencial e existem outros fatores influenciando o direito à educação na pandemia: “É essencial incluir estudantes da EJA nas políticas de alimentação. Talvez, se garantir o básico, essas pessoas não rompam o distanciamento social, não vão para a rua buscar bicos, procurar emprego (e não encontrar). Mas não é isso que vemos. Ao contrário, há um abandono, quando não um incentivo a morte”.
Proposto por Paula Belmonte (CIDADANIA/DF), Adriana Ventura (NOVO/SP), Aline Sleutjes (PSL/PR) e General Peternelli (PSL/SP), e com relatoria de Joice Hasselmann (PSL/SP), o PL tem sido fortemente criticado pelos movimentos de educação e parlamentares da oposição, pois, ao propor a volta imediata, ignora o cenário epidemiológico e a falta de estrutura das escolas ao redor do país. “Nunca negamos a importância da escola. Ao contrário, nós somos os mais interessados em voltar, não aguentamos mais essa situação. Mas nós estamos interessados em voltar para uma escola estruturada, segura e em um Brasil que supera o coronavírus”, diz Rozana Barroso, da UBES, que acrescenta que a priorização na vacinação não é garantia de nada, considerando que a volta seria imediata e que a vacinação avança de maneira lenta e desigual nos estados. “Há uma tentativa de manipulação narrativa, já que no conceito jurídico ‘essencial’ não é sinônimo de ‘importante’. Não há dúvidas de que a educação é importante, mas ela não pode ser considerada serviço essencial porque ao obrigar a reabertura de escolas em massa e sem seguir os protocolos, haverá um risco enorme de ainda maior descontrole da pandemia e milhares de mortes por Covid-19”, defende Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
A Campanha, que se opõe ao PL, cruzou informações dos votos dos deputados neste projeto de lei com o voto sobre o teto do auxílio emergencial. O cruzamento mostrou que 69% dos parlamentares que apoiam o PL 5595 – isto é, entendem que as aulas presenciais devem ser retomadas imediatamente – também votaram a favor do teto do auxílio emergencial. Ou seja, pelo limite do auxílio às famílias mais pobres. “Um dos principais argumentos para a aprovação, na Câmara dos Deputados, da educação como atividade essencial é a suposta preocupação com as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. No entanto, é possível notar a falta de coerência deste argumento, já que o teto ao auxílio emergencial deixou 9,1 milhões de pessoas na extrema pobreza. Não é uma preocupação com as crianças”, afirma Andressa.
A organização lançou também um posicionamento público urgindo a rejeição do PL pelo Senado Federal, com oito argumentos principais, e uma nota técnica com as análises jurídicas e do impacto do PL. A Campanha destaca a ameaça ao direito de greve, a indefinição de algumas regras, como a frequência de estudantes e profissionais que sejam dos grupos de risco, e um conflito federativo. Ainda, enfatiza que meramente obrigar as comunidades escolares a retomarem as atividades presenciais não resolve as vulnerabilidades sociais dos estudantes, além do risco sanitário devido às más condições das escolas: “Existem alternativas e meios de garantir a oferta do ensino na pandemia e isso exige investimento público do Estado. O governo federal caminha na contramão dessa premissa, bloqueando verbas na educação”. Como resume a presidenta da UBES, Rozana Barroso, “o que adianta é planejamento, diálogo com comunidade escolar e responsabilidade. Enquanto não for o momento de retornar, é preciso garantir o acesso à educação em casa”.
Diante deste cenário o que se pode observar é, mais uma vez, a omissão do governo federal em garantir as condições necessárias para um retorno seguro levando em consideração as desigualdades educacionais do país. Isso requer ação coordenada entre os entes federados, escuta das comunidades escolares e investimento financeiro. Priorizar a educação não é forçar reabertura sem segurança em um dos momentos mais dramáticos da pandemia no Brasil.
Documento inédito aponta violações ao direito humano à alimentação e indica os casos do Estado do Rio de Janeiro e do município de Remanso (BA) como situações extremas. Relatório apresenta também recomendações.
Realizada ao longo do segundo semestre de 2020, a missão trouxe à tona violações ao Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana) no contexto da distribuição de cestas de alimentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) na pandemia. Entre as violações, foi identificado o atendimento não universal, a má qualidade dos alimentos, a irregularidade na distribuição das cestas, a falta de participação social, a ausência de prestação de contas e a interrupção da compra de alimentos da agricultura familiar.
Essas violações acontecem no momento em que Brasil enfrenta a maior situação de fome das últimas décadas. O recém lançado Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado em dezembro de 2020, mostrou que 19,1 milhões de brasileiros (9% da pop.) estavam em situação de insegurança alimentar grave – uma condição análoga à fome.
“O auxílio emergencial foi interrompido de forma abrupta, e está sendo retomado tardiamente e com valor insuficiente, e não há solidariedade da sociedade e filantropia capaz de dar conta de tamanha fome. Por outro lado, governantes têm nas mãos e vem gerindo de forma pouco comprometida o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um dos mais importante instrumentos para a promoção do direito humano à alimentação de crianças e adolescentes”, afirma Mariana Santarelli, responsável pela relatoria.
“Assegurar a alimentação das crianças e adolescentes mais vulneráveis durante a pandemia deveria ser prioridade para os nossos governantes. Mas não é. O PNAE é a mais potente ferramenta que temos para o enfrentamento da fome. Mas há um enorme descaso. Falta coordenação nacional, recursos públicos e vontade política para fazer alimento de qualidade chegar na mesa de quem precisa”, completa.
Ela avalia ainda que a situação tem se agravado com a mudança de cargos de prefeituras e secretarias: “As novas equipes nem sempre estão familiarizadas com a gestão do programa. Há ainda constantes incertezas quanto à volta às aulas. Com isso, o que vemos em muitos lugares é a paralisação na distribuição das cestas, em um momento de agravamento da fome e ausência de auxílio emergencial”.
No documento, o estado do Rio de Janeiro e o município de Remanso (BA) foram selecionados pelo que expressam do ponto de vista prático e simbólico. Para chegar ao diagnóstico das violações, foram realizadas entrevistas remotas com mães de alunos, representantes de grupos de agricultores e pescadores, gestores, professores, membros de conselhos e do Legislativo. A missão contou ainda com a promoção de duas audiências populares, uma das quais contou com a participação do Relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito Humano à Alimentação, Michael Fakhri.
RELATORA RESPONSÁVEL PELA MISSÃO
Mariana Santarelli – Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ e Mestre em Políticas de Desenvolvimento pelo Institute of Social Studies – Holanda. É pesquisadora do Centro de Referência de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CERESSAN/UFRRJ) e membra do núcleo executivo do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
SOBRE A PLATAFORMA DHESCA BRASIL A Plataforma Brasileira de Direitos Humanos – Dhesca Brasil é uma rede formada por 45 organizações e articulações da sociedade civil, que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos, incidindo em prol da reparação de violações.A Plataforma Dhesca Brasil tem como princípio a afirmação de que todas as pessoas são sujeitas de direitos e, como tal, devem ter todos os direitos assegurados para garantir as condições de vida com dignidade.