Cinco pontos para entender como medidas macroeconômicas afetam a Educação

As conexões entre o Teto de Gastos, a reforma tributária e o Fundeb para a garantia do direito à educação

Pessoa faz anotações em seu caderno enquanto assiste aula de matemática pelo celular
Foto:Marcos Santos/USP Imagens

Tanto o Senado, o Congresso e o Palácio do Planalto estão discutindo propostas para uma reformas tributária no país. Dado o ritmo das discussões, é possível que a aprovação venha ainda em 2020. E isso também é assunto para a Educação, já que a arrecadação de impostos é uma das fontes do financiamento da educação pública

Outra medida macroeconômica recente com importantes impactos na Educação é a Emenda Constitucional 95 [EC 95], o chamado Teto de Gastos. Aprovada em 2016, a EC 95 determinou o congelamento dos gastos públicos por vinte anos. E as consequências na Educação já foram sentidas, com vários programas tendo seus orçamentos reduzidos. 

As alterações macroeconômicas afetam, e muito, o direito à educação. Por isso, entender as conexões entre o Teto de Gastos, Reforma Tributária e mecanismos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)  é importante para seguir lutando por uma educação de qualidade para todas e todos. Estes são alguns dos pontos mais importantes para se ter em mente (clique para expandir):

1) Fontes de financiamento da Educação

Não há uma única fonte de financiamento para a Educação pública no Brasil – embora o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleça que, até 2024, 10% do valor do PIB deva ser destinado para a área. Diferentes etapas e modalidades de ensino são financiadas por níveis diferentes (municípios, estados, União). O gasto federal representa cerca de 20% do gasto público em educação e menos de 15% do gasto em educação básica. 

A nível nacional, o principal mecanismo de financiamento da Educação Básica é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que subsidia mais de 40 milhões de matrículas. 

O Fundeb é composto pela vinculação de parte dos recursos recolhidos em impostos. Entre eles, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos automotores (IPVA), Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e, principalmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Sendo este último uma tributação sobre o consumo, o resultado é que quanto mais se consome no país, mais se arrecada e, consequentemente, mais dinheiro é destinado ao fundo. O dinheiro do Fundeb é destinado ao pagamento de docentes e demais profissionais, mas também à manutenção e desenvolvimento da Educação Básica. 

O Ensino Superior não é abarcado pelo Fundeb. Nesta etapa de ensino, o Governo Federal é fundamental na alocação de recursos para assistência estudantil, manutenção das universidades públicas federais, etc. Também sai do governo federal – e não está vinculado ao Fundeb – o financiamento para programas como o Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE), Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional do Transporte do Escolar (PNATE). 

2) Como a Reforma Tributária pode afetar o Fundeb

Há mais de uma proposta de Reforma em discussão. Elas convergem na ideia de unificar vários impostos e divergem em quais seriam esses tributos. A proposta do Executivo, por exemplo, propõe unificar apenas impostos federais, ao passo que a sugestão apresentada pelo Congresso inclui unificar também impostos dos âmbitos estadual e municipal. 

Segundo Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ, as propostas até apresentam mudanças interessantes, mas não tocam nos aspectos mais importantes para uma reforma tributária progressiva – isto é, onde os mais ricos paguem mais impostos, proporcionalmente, do que os mais pobres. “O maior problema dessas propostas é que elas não abordam nosso maior problema, que é a desigualdade. A reforma, não aumenta a carga tributária e os pobres continuam sendo mais taxados proporcionalmente”, diz ela. 

Na mesma linha, o economista Pedro Rossi, do Instituto de Economia da Unicamp, classifica como um “absurdo” uma reforma tributária que não tenha o combate às desigualdades como norte. Isso pode ser feito através de medidas como a taxação de grandes fortunas, impostos sobre heranças ou através do Imposto de Renda. “A reforma apresentada é um esforço de recomposição da carga tributária em torno de sua eficiência. Este também é um valor importante, mas a desigualdade deveria ser prioridade”, defende o professor. “O problema da reforma não é o que ela faz, mas o que não faz”, resume. 

E se o Fundeb é vinculado à arrecadação de impostos, a Reforma Tributária pode afetá-lo. A depender de quais impostos sejam extintos, unificados ou sofram outras alterações, o repasse ao fundo pode mudar substancialmente. 

No entanto, nem a proposta de reforma tributária está consolidada e nem o texto do novo Fundeb. Após a votação no Senado, aspectos da regulamentação do fundo ainda devem ser debatidos. Dessa maneira, o tanto que a reforma vai afetar o financiamento educacional ainda ainda não está claro. “Ainda não é possível prever o impacto da Reforma Tributária sobre o Fundeb, já que ainda há muito a ser debatido. Ainda assim, é preocupante, já que o Fundeb tem boa parte de seus recursos oriundos de tributos que, sendo alterados, podem impactar positiva ou negativamente no financiamento estrutural da educação básica. Vindo desse governo, não esperamos nada mais que mais cortes, então estaremos atentos e atuando na tramitação”, analisa Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

3) Pandemia, crise econômica e Fundeb

O Fundeb, por depender da arrecadação, acaba sendo pró-cíclico. Isto é, quando a economia vai bem, arrecada-se mais de maneira geral, enquanto um momento de crise ou estagnação econômica e alta do desemprego acabam por reduzir o montante arrecadado e, posteriormente, destinado à educação. No atual contexto, portanto, de forte crise econômica intensificada pela pandemia de Covid-19, o horizonte não é positivo. 

“Por ora, não há medidas que minimizem isso. Por isso, projetando a diminuição da arrecadação no próximo ano, nós sugerimos que em 2020 a União aumentasse a complementação do Fundeb para 20%. Seria para, ao menos, compensar a perda de receita dos estados que recebem essa complementação”, diz Nalú Farenzena, presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca). Essa linha de raciocínio explica porque o aumento da participação da União no repasse aos estados e municípios – de 10% para 23% – foi uma vitória importante na tramitação do novo Fundeb. 

“Se mecanismos como o Custo Aluno-qualidade (CaQ) ou mesmo o Custo Aluno-Qualidade inicial (CaQi) já estivessem funcionando, o Fundeb não ficaria dependente apenas do nível da atividade econômica e da arrecadação. Ao se estabelecer essa referência, o recurso a ser colocado é aquele o necessário para garantir o padrão de qualidade”, acrescenta ela, explicando como o CaQ ajuda a superar o modelo pró-cíclico do Fundeb. 

Vale lembrar também que os impactos econômicos da pandemia de Covid-19 vão além da queda na arrecadação. Há áreas, como a saúde, com um grande aumento de despesas. No entanto, o aumento nos gastos sociais está limitado pela política de austeridade do Teto de Gastos. O Teto, embora não abarque diretamente o Fundeb, tem grandes impactos na Educação. 

4) O Teto de Gastos poupa o Fundeb, mas afeta a Educação em cheio

Não basta o Fundeb já ser o principal meio de financiamento da Educação Básica no país. Há ainda mais motivos para defender o fundo: os repasses a ele são obrigatórios e ele não é abarcado pelo Teto de Gastos. O novo Fundeb, caso aprovado, também garante que o fundo – que se tornaria permanente – continue não incluído no Teto. 

Essas brechas são importantes, mas não significam que a EC 95 não sucateia a educação pública brasileira de outras maneiras. Pelo contrário, como ressalta Andressa Pellanda: “O PNE, espinha dorsal da legislação educacional brasileira, vem sendo inviabilizado pelo Teto de Gastos. Ele prevê um aumento substancial do financiamento para a área e o que tem acontecido é justamente o contrário. Ainda que o Fundeb não esteja sob o teto da EC 95, ele sofreu diversas pressões ao longo de sua tramitação das políticas de austeridade e do governo federal em uma perspectiva de agenda mínima”. A coordenadora-geral da Campanha enfatiza que o projeto que vai a votação do Senado Federal representou uma vitória importante, pois mesmo nesse contexto, conseguiu assegurar novos recursos para a área. “Se aprovado como está, ele deve colaborar com as metas e estratégias do PNE que dizem respeito à educação básica”, finaliza. 

A presidenta da Fineduca, Nalú Farenzena, também enfatiza que os recursos da União destinados a assistência técnica e financeira da educação básica têm diminuído. “O que me parece uma tendência é o governo federal continuar aplicando recursos nas despesas obrigatórias e protegidas – como o Fundeb -, mas reduzir das outras”, diz. 

Mas mesmo nas despesas obrigatórias, é possível não investir além do mínimo determinado por lei. Já as “outras” despesas são parte substancial do que é destinado a educação. Basta lembrar que a complementação da União ao Fundeb fica na casa dos 16 bilhões, mas o orçamento total do MEC ultrapassa os 100 bilhões. Importante lembrar também que o ensino superior não é financiado pelo Fundeb, e muitos dos recursos para essa etapa entram nas despesas afetadas pelo Teto de Gastos. 

Segundo dados compilados e organizados pela Fineduca, o orçamento para Educação vindo do governo federal diminuiu consideravelmente nos últimos seis anos. Em 2019 ele foi 4.4 bilhões de reais menor do que em 2014 (queda de 3.2%). Para 2021, o governo federal também já sinalizou um corte de 18% na educação. 

E nem todo o recurso previsto é de fato utilizado. Na verdade, em 2019, 32.6 bilhões de reais não foram destinadas à Educação, apesar de estarem previstos. Desde que a Emenda Constitucional 95 entrou em vigor, muitos programas educacionais tiveram seu orçamento significativamente reduzido. As despesas com programas suplementares realizadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, caíram 33.9% entre 2014 e 2019. E alguns programas sofreram cortes relevantes: 

  • O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) teve o orçamento reduzido em R$ 924 milhões, ou 18,9%; 
  • O Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE) perdeu R$ 1, 7 bilhão (redução de 61,9%);
  • O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) teve o orçamento reduzido em R$ 619,6 milhões, ou 41,7%; 
  • O Programa Nacional do Transporte do Escolar (PNATE) teve 13% de redução, mantendo o investimento em torno de 700 milhões de reais.

5) Tem saída

Como visto, garantir um Fundeb mais robusto é importante para assegurar mais recursos para a educação, especialmente porque ele não é abarcado pelo Teto de Gastos. Particularmente, é importante garantir a constitucionalização do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) por meio da PEC do Fundeb. Mas o contrário também é preciso: agir no macro (Teto de Gastos, Reforma tributária, medidas fiscais) para fortalecer o Fundeb. Isso porque ele depende dos impostos, e as medidas de austeridade e a crise econômica acentuada diminuem sua arrecadação. Como enfatiza Denise Carreira, da coordenação da Coalizão Direitos Valem Mais, um Fundeb mais forte se dará com “a revogação da EC 95, uma reforma tributária progressiva e a revisão as medidas fiscais. São regras totalmente em dissonância com o debate internacional sobre como os Estados podem atravessar uma crise econômica”. 

Os cortes afetam a educação mas também a saúde, assistência social, emprego e outras áreas essenciais. Nesse sentido, avançar em uma proposta de reforma tributária progressiva e na revogação da EC 95 são importantes movimentos para enfrentar desigualdades e avançar na reconstrução socioeconômica do país, especialmente durante e depois da pandemia de Covid-19. 

“Ninguém defende o descontrole das contas públicas. Isso é uma dicotomia que os defensores do Teto tentam fixar a quem tem postura crítica a ele. O debate não é esse, mas é justamente ver se as medidas adotadas no país respeitam parâmetros internacionais. Em 4 anos de Teto já temos grandes questionamentos sobre sua permanência. Seu modelo engessado mostra como ele foi desenhado de maneira inadequada”, pondera Jefferson Nascimento, Coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, organização que tem questionado o caráter “gerador de desigualdades” tanto da EC 95 quando do sistema tributário brasileiro. 

Para a economista Esther Dweck, a revogação do Teto de Gastos é até mais importante – ou urgente –  do que alterar a lógica da arrecadação no Brasil, no sentido de que se houvesse outra estrutura tributária, a EC 95 vigente ainda não permitiria aumentar os gastos públicos. “Com o Teto de Gastos, ainda que se amplie a arrecadação ao, por exemplo, taxar fortunas, não é possível gastar um centavo a mais desse dinheiro”. O que também não quer dizer, é claro, que uma reforma tributária progressiva não seja necessária. A Coalizão Direitos Valem Mais inclusive enfatiza que essa redistribuição também é necessária para alocar mais recursos nas áreas sociais. 

A principal pauta da Coalizão é a revogação da EC 95, entendendo que a ação deve caminhar com outras medidas econômicas que fortaleçam a capacidade do Estado brasileiro de enfrentar momentos de crise, especialmente focando na reconstrução pós-pandemia. “A derrubada do Teto é urgente para recompor o financiamento das políticas sociais e também para dinamizar a economia, porque o gasto público na área social é um fator de dinamização. Injetado na economia, ele cria uma dinâmica anticíclica”, lembra Denise Carreira, da coordenação da Coalizão. “Se queremos deixar de ser um país exportador de commodities, é preciso investir em educação, ciência e tecnologia. Cortar recursos significa eternizar essa nossa condição de dependência internacional”, finaliza.

Reportagem: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira

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