Metas do governo atual são marcadas pela austeridade e enfraquecimento democrático. O Plano de Bolsonaro é o único que não prevê combate ao racismo, nem à LGBTfobia.
Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
Embora deva nortear as políticas educacionais brasileiras até 2024, o Plano Nacional de Educação (PNE) sequer está no horizonte de Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL). Entre os quatro candidatos à Presidência com maior intenção de votos, apenas Simone Tebet (MDB) e Lula (PT) mencionam o PNE, e só o candidato petista contempla também propostas que de fato viabilizam sua execução, como a revogação da Emenda Constitucional 95 (o Teto de Gastos). O diagnóstico preocupante baseia-se nas quatro propostas de governo submetidas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), analisadas pela Iniciativa De Olho Nos Planos.
A ausência no Plano de Governo de Bolsonaro não surpreende, já que sua gestão nunca norteou a política educacional pelo PNE (Lei 13.005/14). Ao contrário, deu seguimento às políticas de austeridade que o inviabilizaram já em 2015, um ano após sua aprovação. Bolsonaro não apenas manteve a Educação subfinanciada e sofrendo com sucessivos cortes orçamentários, como também avançou medidas que impactam o PNE negativamente, como o Novo Ensino Médio e a militarização das escolas. Para um eventual novo mandato, o atual presidente mantém o alinhamento com políticas neoliberais e de austeridade.
Simone Tebet menciona a intenção de renovar o Plano Nacional de Educação em 2024 e destaca que o Ministério da Educação (MEC) deve ser protagonista neste processo. Ela também fala do PNE na meta de “garantir que todos os alunos sejam plenamente alfabetizados até o segundo ano do ensino fundamental, em cumprimento à BNCC e às metas do atual Plano Nacional de Educação”. No entanto, o conjunto das propostas da candidata não toca em mecanismos cruciais para que o PNE possa ser cumprido, como o financiamento adequado – ela e Ciro Gomes mencionam fontes alternativas de financiamento para a educação, mas não detalham quais seriam essas fontes. A articulação entre PNE e financiamento aparece apenas no Plano de Governo de Lula, que em sua diretriz 51 menciona a intenção de revogar o Teto de Gastos e, ainda, rever o atual regime fiscal brasileiro. Antes, na meta 21, o candidato explicita o objetivo de que o Brasil volte a “investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas e sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo”.
A Coordenadora da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, destaca que muitos dos mecanismos brasileiros de referência para a educação devem-se à conquistas mobilizadas pela sociedade civil, incluindo a existência de um Plano Nacional e de Planos subnacionais robustos. “A referência legal e o monitoramento institucional são as políticas que ainda têm se mantido de pé – a partir da resistência da comunidade educacional. As candidaturas que não reconhecem isso explicitamente dão sinais de falta de compromisso com gestão democrática e com a própria legislação”, afirma Andressa.
Na mesma linha, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Januário, também destaca que nortear-se pelo PNE demonstra compromisso com a democracia. “O histórico do PNE é de participação intensa de movimentos sociais desde sua concepção. Notar sua ausência como referência para as diretrizes educacionais, sobretudo no caso de Bolsonaro, é também notar a visão de cada candidato sobre o processo democrático. No caso de Bolsonaro não há intenção de agir conforme o processo que levou ao PNE e que foi criado a partir dele”, ressalta.
Diferentes visões sobre educação
As quatro propostas variam não apenas em extensão e detalhamento das políticas pretendidas como também nas diretrizes em si, refletindo diferentes concepções de sociedade e de Educação – como um direito ou como mero capital humano. A proposta de governo de Bolsonaro cita “competência” e “estratégias que se alinham com demandas do mercado”. Ciro Gomes fala em “habilidades socioemocionais” e “Incentivos financeiros para escolas que apresentam bom desempenho” e Simone Tebet refere-se a “produtividade”.
“Uma rápida análise de discurso já mostra que Bolsonaro e Tebet têm uma visão de educação como capital humano, não como direito; Ciro contemporiza, matizando a proposta, sob um “rightswashing” que não engana aos atentos às estratégias do neoliberalismo; e Lula é quem mais se aproxima da educação na perspectiva de direito, cuja garantia da educação é compromisso por si e não com fins meramente econômicos”, avalia Andressa Pellanda, para quem a proposta do ex-presidente é também mais coerente com os pactos sociais e com o arcabouço legal brasileiro.
Andressa aponta que nenhuma proposta menciona explicitamente mecanismos como o Custo Aluno-Qualidade. O professor Eduardo Januário também sentiu falta da menção à Meta 20 do PNE, que prevê a ampliação do investimento público em educação chegando a até 10% do PIB. Na avaliação do professor, uma diferença gritante dos planos de Bolsonaro em relação aos outros candidatos é que “na proposta de Bolsonaro estão ausentes todos os princípios do PNE e qualquer disposição em ouvir os movimentos sociais”. Suas propostas focam no enfraquecimento do Estado e no maior papel da iniciativa privada. Bolsonaro desvaloriza as profissionais da educação e a escola, tratando a educação como assunto de família – expressões típicas do projeto ultraconservador colocado em prática em seu governo. “É uma proposta extremamente excludente, com grandes e bem marcadas hierarquias sociais, e voltada a entregar nossas riquezas e benesses ao mercado”, reforça. É a marca da política dos últimos quatro anos na educação: “Censuras, mentiras e muito discurso ideológico ultraconservador, e nenhuma ação concreta no sentido de materializar o direito à educação, a não ser na contramão das diretrizes legais, com cortes de recursos, aparelhamentos, intervenções, e militarizações”, como também definiu a Coordenadora da Campanha.
A abordagem da segurança alimentar do atual governo é um bom exemplo da hipocrisia e da falta de ações concretas. Na proposta enviada ao TSE, a segurança alimentar aparece como uma preocupação de Bolsonaro, que diz ter a intenção de manter a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No entanto, no dia 10 de agosto, o presidente vetou o reajuste de verbas repassadas ao Programa alegando que o aumento do valor destinado à alimentação escolar contraria o interesse público. Atualmente, o Brasil está de volta ao Mapa da Fome e mais da metade da população experiencia algum nível de insegurança alimentar. O professor da FEUSP e especialista em financiamento da Educação ainda aponta outras contradições no Plano de Governo de Bolsonaro: “Como atingir o chamado ‘ciclo da prosperidade’ sem investimentos públicos, vetando reajustes e reforçando a EC 95? Como dar a dignidade aos menos favorecidos? Que inclusão é possível quando a própria primeira-dama publicamente discrimina religiões de matrizes africanas?”.
As outras propostas analisadas, de Ciro Gomes e Simone Tebet, não têm vieses antidemocráticos como a de Bolsonaro, mas têm uma abordagem para a Educação fortemente influenciada por uma visão empresarial. A candidata do MDB tem a parceria com a iniciativa privada como um dos eixos estruturantes de seu projeto, embora traga discussões sobre combate à pobreza e às desigualdades e apresente uma agenda detalhada em relação às normativas e políticas educacionais. “E [a proposta] se compromete com reformas recentes que têm precarizado a educação, como a Reforma do Ensino Médio, e traz a perspectiva da educação como capital humano, que aprofunda desigualdades e é sistêmica”, ressalta Andressa Pellanda. Já a proposta de Ciro Gomes, pautada fortemente por avaliações externas em larga escala, “dá ênfase em experiências locais, errando em achar que pode generalizá-la, e não traz propostas substantivas para a área”, completa.
Para a Coordenadora da Campanha, nas agendas destes dois candidatos evidencia-se uma agenda neoliberal na educação, a partir de alianças público-privadas com fundações e grupos empresariais “que defendem um modelo educacional do capital humano, que coloca a educação como um meio para alimentar o sistema político-econômico vigente de exploração e não para superá-lo. O impacto para a educação é perverso: se retira a responsabilidade do Estado sobre os resultados educacionais – cujos problemas são diretamente relacionados a subfinanciamento e à falta de políticas equitativas – e se coloca no colo de profissionais da educação e de estudantes – sem dar as condições mínimas para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça com qualidade; e se implementa uma agenda reducionista para a educação pública, com foco em conteudismo e formação precária para mão-de-obra barata, deixando à margem os pilares da formação plena e da formação cidadã, e aprofundando as desigualdades sociais, regionais, raciais”.
Políticas afirmativas: ausências e timidez na abordagem
A abordagem de políticas afirmativas, como as cotas raciais, além de políticas de igualdade racial, de gênero e de combate a LGBTfobia também traz divergências importantes entre os quatro principais candidatos.
Uma diferença notável é que o plano de Bolsonaro é o único que não prevê combate ao racismo nem à LGBTfobia e o único que não inclui a revisão da lei de cotas. O plano de Lula promete assegurar a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, bem como sua ampliação para outras políticas públicas. O de Tebet fala em manter a política de cotas e expandir ações afirmativas para promover maior igualdade racial, social e de gênero.
Gênero, aliás, é uma palavra que também só aparece nos planos de Lula e Tebet. Ciro e Bolsonaro não utilizam o termo, embora tratem de mulheres e da redução das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho (Ciro e Bolsonaro) e no parlamento (Bolsonaro). Lula utiliza inclusive o termo “identidade de gênero” como categoria que deve ser reconhecida e protegida. A população LGBTQIA+ é abarcada no plano de Lula sob o combate à violência e promoção de direitos, enquanto Ciro foca no combate à violência. A candidata do MDB faz apenas uma menção, quando refere-se à adoção de “medidas que garantam a igualdade de oportunidades a mulheres, jovens, pessoas idosas, com deficiência e com doenças raras, negros, quilombolas, população LGBTQIA+, povos originários e outras minorias em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”. Para Andressa Pellanda, a abordagem de “igualdade de oportunidades” de Tebet é mais uma expressão da lógica neoliberal, uma vez que minimiza o papel do Estado na garantia de direitos com equidade. E Ciro, ao restringir as propostas para essas populações às políticas de prevenção ao crime, “denota reducionismo da agenda e uma proposta reativa, que olha para uma das consequências das desigualdades e não para sua causa”.
O professor Eduardo Januário reitera que a única proposta que busca trabalhar com as causas das desigualdades, especialmente a racial, é a de Lula, que inclusive menciona racismo estrutural, genocídio e perseguição à juventude negra, e o superencarceramento, além de explicitar a violência contra mulheres negras, a juventude e ataques as religiões de matriz africana. “A questão da violência também é interessante, porque há uma dimensão estrutural que não é apenas a violência física, mas o preconceito, a dificuldade em acesso a serviços e direitos, a inserção desigual no mercado de trabalho. E apenas o Plano de Lula menciona, com firmeza, políticas de inclusão. Sua oposição é o plano de Jair Bolsonaro, que reafirma não ter preocupação com grupos minorizados. Pelo contrário, explicita o projeto de destruição dos avanços construídos ao longo de décadas”.