STF realiza julgamento sobre o ensino religioso em escolas públicas

Entidades defendem o estabelecimento de limites negativos ao ensino religioso nas escolas públicas, como a facultatividade da disciplina e que os(as) professores(as) não sejam representantes de religiões

 

(Créditos: Carlos Moura/SCO/STF)

Começa hoje (dia 30) o julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, que aborda o ensino religioso em escolas públicas. A ADI busca enfrentar um dos principais entraves à laicidade e ao pleno exercício das liberdades que decorrem da presença do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. O relator da matéria é o Ministro Luiz Roberto Barroso.

Proposta em 2010 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a ADI 4439 questiona o acordo firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, aprovado pelo Congresso Nacional em 2010, que prevê o “ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino do país (artigo 11, §1o, do Decreto n. 7.107). Pede ainda que o STF interprete o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que determina que o ensino religioso “é parte integrante da formação básica do cidadão”, no sentido de proibir o ensino confessional, interconfessional ou ecumênico, bem como a admissão de professores na qualidade de representantes de confissões religiosas.

 

O Ensino Religioso na Constituição

Fruto de pressão de organizações religiosas no processo Constituinte, o ensino religioso está previsto no parágrafo 1º do artigo 210 da Constituição brasileira. Na época, a posição religiosa teve como adversário o Fórum em Defesa da Escola Pública, articulação de entidades que defendia uma educação pública integralmente laica, em sintonia com o principio constitucional da laicidade.

Responsável por um Amicus Curiae à ADI 4439, um grupo de entidades e pesquisadores das áreas de educação, direitos humanos e feministas, intitulado Educação Pública e Laicidade, protocolou um memorial no STF com a síntese de sua posição expressada no Amicus. No Memorial, o Grupo destaca a importância da iniciativa da Procuradoria Geral da República como uma oportunidade sem precedentes para a afirmação e proteção às liberdades religiosas e às liberdades de pensamento e de crença no sistema educacional público. Liberdades que são pressupostos para o exercício de todos os demais direitos fundamentais e que estão na base do Estado democrático e republicano.

“O acordo entre o Brasil e a Santa Sé somado à recente ascensão do conservadorismo religioso e de suas expressões políticas nos poderes do Estado, tendo como expoentes iniciativas que visam proibir o tratamento de temáticas relacionadas a gênero, à raça e à sexualidade nas escolas públicas, não deixam dúvida sobre a grande relevância do pronunciamento que se espera do STF”, afirma Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC.

 

Limites negativos e financiamento público

Concretamente, o grupo defende que o STF estabeleça limites constitucionais negativos ao ensino religioso nas escolas públicas, entre eles, que garanta a facultatividade do ensino religioso, proibindo a matricula automática de estudantes, imposta em redes de ensino, passando a ser obrigatório que se requeira dos familiares ou responsáveis que manifestem expressamente a intenção de matrícula; que não se admita que os professores de ensino religioso sejam representantes de religiões, como propõe a PGR, e nem se admita que seja exigida habilitação específica em ciências da religião ou ensino religioso; que o ensino religioso não seja contabilizado na carga horária mínima nacional e na carga horária obrigatória e nem abordado transversalmente nas disciplinas escolares.

Nas proposições do grupo, também consta que o STF demande do Conselho Nacional de Educação uma normativa que preveja de forma detalhada limites negativos à relação religião e educação pública, entre eles, a proibição de orações religiosas como parte da rotina escolar das escolas públicas. Essa proposta é originária das recomendações da Relatoria Nacional pelo Direito Humano à Educação da Plataforma DHESCA, como resultado do uma investigação sobre a Intolerância Religiosa nas Escolas Públicas, e deliberada pela II Conferência Nacional de Educação (CONAE), em novembro de 2014.

O grupo também defende que o STF vede o uso de recursos públicos para o ensino religioso no país e propõe ao Tribunal uma interpretação contemporânea e ousada da intenção do legislador constituinte quando este previu o ensino religioso na Constituição.

“Se a justificativa do Constituinte era a importância do ensino religioso para a promoção de valores como respeito, tolerância e solidariedade, atualmente o Brasil conta com uma normativa de educação em direitos humanos que prevê a formação para tais valores, na perspectiva cidadã e laica, como é o caso das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos de 2012”, destaca Denise Carreira, coordenadora executiva da Ação Educativa e Relatora Nacional de Direitos Humanos da Plataforma DHESCA Brasil. E complementa: “Muito pelo contrário, os estudos revelam que o ensino religioso – mesmo em suas versões interconfessional e não confessional – tem sido sequestrado por determinados grupos religiosos que têm projeto político e disputam o Estado, recursos públicos e adeptos, contribuindo para aumentar ainda mais a intolerância, os preconceitos e as discriminações nas escolas públicas”.

Fonte: Ação Educativa

 

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