Sessão de Promulgação da EC 108, o novo Fundeb, em agosto/2020.
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (17), o projeto de lei (PL 4372/20) que regulamenta o repasse de recursos do Fundeb a partir de 2021. Por 470 votos a 15, os deputados aceitaram a versão aprovada pelo Senado, que excluiu as mudanças feitas pela Câmara com emendas que aumentavam o repasse para instituições privadas. Agora o texto vai à sanção presidencial para poder valer já em 2021.
Durante a votação na Câmara, o Partido Novo foi o único a orientar sua bancada a votar contra o texto aprovado pelo Senado. O partido apresentou destaque para reincluir no texto a contagem de matrículas dos ensinos fundamental e médio das escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para receberem repasse de recursos do fundo. O destaque foi rejeitado por 286 votos a favor do texto original e 163 contra.
Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Quando o texto foi para votação no Senado, foi rejeitado. A Casa aprovou a votação do texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional. Na segunda votação da Câmara, a base governista ainda tentou obstruir a votação da matéria.
“Apesar das tentativas de partidos da base do governo de retirar recursos das escolas públicas e repassar para entidades privadas desconfigurando, inclusive, a EC 108 aprovada em agosto; a pressão popular foi mais forte e, por meio de mobilização nas redes sociais, construção de argumentos técnicos e articulação política conseguimos derrubar o destaque do partido Novo e garantir recursos públicos para as escolas públicas. Uma grande vitória em um contexto de frequentes ataques à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas”, diz Claudia Bandeira, Assessora da Área da Educação da Ação Educativa.
Confira aqui as principais mudanças trazidas pelo novo Fundeb.
Destaques que aumentavam repasse para instituições privadas foram excluídos e Câmara votará texto original do deputado Felipe Rigoni
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
O projeto de regulamentação do Fundeb foi a voto no Senado na terça-feira (15). A Casa rejeitou os destaques que permitiam maiores repasses para instituições privadas, como escolas confessionais e filantrópicas, e aprovou o texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional.
O presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) reconheceu que a pressão exercida pelos movimentos sociais foi decisiva para que a Casa revertesse a decisão da Câmara. Os destaques aprovados na Câmara e rejeitados pelo Senado agradavam o governo ao expandir as instituições privadas que poderiam receber repasses do fundo. Além disso, desvalorizavam as profissionais da educação ao permitir que recursos do Fundeb fossem utilizados para pagar profissionais da rede privada.
Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). A Campanha, em carta publicada logo após a aprovação, parabenizou e agradeceu senadoras e senadores pela decisão: “O Senado Federal demonstrou respeito à Constituição Federal de 1988 e à EC n. 108/2020 do novo e permanente Fundeb. A Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação espera que a Câmara dos Deputados não cometa novo desatino e altere novamente o texto”, diz a nota.
O projeto retorna à Câmara dos Deputados para nova votação ainda esta semana.
Após descumprimento de acordos de negociação, o documento aprovado manteve retrocessos para a educação pública e segue agora para o Senado
Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Na quinta-feira (10), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo Fundeb. O texto, de relatoria do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), apresenta retrocessos ao texto constitucional promulgado em agosto, aumentando os repasses do fundo para redes privadas. Após a aprovação na Câmara, o projeto segue agora para o Senado Federal.
Um dos pontos aprovados, e que agradou o governo, foi a possibilidade de repasse de recursos do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Os conveniamentos também passam a ser permitidos para instituições privadas de Ensino Técnico de Nível Médio, como o Sistema S.
O texto que vai ao Senado também retrocede ao permitir o pagamento de profissionais que trabalhem nessas instituições privadas com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação. Tais movimentos, como apontado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e pela Fineduca, prejudicam diretamente a educação pública – tanto ao incentivar conveniamentos como reduzindo ainda mais o salário dos profissionais das redes públicas, que já ganham 24% a menos que os profissionais com a mesma formação.
Diversas entidades do campo da educação já responderam a tramitação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) avalia que o texto, tal como aprovado, desconfigura o Fundeb e privatiza a Educação. A Campanha Nacional Pelo Direito à Educação divulgou uma Carta à Sociedade Brasileira apontando os retrocessos do texto aprovado nesta carta. Nas palavras da organização, o texto-base”não respeita a Constituição Federal de 1988 e o pacto democrático pelo direito à educação”:
Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, é lamentável que se tenha aprovado tantas afrontas ao Direito à Educação.
A EC n° 108/2020, contudo, ainda representa uma grande vitória e um grande avanço para a educação brasileira, ampliando recursos, aprimorando a distribuição, prevendo o Custo Aluno-Qualidade como referência e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica como avaliação. Esta nossa vitória não será aplacada, ainda que a Câmara dos Deputados não tenha feito jus ao texto que as/os próprias/os deputados e deputadas votaram.
O Senado Federal deve impreterivelmente corrigir esses rumos inaceitáveis, respeitar a votação unânime ao texto da Emenda do Fundeb naquela Casa e garantir melhorias que sacramentem os avanços já conquistados na Constituição Federal de 1988.
Seguiremos trabalhando para o melhor texto legislativo, que possa garantir os avanços necessários para uma fiel e robusta implementação do novo Fundeb.
Documento apresenta recomendações a novas gestoras e gestores sobre os Planos e elenca os principais pontos a serem levados em conta
A iniciativa De Olho nos Planos emite posicionamento público sobre a transição municipal e os Planos de Educação. O documento defende que as próximas gestões municipais devem dar continuidade aos Planos de Educação, trabalhando para cumprir suas metas mesmo em contexto de pandemia e respeitando o processo democrático que caracterizou a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE).
Webinário da iniciativa De Olho nos Planos trouxe desafios e recomendações aos novos gestores municipais para que trabalhem no sentido de cumprir os Planos de Educação
EBC/Divulgação
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de anos de debates, articulação e mobilização da sociedade civil e de entidades do campo educacional, o PNE sublinha a importância do planejamento para a Educação. Norteados pelo PNE após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para construírem seus planos por meio de processos participativos, também com o objetivo de orientar a gestão educacional e o controle social.
No entanto, o Plano Nacional de Educação não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação.
Por serem políticas de Estado com duração de dez anos, os planos de educação devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder. No entanto, a descontinuidade tem se mostrado um imenso desafio para a garantia do direito à Educação em todo o país, sendo os cortes no financiamento da Educação um dos principais motivos.
As transições municipais sempre foram um momento delicado para os Planos de Educação. Em contexto de pandemia – que alterou não apenas o calendário escolar, mas também orçamentos, repasses e exigiu ações emergenciais – os desafios se multiplicaram. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos promoveu o webinário “Planos de Educação, transição municipal e pandemia: desafios e recomendações” (assista aqui), a fim de mapear desafios, alertar para as importância do planejamento no campo educacional e deixar recomendações às novas gestoras e gestores. A seguir, condensamos os principais pontos abordados no debate, com indicações de materiais para consulta posterior.
Importância dos Planos
Os planos de educação têm peso de lei e refletem os desejos da sociedade. Ainda, reforçam a necessidade do planejamento para efetivar o direito à Educação de todas e todos, em todos os níveis de ensino. “A ideia é ter uma ‘espinha dorsal’ que não seja modificada a cada gestão, porque objetivos de educação são objetivos de prazo mais largo”, resume Romualdo Portela, presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE). Essa característica explica a importância de se olhar para os planos em um momento de transição municipal.
“É muito importante dar visibilidade aos planos pois são leis aprovadas legitimamente, representando o que a sociedade demandou. Não são apenas um conjunto de metas e estratégias, mas representam a perspectiva da construção do direito à educação como condição essencial de cidadania”, complementa Gilvânia Nascimento, coordenadora da União Nacional dos Conselheiros Municipais de Educação da Bahia (UNCME-BA). Por isso, é tarefa da sociedade acompanhar seu cumprimento e tirá-los da invisibilidade. Em momento de transição, os planos municipais de educação precisam ser conhecidos das novas gestoras e gestores, que devem incorporá-los no planejamento dos próximos quatro anos.
Em um contexto de crise política, econômica e sanitária é preciso articular a discussão sobre o aumento da eficiência do gasto público ao cumprimento dos planos. “O contexto é complexo e desafiador, mas sem planejamento fica muito mais difícil para os municípios. Precisamos pensar nisso, atrelando essa discussão ao contexto político e econômico que vem fragilizando o direito à educação e criando mais dificuldades para os municípios cumprirem suas responsabilidades constitucionais”, resumiu Gilvânia, que no webinário alertou também para governos que tentam agir isoladamente, indo contra o que já foi definido nos planos locais.
É necessário identificar quais as instâncias responsáveis pelo monitoramento em cada município e mobilizá-las para discutir uma agenda propositiva referente à transição municipal e ao plano de educação. – Gilvânia Nascimento, coordenadora da UNCME-BA
É fundamental reconhecer que os planos de educação são lei. Precisamos responder a eles. – Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime
Impactos da pandemia
Um desafio para a próxima gestão é compensar os impactos da pandemia de Covid-19 na educação. O fechamento das escolas e a migração de muitas atividades para o online acabaram por aumentar ainda mais as desigualdades já existentes no país. Também realçaram o papel da escola não só na garantia do direito à educação mas também a outros direitos como segurança alimentar e proteção de crianças e adolescentes.
Neste último tema, por exemplo, dados preliminares de uma relatoria de direitos humanos da Plataforma Dhesca sobre alimentação escolar durante a pandemia mostram que as cestas básicas adotadas em substituição à merenda deixam a desejar em quantidade e qualidade dos alimentos ofertados. Ainda, a pesquisa PNAD-Covid indica que mais de 6 milhões de estudantes ficaram afastados das atividades escolares durante a pandemia – o que impacta abandono e evasão escolar. Garantir o retorno às aulas presenciais com segurança é outro desafio, visto que há escolas sem acesso a saneamento básico, entre outros insumos básicos. Mapeamento realizado pela Iniciativa De Olho Nos Planos averiguou essa realidade em escolas indígenas, quilombolas e do campo no país, onde a pandemia exacerbou problemas de acesso pré-existentes.
“Os excluídos são aqueles que se incorporaram mais recentemente aos processos educativos. Portanto, se entendemos que educação é um direito, é preciso se preocupar em incorporar aqueles eventualmente excluídos. As novas administrações devem considerar que houve prejuízo real para o aprendizado esse ano e desenvolver políticas entendendo que a recuperação não será imediata. Isso inclui políticas de busca ativa escolar, combate à reprovação, que não resolve problema nenhum e só acelera a exclusão, etc. Em suma, é preciso considerar este ano como excepcional, como um ano que vai ter que ser compensado nos próximos”, recomenda Romualdo Portela.
Gestão democrática, participação e alianças
Se o objetivo é cumprir as metas previstas nos planos de educação, especialmente durante a pandemia de Covid-19, é crucial construir alianças intersetoriais e garantir a participação e a gestão democrática – passos que refletem o processo que levou à construção dos planos e que garantem que as ações responderão às reais necessidades das comunidades escolares. Em momento de transição de gestões, assegurar a gestão democrática também permite dar continuidade a processos bem-sucedidos e corrigir os falhos. “Não aceitamos que uma legislação construída em tanto tempo, com tanta participação e com potencial real de redução de desigualdades seja simplesmente colocada de lado”, disse Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela completou: “Se a gestão democrática não acontece, não há como fazer política que de fato responda às necessidades e à realidade. Não adianta fazer políticas emergenciais sem escuta democrática”.
O presidente da ANPAE, Romualdo Portela, concordou e afirmou: “Somente a organização da sociedade civil mobilizada pressionando as instituições vai fazer com que os planos sejam de fato implementados”.
Nesse sentido, as debatedoras e debatedores avaliaram como ações necessárias:
Dialogar com os novos gestores e gestoras eleitos recentemente sobre os planos de educação: prefeitas e prefeitos, dirigentes de educação e suas equipes;
Acompanhar o ciclo orçamentário dos municípios;
Realizar investimentos públicos em educação pública;
A pactuação entre diferentes instâncias federativas visando o monitoramento dos planos e a redução das desigualdades educacionais acirradas ainda mais em um contexto de pandemia;
Realizar a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação participativa das escolas;
Fortalecer movimentos de base, que ajudam no controle e na incidência das agendas previstas nos planos de educação;
Atentar-se para as discriminações de gênero, agindo para que sejam endereçadas pelas políticas públicas. Estas precisam ser combatidas para as políticas serem, de fato, inclusivas;
Permanente diálogo entre Conselhos e Secretarias de Educação.
É importante ter em mente os princípios básicos de gestão, que se tornam ainda mais importantes em cenários de crise: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade (e transparência) e eficiência. – Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Só quando se ouve a comunidade escolar é possível fazer modificações de fato. É uma ilusão achar que vamos mudar a educação brasileira na canetada. Gestão democrática é eficiente, não ser democratico é ineficiente. – Romualdo Portela, presidente da ANPAE
A autoavaliação participativa da escola é uma estratégia muito importante de monitoramento dos planos. [Nós da Ação Educativa] atuamos na portaria do Sinaeb, previsto no artigo 11 do PNE, para que a autoavaliação fosse tida como fundamental no sistema de avaliação. Assim avançamos no debate para além das avaliações externas em larga escala. – Claudia Bandeira, Assessora de educação na Ação Educativa
Financiamento da educação e contexto político
Para pôr tudo isso em prática, não há dúvidas: é preciso ter recursos suficientes. Ou seja, o financiamento da Educação pública é tema central para o cumprimento dos planos de educação.
O Fundeb, principal mecanismo de financiamento do país, tornou-se permanente em 2020 e incorporou grandes conquistas nesse sentido, assegurando mais recursos para os municípios e permitindo planejar políticas de educação a longo prazo. No entanto, o aumento de recursos será gradual e parte dele ainda está em disputa no processo de regulamentação do fundo. É preciso, portanto, garantir que a regulamentação não traga retrocessos em relação ao que foi aprovado. Por exemplo, que não amplie ainda mais a destinação de recursos públicos para escolas privadas, como autoriza o relatório do deputado Felipe Rigoni. Também vale lembrar que o montante do Fundeb se baseia no valor arrecadado por impostos, que deve ser afetado pela crise econômica.
O não cumprimento do Plano Nacional de Educação [e dos estaduais e municipais] também é diretamente afetado pelo desmonte de políticas e órgãos educacionais, sobretudo os que tratam do enfrentamento de desigualdades. Soma-se a isso um contexto de desfinanciamento da educação pública e de áreas sociais, em que se destacam:
Emenda Constitucional 95 [Teto de Gastos], que limita radicalmente os investimentos em áreas sociais e essenciais, como saúde e educação. Para que sejam efetivamente cumpridos, é necessária a revogação da Emenda.
Proposta de Orçamento para 2021 que não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. Estudo da Coalizão Direitos Valem Mais indica que são necessários R$36 bilhões extras na Educação para combater as desigualdades que se aprofundaram durante a pandemia e para garantir que a reabertura de escolas seja feita com segurança. Nesse sentido, a demanda é por um piso emergencial mínimo para as áreas sociais.
PEC 188, do Pacto Federativo, que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação. Assim, as áreas essenciais disputariam o orçamento.
Ataques a processos participativos e de controle social, como intervenção do governo no Fórum Nacional de Educação e na Conferência Nacional de Educação (CONAE) e o Decreto 9759/2019, que restringiu a participação e o controle social.
Precisamos tornar o financiamento da educação uma pauta de toda a sociedade. Não há como materializar políticas efetivas para garantia do direito à educação sem a garantia dos recursos adequados. – Gilvânia Nascimento (Uncme-BA)
“Só combinando luta institucional com pressão popular é que vamos conseguir, de fato, colocar a educação no centro da agenda das políticas públicas” – Romualdo Portela, presidente da ANPAE
Guia COVID-19 – Volume 9: Eleições Municipais – série de recomendações para gestões municipais sobre educação, como os processos para reabertura das escolas, financiamento adequado e necessidade de cumprimento de planos de educação.
Debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb pode fazer diferença na garantia do direito à educação de qualidade das modalidades
Na próxima terça-feira (24), às 18h30, a Iniciativa De Olho nos Planos promove o webinário “Regulamentação Fundeb: como garantir educação de qualidade nas escolas indígenas, quilombolas e do campo”.
Partindo dos resultados do mapeamento realizado pela Iniciativa com comunidades escolares em todo o país, o debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb, que entrou na pauta do Congresso Nacional na segunda-feira (16/11), pode impactar as modalidades.
Entre outros pontos, a regulamentação do novo Fundeb vai delimitar os fatores de ponderação, os “pesos” das diferentes etapas e modalidades de ensino no repasse dos recursos. Um estudo do Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai analisou o impacto do novo Fundeb para a educação escolar indígena, quilombola e em territórios de vulnerabilidade social. O documento recomenda que os fatores de ponderação destas modalidades sejam de 50%. Ou seja, que o valor por matrícula seja 50% maior do que valor aluno-ano de referência, até ficar compatível com os que é estabelecido pelo CAQ.
Já o monitoramento realizado pela Iniciativa De Olho nos Planos em outubro de 2020 identificou vários problemas nas modalidades em todo o país diretamente relacionados ao financiamento da Educação, como a desvalorização das e dos profissionais da educação, a falta de insumos básicos como acesso a água, saneamento básico e energia elétrica, além de espaços como bibliotecas e quadras poliesportivas. Tais insumos são previstos pelo Custo Aluno-Qualidade (CAQ), constitucionalizado na lei do Fundeb.
O webinário, que vai debater os temas acima, contará com a participação de Denise Carreira (coordenadora da Ação Educativa), Gersen Baniwa (professor da UFAM e liderança indígena), Maria de Jesus dos Santos (professora de educação do campo) e Páscoa Sarmento (doutoranda na UFPA e liderança quilombola). A mediação é de Claudia Bandeira, Assessorada Ação Educativa.
Deputado Felipe Rigoni apresentou relatório baseado no PL 4372, de Professora Dorinha. Texto deve ir a plenário ainda esta semana
Nesta terça-feira, 16/11, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) apresentou o relatório do projeto de regulamentação do novo Fundeb aos líderes da Câmara dos Deputados. O relatório refere-se ao projeto de Lei 4372/2020, da deputada Professora Dorinha (DEM-TO) e traz alterações em relação ao original. A expectativa é que o texto vá a plenário ainda nesta semana. De acordo com Rigoni, o governo posiciona-se majoritariamente a favor do novo texto, com poucas ressalvas. Também segundo o relator, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer dar prioridade à matéria. Caso a regulamentação seja aprovada ainda este ano, as regras do novo Fundeb começam a valer em 2021.
Entenda o que diz o texto do relator em alguns dos pontos cruciais e mais debatidos desde a promulgação do novo Fundeb:
Recursos públicos para escolas públicas
O repasse de recursos do Fundeb para instituições sem fins lucrativos, como entidades filatrópicas ou religiosas, foi um dos pontos mais controversos e debatidos das últimas semanas. O governo de Jair Bolsonaro fez intensa pressão para que escolas religiosas sem fins lucrativos pudessem acessar recursos do Fundo em todos os níveis de ensino – atualmente o repasse é permitido apenas na educação infantil, especial e do campo, que têm problemas de acesso. A regra é mantida no PL 4372, mas era rejeitada no PL 4519, do Senador Randolfe Rodrigues, que propunha o fim gradual deste repasse, priorizando o uso de recursos públicos em escolas públicas.
Já o relatório apresentado por Felipe Rigoni faz alterações no PL da deputada Professora Dorinha, embora não na medida que queria o governo. O texto apresentado hoje permite o repasse para instituições privadas sem fins lucrativos também no ensino técnico e profissional, mas continua vetando no ensino fundamental e médio comum. Em coletiva de imprensa, Rigoni alegou um argumento redistributivo: a brecha beneficiaria municípios mais ricos, pois é onde estão a maioria das matrículas em escolas conveniadas de EF. “Mas isso foi conversado com o governo e até segunda ordem está tudo certo”, disse ele. O relator não entrou no debate da laicidade do ensino, limitando-se a dizer que “existem argumentos favoráveis e contrários por diferentes motivos”.
Referenciais para distribuição e vinculação a resultados
O novo Fundeb prevê que a complementação da União salte de 10 para de 23%. Desta quantia, 2.5% deve estar vinculada a indicadores de aprendizagem que garantam equidade, e é na regulação que se delimita o que se considera nesta avaliação. Neste sentido, havia uma disputa para que outros indicadores além dos resultados em avaliações externas de larga escala fossem considerados. O Sinaeb, previsto no texto constitucionalizado, amplia o conceito de qualidade na educação para além das avaliações externas de larga escala (como o Ideb), que tendem a marginalizar ainda mais algumas redes, como as indígenas e quilombolas.
O texto de Felipe Rigoni menciona o caráter equitativo deste repasse de 2.5% (VAAR), mas o mantém vinculado apenas ao desempenho escolar. Segundo o relatório, a avaliação deve contemplar resultados anuais da aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática e, a partir deles, definir os níveis de aprendizagem para o cálculo da medida de equidade da aprendizagem. Nesse modelo, redes que partirem dos menores índices e evoluírem nos mesmos terão maior peso na distribuição. Assim, levam mais recursos as redes de ensino que conseguirem reduzir a desigualdade no aprendizado e melhorarem suas próprias notas. “Educação é aprendizado”, disse o deputado em coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira.
CAQ
O Custo Aluno-Qualidade (CAQ) não é mencionado no relatório de Felipe Rigoni – assim como não era no projeto da Deputada Professora Dorinha. De acordo com o relator, o CAQ constará apenas na regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Essa é uma lei complementar necessária para operacionalizar todo o Fundeb, principalmente por conta do Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Isso porque o SNE estabelece e implementa a coordenação entre diferentes níveis de governo.
Fatores de ponderação
Outra discussão importante é a dos fatores de ponderação, que determinam “pesos” no repasse para as diferentes etapas e modalidades. Seguindo o PL 4372, o texto de Felipe Rigoni indica que em 2021 eles permaneçam os mesmos do atual modelo, pois acredita que “ainda faltam estudos” que embasem mudanças nessas ponderações. Nos anos seguintes, após mais discussão, eles seriam alterados. O PL do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) alterava algumas etapas e modalidades, como educação infantil, indígena e quilombola, já em 2021, aumentando o repasse para elas. Constitucionalizado em agosto, dois projetos de lei de regulamentação do Fundeb tinham sido apresentados: um pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO) e um pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) – entenda as diferenças entre eles neste link.
Mapeamento realizado pela iniciativa De Olho Nos Planos observou contratos precarizados em todas as regiões do país
Professora de escola quilombola realiza atividade com os alunos em Mato Grosso (Foto: Arquivo da equipe)
De Norte a Sul do país, as comunidades escolares quilombolas, indígenas e do campo convergem em uma afirmação: os concursos para docência nessas modalidades são cada vez mais raros, fazendo com que grande parte das profissionais trabalhe sob contratos precários, sem plano de carreira e frequentemente com salários aquém de suas formações.
A constatação faz parte do mapeamento realizado pela iniciativa De Olho Nos Planos, que ouviu as comunidades escolares das três modalidades para entender quais os principais desafios por elas enfrentados para assegurar uma educação de qualidade. No mês de outubro de 2020, realizamos 12 entrevistas telefônicas com diferentes atores: professoras, diretoras e diretores, alunas e alunos, ativistas, familiares e um gestor. No contexto da pandemia de Covid-19 e de regulamentação do novo Fundeb, que vai definir diretrizes cruciais para estas escolas, é ainda mais importante entender os principais desafios e gargalos a serem resolvidos.
As entrevistas mostraram que, em maior ou menor grau, as escolas ainda não contam com insumos mínimos como bibliotecas, laboratórios ou mesmo acesso a água e saneamento básico. O que já têm é, em grande medida, fruto de anos de mobilização e iniciativas comunitárias que tentam suprir a demora do Estado em garantir o direito à educação destas populações.
Além disso, a (des)valorização das e dos profissionais, especialmente professoras e professores, foi uma constante. Esta se dá tanto pelos contratos precários como por problemas gerais de infraestrutura que prejudicam o trabalho, como falta de espaços, materiais, laboratórios e salas multisseriadas. Além disso, faltam profissionais como merendeira/o ou profissional de pátio. Estes resultados são explorados abaixo:
Contratos
Em nosso mapeamento, escolas onde a maioria das professoras são concursadas foram a exceção. Via de regra, a maior parte delas trabalha sob contratos mais curtos, menos estáveis e com menos direitos. A pouca frequência dos concursos específicos é a principal causa, sendo os contratos a alternativa encontrada para suprir a demanda. O problema com os contratos (que têm diferenças entre si) é que estes não oferecem progressão de carreira, benefícios e são de curta duração, o que prejudica o próprio trabalho docente e o Projeto Político Pedagógico das escolas. Seja pela alta rotatividade de professores ou porque eventualmente há atrasos no ano letivo por questões contratuais. Na educação do campo, por exemplo, segundo levantamento de organizações da área, eram mais de 138 mil professores temporários no país em 2019.
Um problema que acomete docentes concursados e contratados destas modalidades específicas é o salário aquém de sua formação. Para contratar docentes quilombolas ou indígenas, os salários são nivelados por nível médio e não ensino superior, por exemplo. Se a estratégia funcionou em uma época com poucos professores formados, hoje ela se mostra defasada, desvalorizando as e os profissionais. Os depoimentos exploram essa questão:
Na Bahia temos atualmente cerca de 600 professores indígenas atuando em escolas indígenas, todo o corpo docente é indígena. Em 2012 realizamos o primeiro concurso público para professor indígena e aprovamos uma lei que criou a categoria “professor indígena” no quadro ocupacional, o que permitiu, do ponto de vista legal, realizar um concurso específico. Foram 390 vagas inicialmente ofertadas – hoje são 27 escolas indígenas, com 40 anexos – e apenas 109 professores conseguiram ser aprovados. Muitos deles atuam hoje em escolas indígenas, inclusive como gestores. Com os que não conseguiram ser aprovados, fizemos processos seletivos para ocupar essas vagas. O contrato REDA, realizado em 2014 e 2018 com duração de dois anos e prorrogável por mais dois, e um contrato emergencial à medida que se necessita de professor indígena. Os concursados têm plano de cargos e salários, seguindo as normativas das leis correspondentes. O desafio agora é levar essa lei para a Assembleia Legislativa, porque na época a maioria dos professores não tinha formação Superior e o concurso foi para nível médio. Por isso, o salário desses professores não se iguala ao dos outros professores do quadro funcional do estado. A lei hoje precisa mudar.
(Coordenador de Educação Escolar Indígena da Bahia)
Temos poucos professores concursados, o último concurso foi em 2014. A maioria hoje é contratado pelo REDA, não apenas professores mas também serviços gerais, merendeira, zeladora, assistente administrativo, todos. Antes tinha empresa terceirizada que contratava serviço de apoio, mas hoje é via sistema REDA, que dá menos problema para a gente. (….) Mas tenho professor que não tem nem telefone, porque o salário é salário mínimo. A gente ainda está nessa do Magistério, mesmo sendo graduado, pós-graduado, a gente ganha como professor de magistério. (…) Sobre a formação, temos usado o projeto Saberes Indígenas na Escola desde 2015. Fazemos atividades continuadas, trabalhamos leitura, escrita e interpretação, produção de material didático… Conseguimos protagonismo, porque desenvolvemos um material didático que é nosso. O currículo da escola hoje é voltado para as nossas tradições e todos os professores e funcionários são indígenas.
(Diretora de escola indígena em Glória-BA)
A escola funciona como escola urbana no que se refere a contratação. Faz tempo que não há concurso, mas cerca de metade dos nossos professores são estatutários. A outra modalidade é contrato PSS, que é emergencial e mais precarizado. O salário é bem mais baixo e a contratação anual. Para os estatutários há plano de cargos, carreiras e salários, um sistema de progressão na carreira. Sobre formação, até governos passados tínhamos liberdade de fazer a nossa formação continuada, mas o governo do estado engessou demais a autonomia da escola. Os planos de educação não respeitam a diversidade e as propostas do estado inteiro são padronizadas como se todas as regiões fossem iguais, então sinto dificuldade na formação e autonomia para liberdade pedagógica.
(Diretor de escola do campo em Lapa-PR)
Não faltam profissionais capacitados, mas falta capacitação, principalmente aos professores que não são oriundos do quilombo. Estamos na luta para garantir formação em temas étnico-raciais e educação quilombola. Há poucos profissionais concursados, e dos concursados a maioria ainda não é quilombola. Nossa luta é para que sejam quilombolas. O fato da maioria dos professores ser contratados faz com que muitos aceitem condições indignas de trabalho. É preciso implementar uma política pública, luta a nível nacional para garantir política de ação afirmativa para que concursos e seleções públicas tenha cota para quilombolas.
(Ativista quilombola e técnica em educação de Salvaterra-PA)
Nós trabalhamos a metodologia da educação do campo. A Secretaria de Educação coloca alguns dias de formação no decorrer do ano, mas há anos o estado não oferta formação continuada específica oferecida na modalidade. Sempre que podemos e há disponibilidade dos docentes, participamos das formações oferecidas pelo Movimento [dos Sem Terra], mas em geral os professores da escola já têm a especialização, porque isso inclusive conta pontos no edital de contratação.
(Diretora de escola do campo em Santa Maria d’Oeste-PR)
Temos professores concursados e outros contratados por um processo simplificado. Lutamos pela permanência dos professores na escola porque temos uma proposta diferente, mas nem sempre conseguimos dar continuidade por causa disso. Todos os professores têm graduação, muitos têm pós-graduação e temos um professor doutor, a formação deles é muito boa.
(Diretor de escola do campo em Cascavel/PR)
Aqui todos os profissionais são da comunidade e a maioria é contratado. Através de luta da comunidade conseguimos fazer com que a seleção fosse específica, ou seja: só pode se inscrever para dar aula se for do território. Assim conseguimos gerar renda e emprego na comunidade e motivar a juventude de que podem continuar estudando porque há formas de trabalhar. Também lutamos pelo concurso específico. A gente quer ser concursada como professora quilombola e conseguimos o concurso específico. Tem várias pessoas da comunidade concursadas como professores e professoras quilombolas. E mesmo assim, com a criação em lei do cargo de professora e professor quilombola, as vezes precisamos recorrer ao Ministério Público para assegurar esse direito.
(Professora quilombola de Salgueiro-PE)
Os professores são majoritariamente contratados. Todos têm graduação e a maioria tem pós-graduação ou especialização, alguns têm mestrado. E os professores são polivalentes, as vezes dão sua disciplina e outras disciplinas fora da formação. A maioria é quilombola, da própria comunidade. Trabalhamos com a universidade (UFMT) a formação de etnosaberes, de valorizar os saberes da comunidade e transformar em conteúdo na sala de aula.
(Coordenadora pedagógica de escola quilombola em Nossa Senhora do Livramento-MT)
No Brasil, não há muito investimento na formação de professores indígenas, especialmente desde a extinção da SECADI. Muitos professores indígenas ainda estão em formação, e acreditamos, enquanto movimento indígena, que precisamos ter professores indígenas dentro das escolas. Para isso, precisa investimento na formação de professores. (…) A valorização [se dá] através de concursos público, o profissional precisa estar efetivado, porque não está seguro quando não é efetivo. Sem isso e sem estrutura para as escolas não há como garantir que a pedagogia seja instituída. (…) É preciso pensar metodologias mais aproximadas das crianças indígenas, pensar disciplinas diversas. Se vários indígenas não conseguem concluir ensino fundamental é também porque falta estrutura da escola, material didático, incentivo pra ir a escola. E um incentivo fundamental é garantir tanto profissionais que falem a língua da comunidade. Ainda, há duas iniciativas fundamentais para a educação escolar indígena de qualidade: a formação de professores nas licenciaturas interculturais indígenas, e a ação Saberes Indígenas na Escola. Ambas deveriam se tornar políticas públicas.
(Ativista e antropóloga indígena, especialista na formação de professores indígenas).
Falta de pessoal e de estrutura em sala de aula
Os depoimentos colhidos em diferentes lugares do Brasil também mostram que a insuficiência de profissionais nas escolas e a falta de insumos – como laboratórios de ciências, informática, quadra poliesportiva ou mesmo falta de água e energia elétrica – limitam o trabalho das professoras e professores de escolas quilombolas, indígenas e do campo. Embora comum, a ocorrência de salas multisseriadas também dificulta o trabalho de docentes e tem impactos na aprendizagem.
No município a multissérie é uma realidade, principalmente nas séries iniciais. A dificuldade começa em dar atenção para esses diferentes públicos dentro da sala de aula. Os alunos sentem a dificuldade do sexto ano em diante, quando veem que houve defasagem, que está faltando parte do conteúdo que deveria ter aprendido antes. Outro problema em relação a recursos humanos é ter professor que também é gestor, como é o caso da minha comunidade. Em algumas escolas a professora também é merendeira e faz serviços gerais.
(Ativista quilombola e técnica em educação de Salvaterra-PA)
Nos anos iniciais do ensino fundamental é multissérie dado o baixo número de alunos. Até quatro anos atrás não era, então conseguimos ver a diferença. Há uma defasagem [na aprendizagem], percebemos quando os alunos chegam no sexto ano. O professor dos anos iniciais é a base, e por mais que o número de alunos total não seja grande, tratar séries diferentes acaba prejudicando o trabalho, não é a mesma qualidade.
(Diretora de escola do campo em Santa Maria d’Oeste-PR).
Em 2020 temos 117 estudantes matriculados em 10 turmas diferentes. Conseguimos manter o número reduzido de estudantes por turma porque a estrutura da escola e das salas não comporta mais. No fim do ano, quando fazemos a solicitação ao estado é sempre uma briga, mas em geral aceitam nossos argumentos depois de verem a infraestrutura da escola. É melhor e mais tranquilo para os professores trabalharem.
(Diretor de escola do campo em Cascavel/PR)
Temos funcionários suficientes, mas precisamos de cuidadores, porque temos algumas crianças com deficiência. Precisamos de cuidadores porque dar conta da turma toda e mais da especificidade do aluno dificulta a vida do professor. E é um direito do aluno c ter esse cuidador para orientar nas atividades. No anexos da escola ainda temos salas multisseriadas porque são poucos alunos. Em um deles, são 8 alunos de Fundamental I, do primeiro e segundo e terceiro anos. No outro, são 4 alunos de quarto e quinto ano em uma sala. Juntamos para poder dar um numerozinho de alunos mais significativo, porque até pra fazer as atividades é difícil com pouco aluno.
(Diretora de escola indígena em Glória-BA)
Secretaria de Escola do Campo no Paraná: construída do zero pela própria comunidade.
Mapeamento realizado pela iniciativa De Olho Nos Planos ouviu comunidades escolares em todas as regiões do país e atesta que falta água, saneamento e internet em muitas escolas
Escola rural de Espera Feliz (MG), antes da última reforma.
Uma parede de gesso separava duas salas de aula de um Colégio Estadual Indígena em Rodelas (BA). A divisória, improvisada para comportar as turmas da escola, não era suficiente para impedir o isolamento acústico, e os docentes precisavam negociar com antecedência as atividades envolvendo audiovisual ou mesmo debates. A 77km de distância, no município de Glória (BA), os alunos de outro Colégio Indígena não têm refeitório e comem sua merenda no chão, não raro cercados pelos animais que invadem o perímetro da escola.
Em Salvaterra (PA), a falta de pessoal faz com que seja comum que os professores das escolas quilombolas sejam também os responsáveis pela merenda e outras tarefas de manutenção. Do outro lado do país, em Cascavel (PR), os moradores do assentamento Valmir Mota de Oliveira não puderam esperar o Estado e eles mesmos construíram sua escola.
Em todo o Brasil, outras escolas do campo, indígenas e quilombolas enfrentam desafios parecidos, consequência do abandono histórico destas modalidades por parte de governos e pela ausência de políticas públicas. Estes desafios tornam-se especialmente relevantes no contexto da pandemia de Covid-19 e do novo Fundeb, que garantiu mais recursos para a educação pública. No processo de regulamentação do novo fundo, que precisa ser iniciado com urgência em 2020 para valer já em 2021, ainda serão definidas importantes diretrizes de financiamento para estas três modalidades. Por isso, a iniciativa De Olho Nos Planos ouviu as comunidades escolares.
No mês de outubro de 2020, realizamos 12 entrevistas telefônicas com diferentes atores da educação escolar quilombola, indígena e da educação do campo para entender melhor sobre suas atuais condições de ensino e aprendizagem, mapeando seus desafios para assegurar uma Educação de qualidade. Ouvimos professoras, diretoras e diretores, alunas e alunos, ativistas, familiares e um gestor. As entrevistas mostraram que, em maior ou menor grau, as escolas ainda não contam com insumos mínimos como bibliotecas, laboratórios ou mesmo acesso a água e saneamento básico. O que já têm é, em grande medida, fruto de anos de mobilização e iniciativas comunitárias que tentam suprir a demora do Estado em garantir o direito à educação destas populações.
A seguir, apresentamos alguns dos problemas mais comuns identificados em nossas entrevistas.
Água, saneamento básico e energia elétrica
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Em grande parte das escolas mapeadas, as escolas aproveitavam soluções pensadas pela própria comunidade, como fossas sépticas e cisternas, não havendo um sistema específico para as unidades de ensino. Para se ter uma dimensão do problema, há 3.574 escolas rurais sem acesso a água no país – quase um terço delas (964) no estado do Maranhão. E 4.166 sem acesso a energia elétrica. Em outras 2.919, as aulas não acontecem em um prédio escolar. Os dados são de um levantamento de 2019 produzido por diferentes entidades de Educação no Campo.
Em nossas entrevistas, foram frequentes os relatos de banheiros interditados. Em escolas mais afastadas, como anexos de escolas indígenas e quilombolas, sequer há banheiro e muitas vezes o acesso à água depende de carros-pipa. Quando este não chega, as aulas precisam ser interrompidas. Se o cenário já era grave antes da pandemia, agora é imperativo proporcionar condições sanitárias adequadas para que a volta das aulas presenciais não ponha a comunidade escolar em risco.
A gente sonha muita coisa…eu gostaria de um banheiro separado para professores e crianças. Nesse exato momento a descarga está quebrada, então tem que pegar água em um balde para poder jogar na privada. São coisas básicas, mínimas, mas que fariam muita diferença para a gente hoje.
(Diretora de escola indígena – Glória-BA)
A escola tem um laboratório de informática, mas na prática não tem, porque a energia elétrica não comporta ligar todas as máquinas ao mesmo tempo.
(Professora de escola quilombola, Salgueiro-PE)
A reforma da escola incluiu novos banheiros, mas houve um problema com o encanamento e ele teve que ser interditado, agora só há um banheiro masculino e um feminino. Se usarmos esse banheiro, o esgoto fica onde a gente vai passar. É muito nojento. Basicamente o banheiro abriu e já teve que fechar, mas estão buscando solucionar. A água vem de um poço artesiano bem antigo, mas é muito ruim. Um aluno numa feira de ciências analisou e viu que o pH estava inadequado. A reforma teoricamente também pensou em acessibilidade, então o banheiro foi feito pra ser acessível: mais espaçado, tem corrimão, cabine exclusiva e tudo mais. Mas para entrar, é com degrau. Não adianta dentro ser acessível e o acesso não.
(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG).
Nosso maior problema é a fiação, temos medo de pegar fogo a qualquer momento e estarmos dentro da escola. É muito velha, eu acho que nunca teve manutenção. Fica ainda pior quando chove. E na aldeia sempre falta energia, então às vezes não tem como ter aula de noite. (…) O banheiro adaptado não sei se quebrou, mas desde que eu me lembre ele sempre foi uma dispensa (…) banheiro masculino (…) quebrou e ficou só o feminino, que fica interditado
(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA) .
Um dos anexos funciona com energia solar, o que é bastante incomum. Mas reivindicamos uma placa mais potente que consiga sustentar uma geladeira, porque atualmente não conseguimos mandar todos os produtos da merenda para o anexo porque eles estragam. Verdura e carnes estragam, não tem como conservar. A falta de água também nos impediu de dar continuidade ao projeto da horta. Isso dificulta o trabalho junto aos alunos de trazer uma vivência maior com a terra para o dia a dia da escola.
(Diretora de escola indígena – Glória-BA)
Merenda e transporte escolar
Na maior parte das escolas, o transporte – em geral, terceirizado – não consegue atender os alunos ao longo de todo o ano letivo. Seja porque apresenta problemas de manutenção ou, principalmente, pelas más condições das estradas, que alagam ou são de difícil acesso. É frequente que, em épocas de chuva, os alunos não consigam chegar à unidade de ensino. Quanto às merendas, a maior parte das escolas consegue ter acesso a ingredientes frescos e condizentes com suas culturas, exceto quando há problemas com os equipamentos de armazenamento. No entanto, reclamam de pouca verba disponível para a merenda, o que faz com que ela se atenha a ingredientes básicos e pouco variados e se limite a apenas uma refeição, mesmo quando os alunos fazem longos trajetos.
A verba da merenda é de apenas 64 centavos por dia por aluno, é muito pouco. Então a gente acaba comprando o grosso: feijão, arroz, macarrão, frango. Não dá pra comprar outro tipo de carne. Também relacionado a isso, algo que eu sinto muita falta é um refeitório pras crianças, porque a gente só tem uma cozinha. Eles pegam a merenda e vão sentar no chão ou vão para as salas de aula comer. As vezes tem cachorros que entram na escola e se misturam, o que sabemos que não é higiênico. Gostaria de um refeitório com mesas e cadeiras para que as crianças pudessem sentar e fazer suas refeições todo dia, direitinho.
(Diretora de escola indígena – Glória-BA)
A merenda que chega dá para no máximo 15 dias, o que os gestores fazem para isso durar o mês é revezar: em um dia tem merenda, no outro não tem. E a maioria das escolas não dispõe de lugar para armazenar alimentos frescos, então muitas vezes não vem. Só alimento com conservante. O transporte escolar é precário, os ônibus geralmente estão superlotados, com alunos viajando em pé e é frequente quebrar no meio do caminho, porque são velhos. O que vinha para o quilombo não tinha nem farol. Se quebra, os alunos da tarde só conseguem chegar em casa 9 ou 10 da noite. Além disso, durante o inverno as vias ficam intransitáveis, no ano passado o transporte ficou 2 meses sem conseguir passar por alguns trechos. Estamos denunciando essa situação junto ao poder público.
(Técnica em educação e liderança quilombola, Salvaterra-PA)
O transporte escolar é de péssima qualidade, a merenda deveria ter mais recursos. Muitos alunos vêm de longe e não podem tomar um café da manhã antes da aula, seria bom se pudéssemos contar com um desjejum.
(Coordenadora pedagógica de escola quilombola, Nossa Senhora do Livramento-MT).
O transporte não é exclusivo para alunos, então todo dia convivemos com passageiros comuns para ir para a escola. A gente já se deparou com diversas cenas, já me ofereceram droga na volta da escola, já vimos brigas, pessoas bêbadas.. E em zona rural às vezes o transporte não tem como passar. Em época de chuva tem estudante que fica sem ir na escola.
(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG).
Escola do campo no Paraná
Salas multisseriadas, ausência de bibliotecas, laboratórios e internet
Nenhuma das escolas tinha laboratório de ciências ativo e apenas uma tinha quadra poliesportiva coberta. Exceção também é a escola que possui laboratório de informática à disposição de seus alunos. Em geral, os espaços de lazer misturam-se aos da comunidade em que a escola está inserida, inclusive porque muitas escolas são abertas.
Salas multisseriadas já foram uma realidade em praticamente todas as escolas, e em muitas continua sendo, especialmente em unidades anexas e em etapas iniciais do ensino fundamental. A justificativa é o baixo número de matrículas por turma, uma característica compartilhada pela educação rural, indígena e quilombola.
As bibliotecas também deixam a desejar: nem todas as escolas conseguem garantir um espaço como este, com livros além dos que são trabalhados em sala de aula. Há uma queixa frequente dos materiais didáticos e livros disponíveis não conversarem com as realidades dos estudantes e das comunidades.
Minha escola passou por muitas reformas, a maioria de iniciativa da comunidade escolar mesmo ou algumas parcerias. As salas até que se encontram em boas condições, mas sinto falta de tecnologia dentro da sala: TV, projetor. A reclamação dos professores é falta de acesso a internet dentro das salas, porque agora tudo depende de internet, inclusive a anotação de presença. Muitas vezes a chamada é na sala dos professores, depois da aula, pois lá pega internet.
(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG)
Nos anos iniciais do ensino fundamental temos multissérie, por conta do número de alunos. E vimos que tem defasagem quando chega no sexto ano. Até 4 anos atrás não era multissérie, e aí vimos a diferença. O professor dos anos iniciais é a base.
Diretora de escola do campo, Santa Maria d’Oeste-PR
Nós conseguimos manter um número reduzido de estudantes por turma porque a nossa estrutura não comporta mais: as salas não dão condições de aglomeração, no frio faz muito frio e no verão faz muito calor. No fim do ano, quando solicitamos as turmas ao Estado, é sempre uma briga. Precisamos justificar o baixo número de matrículas por turma. Em geral, quando eles veem as fotos da escola, acabam aceitando. E é melhor para o trabalho dos professores.
(Diretor de escola do campo, Cascavel-PR).
Cheguei a ter aulas de informática, mas tiraram os computadores, não sei ao certo o porquê. No Ensino Fundamental tem aula de educação digital até hoje, mas como nem todo mundo tem notebook para levar, a aula é mais por folha [de papel]. Dão arquivo impresso ou o professor leva notebook e usa datashow ou apostila. No meu caso particular, eu gosto muito de conhecer as coisas, de pesquisar e aprender coisas novas, então não ter mais esses computadores faz muita falta. E os professores já falaram que sentem falta de laboratório de ciências, queriam ter acesso e mostrar pra gente. Mostrar, por exemplo, uma água não potável no microscópio. E na aula de inglês não usamos muito o livro, seria melhor se tivéssemos livro. O único que eu usei era bem desatualizado.
(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA)
(…) Nenhuma escola do município tem internet banda larga. Quando tem, professor ou gestor está pagando do próprio salário para conseguir trabalhar. Ofertada pelo poder público, não tem.
(Técnica em educação e liderança quilombola, Salvaterra-PA)
O material enviado pela Seduc não é específico para a comunidade, nós começamos a produzir nossos próprios materiais por causa disso, mas precisamos de mais recursos para aumentar a quantidade e qualidade.
(Coordenadora pedagógica de escola quilombola, Nossa Senhora do Livramento-MT).
Os livros que chegam para a gente trazem mais a realidade do Sudeste, Sul e Norte do país. Nada voltado pro nosso Nordeste, conseguimos acompanhar muito pouco. Por isso, nos últimos 5 anos temos nos amparado no projeto Saberes Indígenas na Escola. Fazemos atividades continuadas, trabalhamos leitura e escrita, produção de material didático, etc. Assim, conseguimos desenvolver um material didático nosso. Mas nós não formamos os alunos apenas para a comunidade e sim para o mundo, então não podemos deixar de trabalhar outros conteúdos – mas sentimos muita falta de um livro mais adequado, que fale bem das populações indígenas, do nordeste, que valorize mais nossa cultura, tradição e história. Na EJA, por exemplo, não há nada específico para eles. Na Educação Infantil, os professores têm que sempre buscar na internet.
(Diretora de escola indígena, Glória-BA).
Escola Quilombola no Mato Grosso, realizando projeto de Leitura Infanto-Juvenil Afro
(Des)Valorização das professoras e profissionais da Educação
A maioria das professoras e dos professores de escolas do campo, quilombolas e indígenas trabalha sob um contrato precarizado e com pouca ou nenhuma estabilidade. Na Educação no Campo, entidades da área apontaram 138.416 professores temporários no país em 2019.
Em todas as modalidades abordadas pelo mapeamento, foram comuns relatos de atrasos em pagamentos e de prejuízo ao ensino por conta da precarização dos contratos, já que sua curta duração implica em alta rotatividade de professores, impedindo projetos e formações a longo prazo. Ainda, houve relatos de atrasos no início do ano letivo pela demora na regularização dos contratos. Os concursos são raros, não havendo perspectiva de mudança deste cenário.
O fato da maioria dos professores serem contratados – e não concursados – faz com que muitos aceitem condições indignas de trabalho. Eles se submetem porque precisam sobreviver, mas o contrato lhes tira direitos. Uma outra reclamação é a ausência de material didático para trabalhar questões do currículo elaborado e proposto.
(Técnica em educação e liderança quilombola, Salvaterra-PA).
Há anos não existe formação continuada específica oferecida pelo Estado na modalidade de Educação do Campo. Sempre que podemos e há disponibilidade de educadores participamos de formações oferecidas pelo Movimento [dos Sem Terra].
Diretora de escola do campo, Santa Maria d’Oeste-PR
Na nossa escola eu gostaria de ter mais condições de trabalhar nossa proposta pedagógica. O governo estadual engessou demais a autonomia da escola, as propostas são padronizadas no estado inteiro como se todas as regiões fossem iguais. Sinto dificuldade na formação e na autonomia para liberdade pedagógica. Nossas escolas não aceitam ser um forno de cidadãos dóceis, são espaços de formação coletiva e para a liberdade e autonomia.
(Diretor de escola do campo, Lapa-PR).
Escola rural no Paraná, levantada pela própria comunidade
Mobilização comunitária
O Estado não tem garantido insumos básicos para a efetivação do direito à educação nas escolas participantes do mapeamento. Pelo contrário, comunidades quilombolas, aldeias indígenas e assentamentos são protagonistas nas mudanças e melhorias de suas escolas. São professoras e profissionais que usam o fim de semana para reparar a rede elétrica, comunidade que desenvolve tecnologia de tratamento de água ou que, literalmente, levanta a escola do zero. O trabalho coletivo é acompanhado de diálogo com o poder público e com constantes reivindicações, mas as questões mais emergenciais tendem a ser resolvidas internamente.
Todo ano a gente faz o arraiá da escola, com as barraquinhas de comida. Fizemos rifa e usamos o dinheiro da venda para comprar ar condicionado para as salas, porque não tinha em todas.
(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA)
Com muita luta, a comunidade conseguiu fazer com que a seleção para professoras e professores fosse específica para a comunidade. Quer dizer, apenas docentes daqui podem dar aula em nossas escolas. Assim, geramos mais renda e emprego para a comunidade e motivamos a juventude a continuar estudando, porque eles sabem que vai haver uma forma de trabalhar por aqui. Na escola, armamos os estudantes com nossas histórias, tradições e ancestralidade. Quem melhor para fazer isso do que o próprio povo?
(Professora de escola quilombola, Salgueiro-PE)
Nossa estrutura é precária, mas antes era ainda pior, não tinha sequer energia. Vem melhorando com recursos que vêm do Estado: as salas são de madeira com piso bruto, tem energia elétrica, mas ainda não tem forração. As portas e janelas são de madeira e construídas pela comunidade, temos laboratório de informática, embora os computadores não sejam novos. Para quem não tinha nada, foi uma evolução. Mas nada veio de reconhecimento do governo e sim de muita luta e enfrentamento. É uma luta diária, mas não dá pra desistir, porque se não tivéssemos lutado não teríamos conquistado o que temos hoje. Para o governo talvez fosse mais fácil botar todos os estudantes dentro de um ônibus e ir para a cidade, mas não é o que a comunidade quer e isso descaracteriza o estudante do campo. Nossa luta é pela manutenção da escola do e no campo.
(Diretor de escola do campo, Cascavel-PR).
Em Salvaterra há 12 escolas dentro dos territórios quilombolas, e conseguimos renomear todas como escolas quilombolas. E desde 2012 lutamos para implementar as diretrizes para educação escolar quilombola. Conseguimos inserir no Plano Municipal de Educação o currículo para educação escolar quilombola. É uma história de muita luta, diálogo, do movimento sempre se articulando fortemente.
Técnica em educação e liderança quilombola, Salvaterra-PA
Propostas de planos de aula, projetos interdisciplinares e sequências didáticas podem ser apresentados até 29/11. As dez mais criativas e engajadoras serão reconhecidas publicamente em cerimônia com o Fundo Malala.
Até o dia 29 de novembro estarão abertas as inscrições para o Edital Público Igualdade de Gênero na Educação Básica: prevenindo violências, enfrentando desigualdades e promovendo direitos. Escolas, universidades, organizações da sociedade civil, coletivos juvenis, movimentos sociais e profissionais de educação estão convidadas/os a apresentarem propostas de planos de aula, projetos interdisciplinares e sequências didáticas. Serão valorizadas propostas que articulem gênero, raça e diversidade sexual em uma perspectiva interseccional.
As propostas aprovadas serão reconhecidas publicamente em evento virtual e vão compor um banco de aulas público, disponível para todas as escolas do Brasil. As dez mais criativas e engajadoras receberão um leitor digital e uma bolsa de estudos para um curso à escolha no Centro de Formação Educação Popular, Cultura e Direitos Humanos da Ação Educativa.
Promovido por diversas instituições e redes comprometidas com a luta pelo direito humano à educação de qualidade, pela democracia e pelos direitos das crianças e dos adolescentes, das mulheres, da população negra e da população LGBTQI+, o Edital Público visa reconhecer as iniciativas e os acúmulos de educadoras, educadores e comunidades escolares; promover intercâmbios; inspirar novas experiências e reagir à imposição de censura e autocensura por parte de movimentos ultraconservadores que atuam em uma perspectiva anticiência e contra direitos conquistados pela sociedade brasileira nas últimas décadas.
Reafirmando os marcos legais que dão base à promoção da igualdade de gênero nas escolas, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos históricos, ocorridos ao longo de 2020, definiram como inconstitucional a atuação autoritária desses movimentos que defendem a proibição do debate de gênero nas instituições de ensino. Além disso, o STF determinou como dever do Estado brasileiro a abordagem de gênero na escola como forma de prevenir a violência e o abuso sexuais sofridos por crianças, adolescentes, mulheres e a população LGBTQI+ em geral. Por meio de suas decisões, o STF reafirmou os princípios constitucionais da liberdade de cátedra do professorado, da pluralidade pedagógica, da liberdade de ensinar e aprender e o direito de estudantes acessarem conteúdos escolares e conhecimentos científicos ainda que estes contrariem as crenças e doutrinas de suas famílias.
Para Denise Carreira, coordenadora institucional da Ação Educativa e ativista da Rede Internacional Gulmakai, fundada por Malala Yousafzai (Prêmio Nobel da Paz), a abordagem da igualdade de gênero nas escolas é fundamental para a construção de uma cultura democrática no Brasil. “Não tratar de gênero gera e alimenta diversos problemas sociais: o abuso sexual de crianças e adolescentes, a violência contra mulheres, a violência contra a população LGBT, o genocídio da juventude negra, a discriminação sofrida por mulheres negras e tanta outras desigualdades. Precisamos promover a igualdade de gênero nas escolas como parte do direito à educação de qualidade, do direito ao acesso ao conhecimento científico e combater toda a desinformação, preconceito e pânico moral”, afirma.
Com o apoio do Fundo Malala, a promoção do Edital conta com as seguintes organizações, redes e núcleos de pesquisa: Ação Educativa; ABEH – Associação Brasileira de Ensino de História; ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos; ABIA- Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS; ABLBTI – Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexo; AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras; Anaí – Associação Nacional de Ação Indigenista; ANAJUDH-LGBTI – Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBT; ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; Anis – Instituto de Bioética; ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação; ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais; Artigo 19; Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Catarinas; Cedeca CE – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará; CFemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria; Cidade Escola Aprendiz; CLADEM Brasil – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; CONAQ – Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas; CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino; De Olho nos Planos; Defensoria Pública do Estado de São Paulo – Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos das Mulheres; DIVERSIAS – Grupo de Estudos em Diversidade, Educação e Controvérsias da PUC-Rio; ECOS – Comunicação e Sexualidade; EdGES – Gênero, Educação e Cultura Sexual da FEUSP-CNPq; FOPIR – Fórum Permanente de Igualdade Racial; GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero; GEERGE Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Faculdade de Educação UFRGS; Geledés – Instituto da Mulher Negra; GEPCEB – Grupo de Estudos e Pesquisa: Conservadorismo e Educação Brasileira da UFF; GPTEC- Grupo de Pesquisa em Tecnologia Educação e Cultura da IFRJ; IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos; Instituto Patrícia Galvão – Midia e Direitos; Justiça Global; LAEDH – Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II; MMM-SP – Marcha Mundial de Mulheres; Movimento Educação Democrática; Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte; NOSSAS – Rede de Ativismos; Odara – Instituto da Mulher Negra; OLÉ – Observatório da Laicidade na Educação; PCESP- Professores contra o Escola sem Partido; Plataforma Dhesca; Portal Catarinas; REPU – Rede Escola Pública e Universidade; SBEnBio – Associação Brasileira de Ensino de Biologia; SPW – Observatório de Sexualidade e Política; Terra de Direitos; UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.