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Ação no STF questiona uso do Disque 100 para perseguição política

Governo Federal instrumentalizou o canal para recebimento de denúncias sobre abordagem de gênero nas escolas e exigência de comprovante de vacina, em desrespeito a decisões do STF

“Conceitos de direitos humanos vêm sendo subvertidos de forma a permitir a execução de uma política de vigilância, perseguição, discriminação e repressão, sobretudo nos campos da Educação e da Saúde”. É o que afirma uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), protocolada nesta terça-feira (8) pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) em articulação com ativistas e operadores de direito que atuam na defesa dos direitos humanos.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 942 aponta que o governo federal, em total desacordo com a jurisprudência do STF, vem usando o Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos – para constranger profissionais de educação, profissionais de saúde, demais cidadãos e instituições com perspectivas diferentes às do governo federal em questões como vacinação, identidade de gênero e orientação sexual.

Criado em 1997 como iniciativa de organizações da sociedade civil, o Disque 100 é um serviço público vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) que tem a função de receber, analisar e encaminhar denúncias de violações de direitos. Além disso, a sistematização das denúncias recebidas é um instrumento para que gestores públicos, sociedade civil e pesquisadores possam monitorar a situação dos direitos humanos no país. No entanto, o canal foi reformulado no governo Bolsonaro. Uma das mudanças foi a inclusão da expressão “ideologia de gênero” como motivação para violação de direitos humanos, como forma de estimular denúncias contra profissionais de educação que abordem a questão nas escolas.

Em decisões recentes, o Supremo considerou inconstitucionais leis municipais e estaduais que proibiam a abordagem de conteúdos ligados a gênero e sexualidade nas escolas, que se apoiavam na categoria “ideologia de gênero”. O STF também determinou ser dever do Estado brasileiro abordar a igualdade de gênero na escola como forma de prevenir a violência doméstica e o abuso sexual de crianças e adolescentes. Discurso criado nos anos de 1990 por setores conservadores da Igreja Católica, a chamada “ideologia de gênero” se constituiu em resposta reacionária contra o avanço dos direitos das mulheres e da população LGBTQIA+ no plano internacional.

Uma das preocupações das entidades proponentes da ADPF é com o acionamento de órgãos policiais a partir das informações recebidas pelo Disque 100 contra profissionais de educação da saúde. Isso aconteceu em dezembro de 2021 no município de Resende (RJ), onde a direção da Escola Municipal Getúlio Vargas recebeu intimação da Polícia Civil devido a uma denúncia anônima por supostamente expor os alunos a “conceitos comunistas” e a “ideologia de gênero”. Outro caso envolveu uma professora de filosofia da escola estadual Thales de Azevedo em Salvador (BA) por abordar questões de gênero, racismo e sexualidade. Mais recentemente, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disponibilizou o Disque 100 para recebimento de denúncias relativas à exigência de certificado de vacina de Covid-19 para acesso a locais públicos ou privados, contribuindo para situações de constrangimento e agressões contra profissionais da saúde e comprometendo diretrizes de saúde pública em contexto pandêmico. A ação do governo acarretou ainda no baixo índice da vacinação infantil contra a Covid-19, apesar da alta capacidade do sistema de saúde do país. Segundo dados dos veículos da imprensa obtidos com as secretarias estaduais, apenas 18,8% das crianças de 5 a 11 anos no Brasil receberam a primeira dose do imunizante.

“O Disque 100 foi instrumentalizado para burlar jurisprudências estabelecidas pelo STF, tanto em relação à abordagem de gênero na educação como em relação à vacinação. Para piorar, essas denúncias são enviadas a órgãos policiais sem que se decline o crime que se deve apurar. Com isso, o aparato policial é utilizado para gerar medo e inibição de práticas absolutamente legais e constitucionais, endossadas por esse Supremo Tribunal Federal”, afirma a advogada e ex-Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, uma das representantes das entidades na ADPF, que conta também com a representação do grupo de advogados da Rede Liberdade, liderado pela advogada Juliana Vieira dos Santos.

Outro problema apontado é que o funcionamento atual do Disque 100 invisibiliza os dados de violências contra pessoas LGBTQIA+. “Da forma como está estruturado, fica impossível obter dados sobre violência motivada por homofobia e transfobia. Essas informações são essenciais para que os estados e municípios elaborem políticas de enfrentamento a esses casos”, explica Marco Aurélio Máximo Prado, professor da UFMG e coautor de um estudo sobre as mudanças no serviço.

Mudanças no Disque 100 e pedidos ao STF

Em abril de 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou o Manual de Taxonomia de Direitos Humanos, com a função de classificar as notificações recebidas pelo Disque 100. Nesse documento, foi incluída entre os indicadores de motivação das violações o item “Em razão da orientação sexual / ideologia de gênero”. Segundo estudo realizado por pesquisadores da UFMG, o Manual promove um apagamento das violências de caráter homofóbico e transfóbico, devido ao termo vago “orientação sexual” e por dividir espaço com a questionada categoria “ideologia de gênero”.

O caso Disque 100 constitui mais uma das medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que atacam ações e políticas comprometidas com a igualdade de gênero e a diversidade sexual no país, realidade abordada pelo Relatório “Ofensivas Antigênero no Brasil: políticas de Estado, legislação e mobilização social, publicado em outubro de 2021 e submetido ao Mandato do Perito Independente das Nações Unidas sobre Orientação Sexual e Identidades de gênero e Direitos Humanos por um conjunto de organizações da sociedade civil brasileira.

O MMFDH também editou uma nota técnica em que afirma ser uma violação de direitos humanos a exigência de comprovante de vacina para acesso a locais públicos ou privados. O Disque 100 foi disponibilizado para recebimento desse tipo de denúncias, em mais uma ação de combate às medidas de contenção da pandemia de Covid-19. Mais uma vez, a instrumentalização do Disque 100 desrespeita decisão do Supremo, que afirmou a legalidade de restrições indiretas para ampliação da cobertura vacinal no país.

As proponentes da ADPF solicitam que o STF urgentemente determine a remoção da expressão “ideologia de gênero” do Manual de Taxonomia de Direitos Humanos e do Painel de Dados do Disque 100; a inclusão da categoria identidade de gênero e de indicadores de violações de direitos contra a população LGBTQIA+; a suspensão da nota técnica do MMFDH que questiona a obrigatoriedade do Certificado Nacional da Vacina e da vacinação infantil; e a exigência de que o encaminhamento de denúncias do Disque 100 aos órgãos policiais só aconteça na hipótese de crime tipificado em lei, constando o tipo penal específico.

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O ataque ao INEP no governo Bolsonaro

Autarquia vem sofrendo sucessivos desmontes na atual gestão, prejudicando o planejamento de políticas educacionais a longo prazo. Servidores resistem

Servidores do INEP protestam, em novembro, contra os desmontes na autarquia. Dezenas de pessoas reunidas, de máscaras, em frente ao prédio do INEP, com cartazes com os dizeres "Assédio moral não" e "respeitem a história do INEP".
Servidores do INEP protestam, em novembro, contra os desmontes na autarquia. Foto: divulgação

Texto: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) tem como objetivo promover estudos e avaliações periódicas sobre o sistema educacional brasileiro a fim de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas, como o Plano Nacional de Educação (PNE). É fundamental para pensar a Educação a longo prazo. Não à toa, está sob ataques do governo Bolsonaro desde o início da gestão. Nos últimos anos, o INEP tem sofrido com sucessivos desmontes de sua estrutura, que afetam a capacidade da autarquia ligada ao MEC de cumprir suas funções, isso quando não é alvo de intervenções explicitamente político-ideológicas. 

O Enem ilustra esse processo. A maior prova de acesso ao ensino superior do país incomoda o governo federal – pelos temas das redações, pelas menções à ditadura militar, por seu papel na democratização das universidades do país. Nas vésperas da edição de 2021, Bolsonaro chegou a declarar que a prova teria a “cara de seu governo”, indicando uma intervenção político-ideológica em sua formulação. Ficou na intenção, porque as mudanças desejadas esbarram na burocracia do órgão e exigem mais do que o desejo de um único governante. “Nós, servidores públicos, só podemos fazer o que está previsto em lei. Para alterar o Enem precisa mexer em outras normas que o regulam, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Não basta um comando de voz de uma empresa contratada”, enfatiza Alexandre dos Santos, servidor do órgão desde 2008. 

Alexandre foi um dos servidores que, em novembro, assinou um documento com uma compilação de denúncias de casos de assédio moral e tentativas de intervenção no Enem partindo da nova diretoria do INEP. O material foi entregue à Câmara dos Deputados, ao Tribunal de Contas da União, à Controladoria-Geral da União e à ouvidoria do próprio INEP. Alexandre avalia que, depois de um período de fortalecimento, tanto o Inep como o aparato estatal como um todo vêm sendo atacados, num processo que se intensificou com a chegada de Bolsonaro ao poder. O Enem é o alvo preferencial – e talvez o mais visível – dos ataques, sendo parte de “um instrumento de guerra ideológica criada por Bolsonaro”, segundo o servidor. Essa guerra se materializa com as sucessivas trocas de dirigentes e com os ataques à burocracia – por exemplo, com a proposta de Reforma Administrativa, que retira a estabilidade dos servidores, tão crucial para evitar que o Enem 2021 tivesse a “cara do governo”. 

>>>>>>> Leia: Os impactos da Reforma Administrativa para a Educação 

Nessa sucessão de trocas de diretoria, a última foi a que mais preocupou os servidores do INEP. Atitudes do atual diretor, Danilo Dupas Ribeiro, sinalizaram a terceirização do banco de itens do Enem, além de ser uma gestão marcada por ações – descritas na carta denúncia entregue em novembro – classificadas pelos funcionários como intimidatórias e de assédio moral. A gota d’água foi Danilo se retirar do plantão no fim de semana de aplicação do Enem, deixando as responsabilidades daquele fim de semana para os servidores. A situação ficou tão insustentável que, na semana da prova, 35 funcionários entregaram seus postos de chefia, sinalizando que não queriam participar do projeto em curso. Todo esse processo é resumido por Alexandre da seguinte maneira: “As trocas de gestão por si só sinalizam um enfraquecimento, uma vez que a administração pública exige conhecimento sofisticado e há uma curva de aprendizagem para entender o INEP. Trocas frequentes na diretoria acabam diminuindo a velocidade das entregas do órgão. Com Danilo, um novo projeto ficou visível, um projeto que quer enfraquecer o instituto e, na verdade, a capacidade do Estado de produzir informações. É um projeto de desmantelamento da capacidade estatal de entender o que está acontecendo e formular políticas públicas a partir disso”. 

Efeitos a longo prazo

Desde o início da gestão Bolsonaro, isso também tem acontecido no IBGE (com o adiamento do Censo 2020, ainda não realizado) e no INPE (atacado por Bolsonaro por publicizar os dados do desmatamento, o que levou a uma troca na gestão). Romualdo Portela, presidente da ANPAE, destaca a gravidade do que está em curso e as consequências nefastas para a educação, já que sem dados confiáveis não é possível fazer um planejamento educacional de qualidade. “O INEP é responsável pelos Censos da Educação Superior, do Magistério, além das provas nacionais. Se não temos dados sobre acesso e progresso no sistema, não sabemos o que precisa ser enfrentado pelas políticas públicas”. 

Romualdo preocupa-se especialmente com a Prova Brasil (de avaliação da Educação Básica), pois o modelo atual só tem vigência até 2022, e ainda não há informações suficientes sobre como será a nova versão. “O MEC destituiu a comissão de ex-presidentes do INEP que estava encarregada de pensar alternativas, substituindo por uma comissão com pouca familiaridade em avaliações educacionais. Nessa gestão, tudo o que se refere a planejamento está em risco. O que já foi planejado – como o Enem, que já tinha uma estrutura razoavelmente estável – está sendo mal executado, mas a margem para destruição é menor. Mas tudo que é planejamento está num nível preocupante”, diz ele, que ressalta haver um limite na capacidade de resistência dos servidores, sendo necessária uma grande mobilização popular em defesa do INEP. 

Movimentação parlamentar

A recente movimentação dos servidores parece ter iniciado essa mobilização de que fala Romualdo: senadores e deputados criaram uma Comissão Mista justamente com o objetivo de avaliar qual a situação das políticas públicas do INEP e se elas estão sendo intencionalmente prejudicadas – iniciativa celebrada pelo servidor Alexandre Santos. Como explica o deputado Professor Israel (PV-DF), membro da comissão, também está no escopo da Comissão entender se o banco nacional de itens do Enem está propositalmente esvaziado para viabilizar uma terceirização e identificar se as avaliações futuras estão garantidas, já que trazem as informações para elaborar, executar e avaliar políticas públicas em educação. A iniciativa também deve investigar a demissão massiva dos servidores e suas denúncias, bem como trabalhar para aprovar leis que beneficiem o órgão. Um exemplo é a PEC 27/2021, que propõe mais autonomia para INEP, IPEA e IBGE. “Entendemos que mais autonomia é necessária porque o INEP produz dados que, em última análise, podem constranger o governo. Por isso, não pode ser excessivamente submisso”, diz o parlamentar.

O desmonte tem cor, etnia e classe

As tentativas de desmonte do INEP, junto a outras políticas do governo Bolsonaro em Educação, são, também, um meio de mantê-la como um privilégio de poucos. O Enem 2021 teve o menor número de inscritos desde 2005 e também foi a edição mais branca da história. Dentre os motivos, está o fato do MEC não ter autorizado a inscrição gratuita a quem faltou ao exame de 2020 por causa da pandemia. Como lembra Alexandre Santos, essa é a materialização do projeto contra o qual os servidores se insurgiram. “Um projeto que promove desigualdade, amplia exclusão e cria mais barreiras para o pobre ter acesso. Isso está impresso nas estatísticas, e as estatísticas dificultam a manutenção do discurso. Se não há evidências, qualquer discurso cabe”, diz ele. 

Segundo dados do INEP, 82% dos jovens pobres são negros. E, como lembra a professora Analise da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a desigualdade e a política de exclusão começam muito antes do Enem. “O novo Ensino Médio, por exemplo, com seus percursos formativos, traz uma “escolha” que não é escolha: cursar a formação profissional, que já permite o trabalho em pouco tempo, ainda que de forma precária, ou a universidade, com uma promessa de renda daqui vários anos. Dito de outro modo, mesmo aqueles jovens pobres que chegam ao Enem, chegam em condição de desigualdade. Trabalham com salários defasados, em condições precárias e frequentemente na informalidade. Se são aprovados, encontram uma universidade em contexto de redução de bolsas e políticas de permanência estudantil”, elenca. Parafraseando Darcy Ribeiro: não é crise, é projeto. 


Entenda como os ataques a gênero afetam o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

Edital do PNLD 2023 retira a afirmação da defesa dos direitos humanos e privilegia a alfabetização pelo método fônico.Alterações no PNLD são parte de intensificação de ataques a gênero na Educação, segundo aponta relatório da sociedade civil

Texto: Nana Soares

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma política pública de apoio à produção de materiais pedagógicos que são distribuídos gratuitamente para cerca de 47 milhões de estudantes da Educação Básica. Os livros são selecionados através de editais periódicos que estabelecem os parâmetros para esses materiais. 

O atual edital do programa, que terá efeitos a partir de 2023, traz mudanças sutis, mas significativas em relação aos anos anteriores: A violação de direitos humanos deixou de ser um critério eliminatório e priorizou-se a alfabetização pelo método fônico, apesar da diversidade de metodologias existentes e aplicadas no Brasil. Essas alterações estão inseridas em um contexto de ataques aos direitos humanos na Educação com o argumento da “neutralidade ideológica”, que inclui a supressão de temas de gênero, raça e sexualidade.

Os editais anteriores do PNLD excluíam, desde 2013, todo material pedagógico que veiculasse “preconceitos de condição social, regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual ou de linguagem, assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos”. Isso mudou na Chamada 2021, quando a não violação de direitos passou a ser um critério avaliativo, mas não eliminatório. E violências específicas deixaram de ser nominadas.

Confira algumas das alterações feitas no PNLD 2023

PNLD 2023: Exclusão da premissa de não discriminação

A exclusão da premissa da não discriminação está sendo contestada judicialmente por diversas entidades da sociedade civil, como Ação Educativa, Geledés, Campanha Nacional pelo Direito à Educação e ABGLT. As organizações entraram com uma ação civil pública com um pedido de liminar, propondo novas cláusulas para o edital PNLD 2023, com vistas a restaurar os critérios de exclusão de obras que violam direitos humanos e abrir um novo prazo para adaptação das editoras aos efeitos da eventual decisão. O pedido de liminar (que garantiria que as demandas fossem concedidas emergencialmente enquanto o juiz analisa a ação) foi negado, mas o processo segue em andamento seu conteúdo ainda será analisado.

O grupo de entidades destaca que a alteração na redação configura um retrocesso em direitos humanos e um apagamento de grupos minoritários, enfraquecendo sua proteção. “As mudanças buscam, ainda que não explicitamente, combater a chamada ‘ideologia de gênero’”, destaca Marco Aurélio Prado, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Fórum das Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Letras, Linguística e Artes. O Fórum publicou um manifesto em abril contra as alterações e reuniu-se com integrantes do MEC para discuti-las ainda antes da judicialização. “O PNLD reflete e atualiza as discussões de direitos que vieram depois de 1988. Por exemplo, a criminalização da homofobia. Portanto, não basta que o PNLD se atenha ao que está de modo genérico na Constituição e ignore as novas leis”, explica ele.

A cláusula de exclusão por violações de direitos humanos foi um incentivo para as editoras abordarem esses temas. Também por isso, reforça Marco, a mudança é um retrocesso. “Ela retira o fortalecimento dos direitos das minorias e não impede que uma editora se inscreva com um livro que não fala de pessoas LGBTQIA+, por exemplo”. Na avaliação do professor da UFMG, a ação judicial foi fundamental para que a sociedade civil registrasse sua oposição ao retrocesso

PNLD 2023: favorecimento do método fônico

Há ainda outra mudança com efeitos em gênero, sexualidade e direitos humanos – embora não se perceba isso à primeira vista. O Edital 2021 privilegia materiais didáticos formulados sobre o método fônico de alfabetização em detrimento a outras metodologias. Faz isso de maneira indireta, vinculando-se ao Programa Nacional de Alfabetização. O método fônico tem um viés tecnicista, desconsiderando o contexto das crianças em alfabetização ou o uso social da leitura e da escrita. É considerado por educadores um método ultrapassado e ineficaz para a aprendizagem.  

Por isso, entidades do campo da linguística e da alfabetização também ajuizaram uma ação contestando a preferência pelo método fônico no novo edital. Elas argumentam que a mudança exclui a pluralidade de metodologias, especialmente as que consideram a contextualização da leitura e escrita a partir da realidade social dos estudantes. Também reforçam que essa pluralidade está garantida na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e na Base Nacional Comum Curricular. Portanto, se o edital desconsidera essas legislações, é inconstitucional e ilegal. 

“Nos baseamos em critérios técnicos e nesse caso há um problema muito grave e evidente de inadequação às legislações existentes. Mas o favorecimento do método fônico tem implicações para os direitos humanos, já que a pluralidade de concepções pedagógicas não é apenas um critério técnico. Garantir a pluralidade é garantir que as crianças não apenas consigam decodificar palavras, mas que sejam leitoras aptas a interpretar um texto e o mundo em que ele foi escrito”, diz Lucas Moraes, advogado e integrante do Projeto Liberdade, responsável pela ação judicial. Atualmente, a ação está parada no Superior Tribunal de Justiça, que precisa decidir em que foro ela será julgada.

Ataques a gênero na educação

A “higienização” do PNLD 2023 é apenas um dos ataques a gênero visto nos últimos anos. A publicação “Ofensivas Antigênero no Brasil: políticas de Estado, legislação, mobilização social”, recém lançada por uma coalizão de organizações, detalha esses ataques, bastante pronunciados desde a elaboração do Plano Nacional de Educação. Além disso, o repúdio à linguagem neutra, a agenda pela Educação Domiciliar e pela militarização das escolas compõem esse contexto de ofensivas.

Para se ter uma ideia, no fim de 2020, haviam 23 projetos de lei no Congresso Nacional remetendo ao Escola sem Partido ou a legislações antigênero, além de propostas para criminalizar a “ideologia de gênero” ou que classificam a abordagem de gênero e sexualidade como um incentivo à pornografia infantil. A Educação Domiciliar e as escolas cívico-militares também têm ganhado força. As duas modalidades são defendidas com argumentos de “proteção” das crianças e adolescentes da “desordem” que estaria dominando as comunidades escolares. Mas tanto a educação domiciliar quanto as escolas cívico-militares prezam por lógicas hierárquicas e pelo controle dos corpos e da sexualidade. Assim, tendem a estimular a discriminação, especialmente contra jovens negros e LGBTQIA+.

Também se multiplicaram projetos para proibir a linguagem neutra, fazendo defesa intransigente da norma culta para censurar o debate sobre igualdade de gênero e diversidade e associando a linguagem neutra à “ideologia de gênero”. Isso pode ser uma estratégia para driblar decisões recentes do STF, que já reconheceu a legitimidade da abordagem de gênero e sexualidade na educação.

Mais detalhes dos ataques a gênero na Educação e em outras áreas sociais podem ser lidos na íntegra acessando a publicação

Fonte: Gênero e Educação

“Militarizar escolas é negar o direito à Educação”, diz professora Catarina de Almeida Santos

Professora da UnB reforça que a “pedagogia do quartel”, ao prezar pela obediência e padronização de corpos e sujeitos, vai na contramão do que deveria ser o papel da escola

A professora Catarina de Almeida Santos defende que a militarização não começou no governo Bolsonaro, embora tenha se intensificado pela gestão

Embora não existam números precisos, a militarização das escolas é um fenômeno crescente no Brasil – e que não tem explicação ou análise simples. Foi o que nos explicou Catarina Almeida, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. Em uma entrevista imperdível, ela detalha porque esse fenômeno vai contra o direito à educação e os valores pregados na Constituição Federal de 1988. Ela defende que não há bases legais que sustentem a militarização nos termos em que esta vem ocorrendo. Leia a entrevista completa a seguir.  

A entrevista foi editada para fins de concisão e compreensão. 

De Olho nos Planos: O que é a militarização das escolas?

Catarina de Almeida Santos: É a transferência do processo de gestão das escolas civis públicas para a Polícia Militar. 

Existem as escolas militares, que são as das corporações (Escolas dos Bombeiros, da PM, do Exército, etc). Essas são originalmente criadas como militares e têm um conjunto próprio de características. Por exemplo, podem cobrar taxas ou mensalidades, são criadas para atender dependentes de militares, podendo destinar algumas vagas para demais estudantes da comunidade, que ingressam por processos seletivos diversos. E, embora sigam as leis da área de Educação, têm como base central o regimento das corporações. Já as escolas militarizadas são civis e públicas. São escolas que, por decisões dos gestores, são militarizadas, ou seja, o processo de gestão (administrativo, pedagógico ou disciplinar) é repassado para o comando das polícias. 

De Olho nos Planos: Como vem se dando a militarização das escolas no Brasil? 

Catarina de Almeida Santos: O processo de militarização se dá de diversas formas: nas redes estaduais, há um processo direto de convênio entre a Secretaria de Educação (Seduc) e a Secretaria de Segurança Pública; nos municípios que não possuem polícia própria, isso se dá por assinatura de um termo de cooperação entre o município e o comando de uma das corporações, geralmente bombeiros e PM. Nesse caso, as escolas passam a contar com comandantes e monitores responsáveis por implementar a chamada “metodologia dos Colégios da Polícia Militar”. Existem casos em que militares e ex-militares criaram empresas sem fins lucrativos para vender essa metodologia. 

Por último, há também as escolas militarizadas por meio do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado por Decreto em 2019. Nesse modelo, o estado ou o município assinam um termo de cooperação com o MEC e, a partir desse termo, policiais militares ou das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) podem atuar dentro das escolas, com função pedagógica, administrativa e disciplinar. 

Em comum a todas essas formas de militarização, temos o que eu chamo de pedagogia do quartel, que inclui a padronização do comportamento, disciplina rígida, hierarquia, obediência pelo medo e a reprodução de ritos e comandos típicos do militarismo. E o preocupante é que a militarização vem se expandindo muito, num processo que começa no final da década de 1990, com a militarização de uma escola estadual em Goiânia (GO), contando com períodos de picos de expansão, como 2013, 2017 – 2018 quando muitas escolas municipais foram militarizadas na Bahia – e a partir de 2019. Entre os primeiros decretos do governo Bolsonaro estava o Nº 9.465, de 02/01/2019, que fez a reestruturação do MEC e criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim). E a partir daí não apenas observamos uma expansão do processo, especialmente  nos municípios, mas também a mudança na nomenclatura, porque até então o processo de militarização não utilizava essa denominação.

De Olho nos Planos: Isso veio com o Pecim?

Catarina de Almeida Santos: O Pecim foi criado por decreto em setembro de 2019, com adesão voluntária de estados e municípios. Segundo o decreto, as escolas que aderissem ao modelo receberiam um milhão de reais por ano. Mas é importante frisar que embora o Pecim impulsione o processo de militarização, o maior número de escolas militarizadas no país não está nesse modelo. O Pecim até hoje não conseguiu cumprir seu objetivo de militarizar 54 escolas por ano, mas ele fez com que a militarização entrasse na agenda nacional, o que impulsiona o processo no país ainda que a escola não se militarize via Pecim.  

É difícil saber o número exato de escolas militarizadas porque nem sempre esse processo é concluído pelos governos e principalmente porque o Brasil é um país com muitos municípios, então nem sempre a militarização é anunciada. O que sabemos, por anúncios em leis, é que as escolas militarizadas já passam de 500. Mas em um único anúncio em 2020, o estado do Paraná anunciou que 216 das cerca de 2 mil escolas da rede estadual passariam pelo processo de militarização.

De Olho nos Planos: E por que a militarização é um processo preocupante? 

Catarina de Almeida Santos: Educação e segurança são dois direitos sociais fundamentais, mas com princípios muito diferentes. Não se resolve os problemas da educação deixando quem não entende cuidando da área, sobretudo em um país como o Brasil, onde via de regra os policiais são formados para o confronto e a violência. 

A segurança pública segue uma lógica militar, de hierarquia, disciplina, obediência e relações verticais, o que chamamos de pedagogia do quartel. Essa não é uma pedagogia que pode servir à escola e aos processos educativos, na verdade são relações diametralmente opostas. Ao militarizar as escolas, o policial fará dentro dela o que ele sabe fazer, que não tem nada a ver com o nosso entendimento de educação que é de uma escola que seja pública e de todos os públicos, construída em torno de relações horizontais. Uma escola onde a disciplina é a da convivência, do respeito, do aprendizado com as diferenças. Acho que a pedagogia da escola deveria fazer parte do quartel e não o contrário. 

As pessoas enxergam as escolas militarizadas como um caminho por conta de muitos argumentos. A segurança é um desses argumentos, mas o ponto é que se a polícia precisa ir para dentro escola pra ela ser segura, significa que a polícia falhou em sua função social. Não existe escola violenta em sociedade segura. Outro argumento é o da disciplina, que também se relaciona com a violência. É a disciplina da polícia – baseada na hierarquia, no comando, na obediência – que queremos? Queremos viver em uma sociedade onde uma pessoa não mata outra porque tem alguém vigiando, e não porque respeita o próximo? E ainda tem a questão do rendimento, mas o papel da escola é o rendimento ou ele é uma consequência (e não causa) do processo educativo? 

Primeiro dia de aulas no CED 01 da Estrutural, uma das escolas públicas do DF onde foi implementado o modelo cívico-militar. Modelo intensificado no governo Bolsonaro intensifica exclusões no ambiente escolar


De Olho nos Planos: E como a militarização afeta a população negra, meninas e a população LGBTQ+? 

Catarina de Almeida Santos: Militarizar a escola faz com que ela funcione a partir de uma lógica de uniformização dos corpos, sujeitos, dos comportamentos, do linguajar. Tudo isso passa a ser uniformizado, e a uniformização é um processo que nega os sujeitos, porque os sujeitos são, em si, diversos. Por isso digo que militarizar a escola é negar direito à educação. Educação tem a ver com o desenvolvimento pleno dos sujeitos, de suas especificidades, de formar uma pessoa para a vida em sociedade. A militarização nega essa lógica. Ao proibir a demonstração de afetividade, regular as maneiras de sentar, de correr, obrigar a bater continência, está se formando um sujeito que entende que a única possibilidade do certo é obedecer aquela lógica. É um sujeito que não está preparado para viver em uma sociedade diversa. Ou seja, o direito à educação é negado. 

Nessa linha, a escola precisa ser espaço de formação contra a barbárie, um espaço em que se desnaturalize as mazelas da sociedade, como o racismo, machismo, homofobia e transfobia. Um local onde se debate o patriarcado, a educação sexual, violência contra mulheres. Quando esse espaço é militarizado e o debate não pode ser dado dentro da escola, estamos formando para a barbárie, para a naturalização e manutenção das lógicas estabelecidas. Não se pode debater tais questões em uma escola que segue a lógica de uma polícia que dizima uma população periférica e preta. 

A militarização define um mesmo tipo de roupa, de cabelo, que é imposta pela branquitude. Quantos anos levamos para fazer com que pessoas negras assumam seus cabelos? Para que tenham orgulho de suas crenças, ancestralidades, vestimentas? Quem precisa reafirmar suas identidades são as populações originárias e escravizadas, que por muito tempo tiveram que se submeter a um padrão estabelecido pela branquitude. A mesma coisa a heteronormatividade, o machismo, já que se impõe uma forma de comportamento para meninas e meninos. Nós lutamos tanto para incluir essas demandas na Constituição de 1988, para tipificar o racismo como crime, para olhar para a educação como direito e não como privilégio, e militarizar a escola uniformiza tudo e todos e nega essas lutas. Não são escolas para pobres ou negros, eles não vão ficar lá dentro. 

De Olho nos Planos: Pode falar mais sobre como a escola deixa de ser de todos? Isso pode levar a evasão escolar? 

Catarina de Almeida Santos: Ao militarizar uma escola, eu a transformo em um lugar de privilégio, de exclusão dos que sempre foram excluídos. Essas escolas transferem aqueles e aquelas que não se adequam ao projeto. Inclusive, está presente em muitas normativas que quem não concorda com o projeto tem o “direito” a ser transferido, bem como a maior punição para as faltas é a transferência. Não se adequar ao projeto é tanto o não concordar mas também tem a ver com o rendimento do aluno, então quem em geral tem problemas de rendimento, o que sabemos ser influenciado por fatores sociais, será excluído. Os dados das primeiras escolas públicas militarizadas de Goiás mostram que o aluno que já tinha rendimento médio continua tendo rendimento médio após a militarização, e a mesma coisa para o de rendimento alto, mas os alunos de baixo rendimento são transferidos. 

Há ainda muitas escolas que exigem a compra de farda, traje de gala, ou até mesmo cobra uma pequena mensalidade para que a escola fique mais bonita. Além disso, há normativas que determinam que naquele sistema de ensino não pode haver distorção de idade/série. Qual escola pública não tem distorção idade/série? Só pode ser uma escola onde não cabem estudantes com necessidades educativas especiais, onde não cabe pobre. Dito de outro modo, a militarização mantém uma lógica de resultados, e faz isso transferindo o aluno problema. Isso faz com que ela deixe de ser uma escola pública. Se ela seleciona os alunos, já deixou de ser uma escola pública. 

De Olho nos Planos: Se a militarização não começou com o governo Bolsonaro, basta a troca de governo para reverter esse fenômeno? Como podemos encarar esse problema? 

Catarina de Almeida Santos: Uma eleição resulta de uma lógica posta na sociedade. A militarização não começou com o Bolsonaro, ele pegou carona em uma política que já estava em curso. O que é possível resolver com a saída de Bolsonaro (e supondo que o novo governo queira encarar essa briga) é o fim do Pecim, porque ele é só um programa. Mas acredito que para fazer o enfrentamento podemos questionar as bases legais da militarização. Mas, principalmente, precisamos construir um debate sobre a sociedade que queremos. 

Acredito que questionar as bases legais seja uma estratégia mais efetiva, porque não há base suficiente para a militarização. A rigor, quem define o que pode e o que não pode na escola são as leis do campo da educação, e elas dizem que policiais ou outros profissionais não podem ser professores ou gestores se não têm a formação para isso. Tanto a Constituição como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) tratam a Educação como direito de todos. Ainda, a LDB define quem são as e os profissionais da educação e qual formação devem ter, dizendo também que é preciso formação e experiência na docência. 

Mas o mais importante é o debate franco e público no sentido de questionar a escola que queremos, de realmente pensar porque achamos que militarização é o caminho. Mas isso não é uma coisa rápida. É uma construção, é debate e formação. E não dá para pensar militarização fora do debate de homeschooling, do Escola Sem Partido, etc. Estamos em uma lógica de hipermilitarização da sociedade, onde a escola é só um desses espaços. 

Leia mais de Catarina de Almeida Santos: 

Artigo: SENTIDO, DESCANSAR, EM FORMA”: ESCOLA-QUARTEL E A FORMAÇÃO PARA A BARBÁRIE

Artigo: As políticas de austeridade e a educação superior: a presença de estudantes de escolas públicas e o futuro das universidades sob risco

Artigo: Militarização das escolas públicas no Brasil: um debate necessário

Atrasos na regulamentação e erros em repasses marcam 1 ano do novo Fundeb

Novo Fundeb alterou as formas de repasse de recursos, o que vem causando confusão entre gestores. Dispositivos como CAQ e SNE ainda não têm regulamentação

Foto: Igor Santos/Secom

Texto: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira

Em agosto de 2020, a Emenda Constitucional 108 (EC 108) foi promulgada, prometendo ser um divisor de águas no financiamento da educação brasileira. O texto, que constitucionalizou o novo Fundeb e dispositivos como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), trouxe avanços importantes como o aumento dos recursos destinados à educação e novas lógicas de repasse que incorporaram a correção de injustiças e iniquidades sociais e regionais.  Mas, passado um ano da promulgação da EC 108, os gestores ainda não têm clareza sobre alguns dos mecanismos, e o CAQ segue distante de se materializar. 

Entre as conquistas do texto aprovado em 2020 estão o aumento da complementação de repasses financeiros da União de 10% para 23%, com recursos novos; a constitucionalização do CAQ como parâmetro para qualidade adequada da educação e como mecanismo de controle social; a incorporação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) como política que avalia a qualidade educacional por meio de indicadores que ampliam a visão de qualidade para além das avaliações externas de larga escala; e a aprovação de sistema híbrido de distribuição de recursos. Esse sistema é mais equitativo, garante mais matrículas e qualidade para redes de ensino que têm menos recursos sem desestruturar nenhuma rede. Além disso, o texto proíbe o desvio dos recursos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) para o pagamento de aposentadorias e garante que 70% dos recursos sejam destinados para a valorização das profissionais da educação – e não apenas profissionais do magistério, como a lei anterior. 

“Considerando não apenas o contexto político mas o momento do país, acho que conseguimos aprovar um texto com muitos avanços”, avalia a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), relatora do projeto de lei que culminou na EC 108 e também da lei de regulamentação. Ela lembra que o debate foi prejudicado pelo início da pandemia no país, já que o Fundeb anterior tinha prazo de vigência até dezembro de 2020. 

Após a promulgação da Emenda Constitucional, houve ainda a tramitação do Projeto de Lei (PL) de regulamentação do Fundeb, que também foi objeto de acirrada disputa. As propostas diferiam em pontos importantes, como os fatores de ponderação (que ajustam os repasses a depender das etapas e modalidades de ensino), e todo o processo de votação foi marcado por investidas privatistas – parcialmente contornadas-, que abriam margem para convênios com instituições privadas. Foi apenas no dia 17 de dezembro que a regulamentação foi finalmente aprovada, tornando-se lei oito dias depois (Lei 14.113/2020) e permitindo que o novo Fundeb pudesse entrar em vigor em 2021. 

“Mudamos o desenho do Fundeb, mais que dobrando a complementação da União. Conseguimos dar prioridade à educação infantil sem entrar no caminho de voucher. A regulamentação e implementação são processos lentos, envolvem estruturas muito pesadas e capilarizadas, tanto que inserimos um período de transição. Os sistemas ainda estão se organizando, temos elementos que requerem ainda ajustes em termos conceituais”, acrescenta a deputada Professora Dorinha. 

Confusões, problemas e morosidade 

O salto nos repasses vindos da União deve acontecer progressivamente, chegando a 23% apenas em 2026. A previsão é que em 2021 ele aumente de 10% para 12%, sendo que estes 2% significariam R$ 3.2 bilhões a mais (o balanço que confirma esses valores sai no ano que vem). Em 2021, sob vigência do novo Fundeb, o governo federal fez vários repasses errados a estados e municípios. Em janeiro, R$766 milhões foram repassados equivocadamente, com três estados recebendo mais do que deviam e seis recebendo a menos. Em maio, os erros foram em um repasse de R$836 milhões, que desconsideraram milhares de matrículas. Especialmente, a destinação de 70% dos recursos para pagamento de profissionais da educação vem trazendo confusão – e sem posição clara do governo federal

A confusão se dá porque a vinculação anterior, de 60%, destinava-se a “profissionais do magistério”. O novo Fundeb aumentou o escopo de profissionais elegíveis, mas ainda não há total clareza sobre quem está e quem não está incluído entre “profissionais da educação”, especialmente se essa definição deve ficar vinculada à formação. Dessa maneira, muitos gestores não estão aplicando os recursos devidos com medo de punições posteriores. Até o início de setembro, haviam mais de 1.500 pedidos de esclarecimento de prefeituras ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), como informou reportagem da Folha de S. Paulo. 

Para Alessio Costa Lima, Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Região Nordeste, ter segurança e precisão sobre quem pode ser pago e onde exatamente gastar cada recurso é o ponto de maior confusão para gestores sobre o novo Fundeb. Na avaliação de Alessio, a insegurança vem do fato de que muitas regras ainda não foram totalmente definidas, e isso em um modelo que traz novos mecanismos de repasse e de vinculações. Por exemplo, com o Valor Aluno Ano Total (VAAT), que pela lei deveria ter sido publicado até junho para que a complementação começasse em julho. 

Foi pelo VAAT que vieram os R$3.2 bilhões incorporados ao novo Fundeb em 2021, destinados a ao menos 1364 municípios de 25 estados da federação. E tem gerado confusão porque o artigo 28 da lei de regulamentação determina que ao menos 50% do valor repassado pelo VAAT deva ser aplicado na educação infantil. Mas é preciso que o INEP faça um cálculo do indicador para aplicação dos recursos da complementação VAAT na educação infantil. E a metodologia deste cálculo, que foi publicada e está em vigor,  ainda é provisória. “Até o momento, a forma apresentada pelo MEC do indicador da educação infantil  deixa a desejar”, opina Alessio, da Undime. “Ela leva em conta índices como nível socioeconômico, população e taxa de atendimento da educação infantil, mas para calcular taxa de atendimento são preciosos dados populacionais, o que não temos. Os cálculos foram feitos de forma linear, desconsiderando que nascem cada vez menos crianças, por exemplo. As fórmulas precisam ser mais discutidas e amadurecidas”, argumenta ele. 

Outro mecanismo de repasses de recursos da União também está sob disputa. O VAAR, que vai ser responsável por 2.5% dos 23% da complementação da União e pretende colaborar para diminuir desigualdades por meio da redistribuição dos recursos. É um grande avanço do novo Fundeb, como destaca o professor Eduardo Januário, da Faculdade de Educação da USP (FEUSP): “É a primeira vez na história que se incita o Estado a cumprir a promoção da equidade através de políticas educacionais”.

O VAAR ainda não está em vigor, mas seus critérios não são consenso. Aléssio Lima, da Undime, destaca que o contexto da pandemia deveria inclusive alterar os critérios do VAAR. “A destinação se dá com base no desempenho, mas não se pode usar o indicador baseado em 2020, como prevê a lei. Foi um ano atípico, com muitas desigualdades na oferta do ensino. Distribuir os recursos com base nisso reforçará ainda mais as desigualdades educacionais, privilegiando redes que já tinham maior infraestrutura. E também não está posta a forma de cálculo para mensurar o desempenho e a evolução das redes de ensino”, alerta. 

Fatores de ponderação

De acordo com a lei de regulamentação do novo Fundeb, os fatores de ponderação permaneceriam os mesmos em 2021, e até outubro deste ano a lei deve ser atualizada. A um mês do fim do prazo, não há indícios de que vai haver essa atualização, o que tornam incertos os fatores para 2022. Até o momento, o Congresso realizou audiências públicas sobre os fatores.  

Todas as pessoas que ouvimos para esta reportagem concordam que esse é um aspecto importante ainda sem definição e que pode influenciar diretamente na redução de desigualdades ao destinar mais recursos para categorias historicamente subfinanciadas, como a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Escolar Indígena e Quilombola. Eduardo Januário, professor da FEUSP, enfatiza que as conversas sobre os fatores de ponderação já acontecem – e sem dúvidas prometem ser um ponto de disputa. “Percebo que a discussão étnico-racial já está na mesa, o que é um progresso, mas é preciso ter garantias, como o CAQ, para assegurar que hajam recursos para de fato promover uma educação antirracista. O mercado já não renega questões como as de gênero e de diversidade sexual, mas as vê sob uma ótica da meritocracia e não como um processo libertário, de políticas afirmativas”, destaca o professor. 

Ameaças ao financiamento educacional e PEC 13  

Os fatores de ponderação devem ter o CAQ como referência, mas o CAQ  – e sua fórmula de cálculo – ainda não estão nem perto de entrar em vigor. O Sistema Nacional de Educação (SNE), também ainda não saiu do papel. Para Nalu Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), avançar na implementação do CAQ e do SNE são talvez os maiores desafios da implementação do novo Fundeb, junto à derrubada da Emenda Constitucional 95 (EC 95, do Teto de Gastos), que vem, desde 2016, inviabilizando o aumento dos repasses reais para a Educação e, consequentemente, inviabilizando o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE). 

A pesquisadora ressalta que, nos últimos anos, a complementação do governo federal na Educação se mantém ou cresce via Fundeb (um repasse obrigatório e protegido inclusive da EC 95) enquanto são reduzidos os recursos não obrigatórios para os programas de assistência financeira na área, como os financiados pelo FNDE – Apoio ao Transporte Escolar, o Programa de apoio à Alimentação Escolar (PNAE), Programa do LIVRO DIDÁTICO, etc. “Se essa trajetória continuar, os programas vão se reduzir ainda mais. Isso vai totalmente na contramão do CAQ como referência para assistência financeira da União na educação básica, onde o que acontece na prática é a queda da assistência, excetuando-se o Fundeb”, diz ela. Os números não mentem: entre 2014 e 2020 o governo federal tirou quase 40 bilhões do orçamento da educação, segundo acompanhamento de Nelson Amaral, da Universidade Federal de Goiás (UFG). 

E a situação pode ficar ainda pior caso a Câmara também aprove a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 13/2021, que anistia os gestores que não investiram o mínimo constitucional em Educação nos anos de 2020/21. O último episódio do podcast #FiqueDeOlho explicou que a proposta é um retrocesso, podendo alterar a Constituição de 1988 por conta de uma minoria de municípios que não cumpriram a regra durante a pandemia. “É um retrocesso não só pelo conteúdo, mas porque abre o precedente para matérias que, como essa, poderiam ser resolvidas em outro nível, banalizando as reformulações na Constituição e as próprias regras de financiamento da Educação”, aponta Nalu. O presidente da Undime Nordeste, Aléssio Lima, concorda e afirma que a PEC vai na contramão do espírito do novo Fundeb, debatido ao longo de anos junto à sociedade civil e movimentos e entidades do campo da Educação. 

Quem também é contrária à PEC 13 é a deputada Professora Dorinha, que tem expectativas de que a Câmara consiga reverter o retrocesso que teve o aval do Senado. “Não há argumento possível para perdoar gestores que não investiram os 25% na Educação. Mesmo considerando as escolas fechadas fisicamente, muitas precisavam de recursos para fazer suas readequações. Temos 49% das escolas que sequer têm saneamento básico, sem nem falar de biblioteca ou laboratório. Como dizer que não há onde gastar os 25% da educação se tem tanto pra ser feito?”. 

Em suma, um ano após sua promulgação, o novo Fundeb, um avanço incontestável para a garantia do direito à educação a todas e todos no país, segue precisando de grande mobilização social para garantir que de fato seja implementado.

OUÇA O PODCAST #FIQUEDEOLHO

A Iniciativa De Olho nos Planos, em parceria com a Oxfam Brasil, lançou o podcast #FiqueDeOlho, que debate como as movimentações legislativas impactam  as comunidades escolares e o que é possível fazer para participar e influenciar esses processos.

O episódio está disponível em diversas plataformas como a Anchor.FM e o Spotify.

Se você tem alguma sugestão de tema ou quer entender melhor algum debate legislativo que afeta a educação e sua comunidade escolar, escreva para nós!  Você pode entrar em contato em contatodeolho@acaoeducativa.org.br 

O #FiqueDeOlho conta com a edição e apresentação de Raquel Melo, locução de Cacau Melo, sonoplastia de Fábio ACM, roteiro e produção de Claudia Bandeira e Nana Soares.

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ENTIDADES DENUNCIAM “CALOTE À EDUCAÇÃO PREMIADO” EM PROPOSTA DO SENADO

Ação Educativas assina manifestação com organizações contra a PEC 13/2021 que desresponsabiliza o Estado de repassar valores para manutenção e desenvolvimento da educação

Entidades ligadas ao direito à educação denunciam em manifestação que, se aprovada, a PEC 13/2021, que tramita no Senado Federal, vai liberar um “calote à educação premiado”. A PEC 13/2021 anistia entes federativos e agentes públicos pelo descumprimento da MDE (Manutenção e Desenvolvimento da Educação) no exercício financeiro de 2020 e 2021.

A manifestação chamada “Depois da destruição da Amazônia, agora querem acabar com a Educação – A PEC 13/2021 do Senado e o calote à educação premiado” é assinada pelas seguintes entidades e movimentos:

  • Ação Educativa
  • Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
  • Anpae – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
  • Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
  • Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  • Cedes – Centro de Estudos Educação e Sociedade
  • CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
  • Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
  • Mieib – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
  • MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

? LEIA A MANIFESTAÇÃO AQUI: https://campanha.org.br/acervo/manifestacao-depois-da-destruicao-da-amazonia-agora-querem-acabar-com-a-educacao-a-pec-132021-do-senado-e-o-calote-a-educacao-premiado/

A PEC também prevê anistia para o descumprimento da obrigação de investir no mínimo 70% dos recursos do Fundeb com pagamento dos profissionais da educação básica, em 2020 e 2021; prevê a obrigação de compensar na educação os valores faltantes até 2024 e unifica os pisos da saúde (15%) e educação (25%) durante os anos de 2020 e 2021, de modo que, nesses anos, os entes subnacionais somente se sujeitam à meta unificada de 40% na saúde em conjunto com a educação. Ou seja, se houver redirecionamento de recursos da educação para saúde nesses anos, não haveria necessidade de compensar o prejuízo sofrido pela educação posteriormente.

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“A alegação é a queda de receita de muitos entes e a redução de muitos gastos em função do atendimento remoto. Ora, como já se disse, se a receita cai (o denominador da fórmula), a tendência é o índice de vinculação subir. Quanto à citada queda na despesa, soa quase como cinismo em um contexto em que a educação demanda mais esforços e recursos. Educação é basicamente pessoal (de 85% a 90% do gasto total), portanto, se houve economia nessa área foi porque professores (muitos deles temporários) não tiveram seus contratos renovados e servidores (muitos deles terceirizados) foram dispensados. Ou seja, se houve economia, foi à custa da qualidade da educação, com o acirramento dos efeitos econômicos nefastos da pandemia, pois foram trabalhadores da educação que deixaram de receber sua remuneração”, dizem as entidades no texto.

Tabela presente na manifestação mostra que, em 2020, dos 5.120 municípios que entregaram suas declarações ao Sistema de Informações sobre Orçamento Públicos em Educação (Siope), 4.803 municípios, 94% do total, cumpriram a Constituição Federal no que se refere à vinculação mínima de impostos em educação.

CONAPE 2022 mira a defesa da democracia e a construção de um novo projeto de nação

Segunda edição da Conferência Popular tem o desafio de fortalecer a sociedade civil para se organizar contra os desmontes do atual governo e pensar o futuro 

Primeira edição da CONAPE aconteceu em 2018. Foto retirada do site do FNPE.

Em junho de 2022, acontece a segunda edição da Conferência Nacional Popular de Educação (Conape). Além de sua importância em reafirmar a defesa da democracia, da Constituição de 1988 e do Plano Nacional de Educação (PNE), a II Conape também será estratégica por reunir dezenas de atores e movimentos sociais da Educação às vésperas das eleições presidenciais. Não à toa, o tema da segunda edição desta Conferência, que será realizada em Natal/RN, é “Reconstruir o País: a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade social para todos/as/es”. 

A Conape é uma resposta da sociedade civil ao aparelhamento e descaracterização de órgãos como o Fórum Nacional de Educação (FNE) e, posteriormente, da Conferência Nacional de Educação (Conae). Após o golpe parlamentar de  2016, essas instâncias, que são avanços do PNE de 2014, sofreram progressivos desmontes e deixaram de ser espaços  legítimos de discussão e avanços democráticos norteados pela Constituição e pelo PNE (leia mais aqui). Esse movimento levou à criação do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que passou a organizar a CONAPE e a monitorar e defender o PNE paralelamente às instâncias oficiais. 

A Conferência de 2022, portanto, é mais uma expressão da mobilização permanente da sociedade civil em defesa da democracia e da Educação pública de qualidade para todas e todos. E que, na avaliação de Romualdo Portela, presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), tem o desafio de conseguir ser representativa, já que acontece durante um governo que boicota iniciativas da sociedade civil. 

“Talvez a contribuição mais importante dessa edição seja um processo de educação política, de conseguir enrijecer a sociedade civil para se organizar contra o governo e pensar o futuro”, diz ele. 

Além de fortalecer o Estado democrático de direito, a democracia, a participação e a justiça social e de acompanhar e avaliar as deliberações das CONAE passadas e da Conape 2018, a II Conape pretende também monitorar e avaliar a implementação do PNE, com destaque específico ao cumprimento das metas e das estratégias intermediárias, indicar ações para promover avanços nas políticas públicas educacionais e instituir, por lei complementar, o Sistema Nacional de Educação (SNE), que ainda não está regulamentado. “Essa Conape dá uma fixação de bases muito interessante para pensar o próximo plano, que começa a ser discutido nesse balanço de acertos e erros, no conhecimento que já temos acumulado”, complementa Romualdo. 

>>>>> Leia mais: Ainda sem regulamentação, Sistema Nacional de Educação irá definir responsabilidades de instâncias federativas

Nesse sentido, a Conferência não poderia vir em momento mais desafiador. Em meio a um contexto de emergência sanitária e de volta desordenada das aulas presenciais, a educação brasileira segue sofrendo com o desfinanciamento, seja com cortes orçamentários ou com maior permeabilidade para investidas privatistas – ainda que as desigualdades sociais só tenham aumentado durante a pandemia. E o cumprimento do PNE segue longe do ideal.

Para Romualdo Portela, os desafios são, então, tanto conjunturais – com a sociedade civil se organizando para mitigar os efeitos da pandemia e do governo Bolsonaro na educação – mas também estruturais, pois há questões que transcendem os problemas deste governo, e nessa categoria ele destaca a implementação de um Plano de Educação. “Ceticamente, diria que os Planos sempre foram um conjunto de boas intenções, mas que imediatamente após serem aprovados foram jogados nas gavetas. Com isso em mente, acredito que um grande desafio da Conape seja pensar quais são os mecanismos jurídicos e políticos que precisamos criar para que os Planos sejam finalmente cumpridos”, destaca, defendendo que as saídas não passam pelo governo Bolsonaro. Na opinião de Romualdo, se Bolsonaro for reeleito para mais um mandato, talvez nem haja um novo Plano em substituição ao atual PNE. Por isso, a mobilização deve ter como horizonte imprimir uma derrota a Bolsonaro nas urnas em 2022. 

Essa visão é compartilhada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), uma das organizações que compõem o FNPE e organizam a Conape. Bruna Brelaz, atual presidenta da UNE, destaca a urgência de pautar um novo projeto de educação para o país, para não apenas responder aos desmontes colocados pelo governo. Um projeto que contemple a expansão da universidade pública e o acesso de mais estudantes ao ensino superior, sem prescindir das políticas de permanência estudantil e de assegurar a qualidade do ensino. Nesse sentido, ela pontua que a Conape pode ser estratégica para somar forças em defesa destas pautas e também da defesa da Lei de Cotas, que será revista em 2022. Além disso, destaca o desafio de superar o desfinanciamento e sucateamento do ensino superior. 

“Em 2021, estamos lutando muito para recompor o orçamento das universidades, inclusive no que tange às políticas de permanência. Não se pode esperar o retorno das aulas presenciais para garantir as bolsas, para garantir a assistência e permanência estudantil. Os estudantes são parte da sociedade e também sofrem com insegurança alimentar, desemprego, todos os problemas. E os mais pobres, negras, negros e indígenas são os que mais sofrem com todo o retrocesso. Em 2022 é preciso engajamento para que os orçamentos estejam construídos a partir destes valores, para que as universidades estejam preparadas para receber e apoiar todos os estudantes”, diz Bruna. 

Também o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, destaca o Eixo 6 da Conape 2022 como um grande desafio e uma função estratégica da conferência: Construção de um projeto de Nação soberana e de Estado democrático em defesa da democracia, da vida, dos direitos sociais, da Educação e do PNE (veja todos os eixos na próxima seção). Ele ressalta que a organização da sociedade civil, que não vem de agora e que acumula conquistas importantes (como o próprio PNE, o Fundeb e outros), dá legitimidade para a reflexão de um projeto de nação na área da educação. “Teremos propostas na mão, um instrumento que poderemos apresentar aos candidatos das eleições de 2022. E que são importantes também para nos dar clareza sobre o que queremos. A Conape não deixa dúvidas de que temos propostas concretas”, ressalta Heleno, também enfatizando que muitos dos problemas da Educação brasileira são anteriores à pandemia e mesmo ao governo Bolsonaro. Merece destaque, é claro, a Emenda Constitucional 95 (o “Teto de Gastos”) que congelou os investimentos na área e, na prática, freou os ganhos conquistados em marcos como o PNE, impossibilitando seu cumprimento no tempo adequado. 

“Por isso, nossa expectativa é retomar o planejamento, agregando e consolidando todo o conhecimento que acumulamos em todos esses processos, inclusive no processo do PNE 2014-2024”, finaliza. 

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Mais informações sobre a CONAPE 

A etapa nacional – a se realizar presencialmente em Natal/RN  em junho de 2022 – é precedida pelas etapas municipais e estaduais da Conferência, ambas realizadas virtualmente. As edições municipais já foram realizadas e as estaduais estão previstas neste segundo semestre de 2021. 

A Conape 2022, que tem o objetivo de mobilizar todos os setores e segmentos da educação nacional dedicados à defesa do Estado democrático de direito, da Constituição Federal de 1988, do PNE e de um projeto de Estado que garanta educação pública com a mais ampla abrangência, de gestão pública, gratuita, inclusiva, laica, democrática e de qualidade social para todes a fim de consolidar uma plataforma comum de lutas pela educação no País, será dividida em seis eixos temáticos, sendo eles: 

  • Eixo 1: Décadas de lutas e conquistas sociais e políticas em xeque: o golpe, a pandemia e os retrocessos na agenda brasileira;
  • Eixo 2: PNE, Planos Decenais, SNE, políticas setoriais e direito à educação;
  • Eixo 3: Educação, direitos humanos e diversidade: justiça social e inclusão; 
  • Eixo 4: Valorização dos/as profissionais da educação: formação, carreira, remuneração e condições de trabalho e saúde
  • Eixo 5: Gestão democrática e financiamento da Educação: participação, transparência e controle social; 
  • Eixo 6: Construção de um projeto de Nação soberana e de Estado democrático em defesa da democracia, da vida, dos direitos sociais, da Educação e do PNE. 

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

Ainda sem regulamentação, Sistema Nacional de Educação irá definir responsabilidades de instâncias federativas

Sistema Nacional de Educação, previsto no PNE, é alvo de disputas e deve fortalecer a democracia e diminuir desigualdades educacionais 

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

Dar mais coesão e unidade às políticas públicas educacionais, articular realidades locais com a nacional, integrar o sistema educacional, assegurar a colaboração e a cooperação – inclusive financeira – entre as esferas municipais, estaduais e a União, combater inequidades na Educação, fortalecer a participação social e a gestão democrática em educação, especificar os recursos que integram o financiamento da educação e que formam os padrões de qualidade do CAQ. Todas essas são atribuições do Sistema Nacional de Educação (SNE), que ainda não foi regulamentado. 

Por que regulamentar? 

Previsto na Constituição Federal (após inclusão da Emenda Constitucional 59/2009) e no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, o SNE ainda tramita no Congresso, mas sem previsão de votação dos projetos de lei correspondentes. Sua regulamentação vai contribuir com a execução de políticas públicas educacionais, bem como com a implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), mecanismo de financiamento que garante insumos nas escolas e valorização das profissionais da educação. 

O SNE vai assegurar maior colaboração entre as três esferas de poder. Também explicitará as responsabilidades de cada ente federativo, tanto no âmbito financeiro como na formulação, execução e monitoramento das políticas públicas. Isso fará com que, quando estiver em vigor, o Sistema Nacional de Educação dê mais coesão e unidade às políticas educacionais. Por exemplo: os Conselhos de Educação teriam as mesmas regras de composição. O SNE terá, na Educação, um papel equivalente ao do SUS na saúde. Isto é, de lançar diretrizes da área, coordenar ações e gerenciar as responsabilidades de cada parte. E fortalece o caráter público da Educação e o papel do Estado na coordenação e organização do campo. 

O SNE não cria uma lei nova, mas integra e coordena as legislações vigentes. Ele está previsto no artigo 13 do Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, que diz que “o poder público deverá instituir, em lei específica, contados dois anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”. Os dois anos estabelecidos na lei do PNE já se passaram há muito tempo, mas o SNE ainda não avançou. 

Os avanços com o Sistema Nacional de Educação 

Para saber exatamente quais serão os ganhos trazidos pelo Sistema Nacional de Educação, só com a tramitação, já que os textos devem sofrer alteração (ou tentativas de alteração) ao longo do processo, dado os muitos interesses em jogo. A luta de movimentos, entidades e organizações da sociedade civil que atuam para fortalecer a escola pública, laica e de qualidade para todas e todos é para que   prevaleça o interesse público e o cumprimento ao texto Constitucional, com fortalecimento da democracia e uma distribuição mais equitativa de recursos para a Educação. 

“O SNE precisa assegurar o princípio da democracia participativa, com participação paritária e não com um modelo hierarquizado de cima para baixo”, defende o professor e ex-presidente da Undime Alessio Costa Lima. Ele explica que o SNE, se democrático e participativo, pode mudar o modelo atual de fazer política, em que as grandes decisões são definidas de forma centralizada e “sem a participação dos demais entes federativos, cabendo aos municípios e estados a mera função de executores de políticas públicas”. Nesse atual modelo, as políticas a serem executadas muitas vezes nem conversam com os contextos locais. Por isso a ideia é aprovar um SNE que garanta maior participação das outras esferas de governo e, consequentemente, maior representatividade para debater nuances que em geral são esquecidas em tomadas de decisão centralizadas. Ao fazer com que a colaboração entre entes federativos (por exemplo, em instâncias de negociação e pactuação) esteja devidamente regulamentada, o SNE pode também transformar a maneira com que essas partes se relacionam, pois a colaboração e a cooperação dependeriam bem menos de vontades políticas e flutuações de contexto. 

Para o professor Daniel Cara, um Sistema Nacional de Educação adequado deve pôr a escola pública no centro. “Os gestores acreditam que administram redes de ensino, mas redes são compostas de escolas. Assim como o SUS parte da unidade básica de saúde, acredito que o SNE tem que partir da escola pública”, diz Daniel, que argumenta que para cidadãs e cidadãos, não faz diferença se a escola é municipal, estadual ou federal e sim se ela tem qualidade. “E para isso, a resposta é o CAQ, embora não se esgote nele. Botar a escola no centro é também o projeto político pedagógico, os Indicadores de Qualidade da Educação, a autoavaliação institucional. O processo de tomada de decisão se daria a partir da escola para o território, para a rede pública, depois para os sistemas municipal, estadual e nacional”, defende o professor da FEUSP e dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

Financiamento e CAQ

Se o SNE tem o papel de coordenar a articulação entre as diferentes instâncias de governo, isso também abrange o financiamento. Atualmente, municípios e estados arcam com boa parte do financiamento da Educação básica, embora não arrecadem tanto quanto a União. Em 2020, a aprovação do novo Fundeb já começou a mexer nisso, mais do que dobrando a participação financeira do governo federal. Como resumiu o professor Aléssio, “o Fundeb é um exemplo prático e real do regime de colaboração entre as três esferas na Educação, fazendo a União cumprir sua função redistributiva. O Fundeb reforça a tese do SNE”. 

Tantas garantias – como a destinação de 70% do fundo para os salários dos profissionais da Educação, os mecanismos de redistribuição VAAR, VAAT e VAAF (saiba mais aqui), entre outros pontos, – são necessárias justamente porque o SNE ainda não está regulamentado. É papel do Sistema definir e coordenar a distribuição de recursos, papéis e responsabilidades. Muitos desses mecanismos de redistribuição estão contemplados no novo Fundeb, como os citados acima, mas não todos. O CAQ, por exemplo, ainda precisa de regulamentação complementar – e a definição dos padrões mínimos de qualidade aos quais o CAQ se refere pode vir do SNE. “O que muda é que o sistema ratifica o que já temos em vários marcos legais e joga luz na importância e necessidade de ter o CAQ definido, bem como os elementos que o compõem. Ainda que a lei do SNE não chegue nesse nível de detalhe, precisa assegurar o CAQ como elemento norteador do padrão de qualidade na educação pública, bem como assegurar todos os avanços trazidos pelo novo Fundeb”, diz o ex-presidente da Undime. 

Eduardo Januário, professor da Faculdade de Educação da USP, também reitera a urgência de regulamentar o CAQ vinculado ao SNE para assegurar a função de redistribuição dos recursos. Para Januário, pesquisador na área de Educação, Finanças Públicas e Relações Étnico-Raciais, assegurar a função redistributiva significa validar as ideias de cooperação e colaboração entre os estados – ambas previstas na Constituição com a finalidade de organizar as políticas sociais. O reforço seria necessário porque, embora isso não seja unânime, há quem entenda que os termos significam coisas ligeiramente diferentes. Segundo o professor, a cooperação (prevista no Artigo 23 da Constituição) seria um conceito mais incisivo para reafirmar o combate a desigualdades regionais e alocar mais recursos onde é mais necessário. Portanto, não pode ser estrategicamente suprimida do texto. “São sutilezas, mas que na aplicação prática fazem diferença. Nós do campo progressista precisamos lutar para que a cooperação também seja agregada ao texto”, defende ele. “Isso garante que o Custo Aluno-Qualidade de São Paulo não vai poder ser 70% maior do que o da Bahia”. 

Tramitação 

O CAQ realmente é um ponto importante nesta discussão, porque é o mecanismo que de fato redistribui os recursos educacionais nas diferentes regiões do país. E o atraso na regulamentação do Sistema Nacional de Educação pode atrapalhar sua implementação. Nesse ponto, tanto Alessio, como Eduardo e Daniel concordam que falta vontade política para implementar o CAQ, pois sua implementação exigiria grande aporte de recursos na educação pública, beneficiando quem mais precisa. 

Atualmente há duas propostas de tramitação, uma na Câmara e outra no Senado. O Projeto de Lei Complementar 25/19, da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) tem o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) como relator, e o Projeto de Lei (PLP) 235/2019 – Complementar do senador Flávio Arns (Podemos-PR), tem Dário Berger (MDB-SC) como relator. Além disso, a Câmara tem realizado audiências públicas para discutir o Sistema Nacional de Educação. 

Assim como no processo de Regulamentação do Fundeb em 2020, interesses privatistas e conservadores também participam das discussões sobre o SNE e tentam impor suas pautas – como vouchers para alimentação, diminuição da participação social e enfraquecimento da escola pública através do aumento de conveniamentos com instituições privadas sem fins lucrativos e da transferência das creches para a assistência social. Por isso, é preciso considerar o jogo e o atual contexto político brasileiro alinhado a esses interesses privatistas. “A maturidade de discussão já temos, até porque o SNE já está previsto no Plano Nacional de Educação, ele ainda não se materializou por falta de vontade política”, diz Alessio, que teme que a composição conservadora do Congresso – num momento de instabilidade política como o atual – na verdade atue para tirar mecanismos de democratização e participação. Januário endossa essa visão e reforça a necessidade de regulamentar o CAQ para, de fato, garantir a redistribuição de recursos. 

Ou seja, é preciso lutar para pautar o SNE, mas não qualquer SNE. Precisamos de um Sistema que esteja à altura dos desafios exigidos pela educação brasileira. E que trabalhe para fortalecer os valores já impressos na Constituição. 

OEA: audiência escancara negacionismo e negligência do Brasil na pandemia

Sociedade civil contra-argumenta Governo, que não assume responsabilidade pela morte de mais de 518 mil brasileiros. Representantes do Estado ainda afirmaram garantia de especial atenção às pessoas privadas de liberdade

Nesta quinta-feira (1/7), organizações da sociedade civil brasileira participaram de audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), para denunciar as violações na pandemia da Covid-19. A delegação brasileira foi representada pela Plataforma Dhesca, Oxfam Brasil, Justiça Global, Coalizão Negra por Direitos, Repam e Artigo 19. A audiência pode ser assistida na íntegra por meio deste link.


O Estado brasileiro também foi convocado a participar da audiência, informando as medidas aplicadas no país durante o contexto da pandemia.  Sem assumir responsabilidade pela morte de mais de 518 mil brasileiros, representantes do governo fizeram afirmações como: o aumento da renda da população do Brasil durante a pandemia;  a garantia de atenção especial à população encarcerada e o acolhimento e atendimento emergencial à população de rua. O Ministério da Saúde declarou ainda que a vacinação tem sido prioridade e que há vacina disponível a toda a população brasileira.

O Ministério da Cidadania exaltou a política de auxílio emergencial – em total silêncio quanto à interrupção que ocorreu no início de 2021, assim como quanto aos efeitos danosos da redução drástica do valor repassado. Divulgou ainda, de forma falaciosa, que rápida e efetivamente, apresentou respostas para fortalecer as políticas sociais na pandemia. 

O Estado reforçou  também o empenho em iniciativas de garantia da segurança alimentar – fazendo vista grossa ao estrondoso aumento da fome no país, que na pandemia atingiu 9% da população (19,1 milhões de pessoas), retrocedendo ao nível de 2004.

Com essas afirmações, o Estado alegou estar  em consonância com a resolução 1 de 2020 da CIDH,  prestando especial atenção ao impacto diferenciado da pandemia nos direitos humanos, nos grupos historicamente excluídos, traçando planos para recuperação social e econômica.  

Sociedade Civil refuta informações do Governo Federal

Frente à exposição do governo descolada da realidade, representantes da sociedade civil denunciaram à CIDH as graves violações de direitos que têm ocorrido no Brasil. Glaucia Marinho, coordenadora da Justiça Global, tratou de pontos relativos à vacinação, chamando atenção para o fato de que, na contramão das alegações do governo, não houve priorização de grupos vulneráveis. “Se a gente pegar a população privada de liberdade, por exemplo, apenas 5% tomou a primeira dose. A mesma coisa tem acontecido com a população de rua. É urgente prestarmos atenção a isso”, defende.

Ao afirmar que priorizou povos indígenas na vacinação, o Estado omitiu que o fato de que isso só ocorreu após determinação de plano pelo Supremo Tribunal Federal. Só de março a agosto de 2020, 92 defensores foram vítimas da Covid-19, segundo relatório publicado pela Justiça Global. Metade das vítimas são indígenas, entre eles, o cacique Paulinho Paiakan, liderança histórica entre os povos da Amazônia. Gláucia Marinho também denunciou a negligência do Estado brasileiro nas ações de mitigação e enfrentamento à pandemia com os grupos vulnerabilizados. “A pandemia aprofundou as desigualdades e violações contra defensoras e defensores de direitos humanos. Além disso, dados recentes da Comissão Pastoral da Terra mostram que pelo menos 97 áreas indígenas foram invadidas por entes privados em 2020. A fome voltou a assolar o cárcere brasileiro. Nesse momento de crise sanitária humanitária no mundo, a decisão do governo Bolsonaro contrário à quebra das patentes é cruel, é desumana! A gente pede vacina para todos já!”, finalizou.

Sheila de Carvalho, da Coalizão Negra por Direitos, chamou atenção para o aumento significativo da população de rua no Brasil. Segundo ela, 101 mil pessoas foram submetidas a essa situação no contexto da pandemia.

Outro fator distorcido pelo governo foi a política de auxílio emergencial. “O governo menciona a renovação do auxílio emergencial, sem contar que por 3 meses deste ano, não houve auxílio emergencial algum”, refuta Jefferson Nascimento, coordenador da Oxfam Brasil. Ele ressalta também que, neste momento, o auxílio emergencial está prestes a expirar e não há informações sobre a sua continuidade. Jefferson chamou atenção ainda para a baixa execução orçamentária dos recursos disponíveis para enfrentamento da pandemia. 8%  do orçamento destinado ao auxílio emergencial não foi executado pelo Governo Federal; e, de 600 bilhões direcionados a medidas de combate à pandemia em 2020, 80 bilhões não foram executados.

“São nítidas a desinformação, o negacionismo e a manipulação da realidade que caracterizam a fala do Estado brasleiro nessa audiência”, analisa Denise Carreira, representante da Plataforma Dhesca e da Coalizão Direitos Valem Mais. Ela reitera que as entidades de sociedade civil que integram a audiência produziram estudos e notas técnicas que explicitam brutais cortes de recursos e baixíssima execução orçamentária pelo Governo Federal, que tem criado obstáculos para a transferência de recursos para estados e municípios. Ela destaca também que o Governo Federal não previu recursos para o enfrentamento à pandemia no orçamento 2021 e o mesmo está acontecendo nesse momento com relação à proposta orçamentária para 2022.

Austeridade é impeditivo à garantia dos direitos humanos

Outro ponto destacado pela sociedade civil foram os impactos do ajuste fiscal e dos cortes orçamentários no enfrentamento à pandemia e na proteção da população. O Brasil tem desde 2016 a mais austera regra fiscal do mundo, o Teto de Gastos (EC95/16). Conforme demonstra estudo entregue pela sociedade civil ao Supremo Tribunal Federal, o Teto de Gastos tem fragilizado profundamente as políticas sociais e ambientais, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.

“Na contramão de grande parte dos países, o governo tomou a decisão de intensificar as políticas de ajuste fiscal e interrompeu o pagamento do auxílio emergencial nos quatro primeiros meses deste ano, condicionando o retorno do benefício à aprovação de novas medidas fiscais. Em março,  o governo mobilizou esforços junto ao Congresso para aprovar a Emenda Constitucional 109, que limitou o montante a ser destinado à nova etapa de transferência de renda emergencial, entre outras medidas. Em abril, mês mais letal da Covid-19, o orçamento foi aprovado sem considerar a continuidade da pandemia e sem previsão de recursos adicionais para a saúde e para outras políticas sociais”, analisa Roseli Faria, integrante da coordenação da Coalizão Direitos Valem Mais

“Considerando o efeito desastroso das políticas de austeridade na garantia dos Dhescas, a sociedade civil presente na audiência fez um apelo para que a CIDH recomende ao Supremo Tribunal Federal a realização de um ciclo de audiências públicas sobre os impactos sociais e ambientais do Teto de Gastos e ao Congresso Nacional a revogação da EC95 e a aprovação de um orçamento 2022 que garanta o Piso Mínimo Emergencial”, defende Denise Carreira, integrante da coordenação da Plataforma Dhesca Brasil, da Coalizão Direitos Valem Mais e da Ação Educativa

Também como forma de chamar atenção para a calamidade do orçamento federal no que se refere à proteção da população frente à pandemia, a Coalizão está lançando nesta quinta-feira uma carta pública às presidências da Câmara de Deputados e do Senado Federal pela instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e pela retomada da participação da sociedade civil no processo orçamentário. A carta expressa a necessidade da urgente instalação da CMO, responsável por examinar matérias orçamentárias. Uma das funções da Comissão é a realização de audiências públicas. A incidência da Coalizão se dá pela urgência de reverter o cenário de grande retrocesso expresso na aprovação do Orçamento 2021, que teve como base um processo aligeirado e sem participação social

INFORMAÇÕES À IMPRENSA

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