Juventude vai marcar presença na COP 30, mas ainda encontra entraves burocráticos e poucos espaços de escuta ativa

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
As e os jovens ativistas brasileiros pelo clima têm participado cada vez mais de grandes eventos como as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs). No entanto, ainda têm dificuldade de acessar recursos – seja para assegurar presença nesses espaços, seja para seus trabalhos territoriais – e para que suas demandas impactem efetivamente a tomada de decisões. Para contornar esses obstáculos, movimentam-se e organizam-se coletivamente, em uma luta protagonizada por juventudes periféricas, indígenas, quilombolas e de outros grupos historicamente minorizados.
“A COP 30 vai acontecer em Belém, no coração da Amazônia, mas nem sempre a construção tem levado em conta a participação real de quem mora aqui. Existem espaços de escuta, mas ainda de forma limitada. As juventudes estão tentando ocupar esses espaços, mas ainda não são reconhecidas como deveriam. Muitas vezes somos convidados a falar, mas não a decidir”, resume o ativista ribeirinho Joelmir Silva, da Aliança dos Povos pelo Clima, um coletivo formado por jovens da Amazônia. “Só que a juventude não é apenas o futuro – é o presente. Somos nós que estamos vivendo os impactos diretos das mudanças climáticas nos territórios, lidando com enchentes, queimadas, perda da biodiversidade, ameaças ao modo de vida. Por isso, precisamos ser tratados como sujeitos políticos, com propostas e soluções que devem ser levadas a sério”, acrescenta.
E não são poucas as propostas, soluções e agendas trazidas pelas juventudes para somar na luta pelo planeta e pelo clima. A inserção e o fortalecimento da educação ambiental em todos os níveis e a integração entre tecnologias sociais e saberes ancestrais são algumas delas, como explica Paloma Costa, também ativista. “Estamos tentando garantir o investimento no tema e o acesso à educação climática, não só no Brasil mas em toda América Latina, e já conseguimos alguns projetos de lei e planos de educação que tratem de educação ambiental. Mas precisamos ir além e assegurar formação de qualidade – da educação básica até o ensino superior, passando pelas formações técnicas – para termos uma sociedade resiliente”, diz ela, que hoje atua pelo Youth Climate Justice Fund (Fundo de Justiça Climática para Juventudes) e pelo Fund.acción.
Joelmir Silva, que atua na região de Altamira, no Pará, também reforça que as juventudes, “especialmente as que vivem na Amazônia e em territórios tradicionais, querem o direito de permanecer no território com dignidade. Isso significa ter educação contextualizada, saúde, transporte, segurança alimentar e respeito aos nossos modos de vida. Queremos o fim de grandes projetos predatórios que ameaçam a floresta e nossas comunidades, como hidrelétricas, mineração e expansão sem limites do agronegócio”. Além disso, ele reforça a urgência do reconhecimento e valorização dos saberes e práticas das juventudes da floresta como soluções reais para a crise climática. “Eu já nasci dentro dos movimentos. Sou filho de seringueiro e neto de indígena, então a luta pelo território, pela floresta e pela vida sempre fizeram parte da minha história. Cresci vendo minha família e minha comunidade resistirem para continuar existindo dentro da Amazônia. Hoje, continuo esse caminho junto com os povos da floresta, comunidades ribeirinhas e juventudes da região. Temos criatividade, práticas ancestrais e conhecimento de convivência com a floresta. Nossa demanda é clara: queremos estar nos espaços de decisão, não só como convidados para “ilustrar”, mas como protagonistas na construção de políticas de justiça climática”, enfatiza.
Paloma Costa, que foi do primeiro Conselho de Jovens sobre Ação Climática de Antonio Guterres (Secretário Geral da ONU), pontua que alguns dos principais desafios e particularidades das lutas da juventude passam pela falta de recursos, rotatividade de lideranças e a conciliação com demandas estudantis. “As lideranças de organizações de juventude mudam com certa rapidez, até porque as pessoas deixam de ser jovens. Os focos de atuação também podem mudar de um ano para o outro. Somos de certa forma mais voláteis na entrega dos projetos e manutenção das equipes (até por obrigações de estudo e trabalho), o que traz problemas de acesso a recursos e financiamento”, explica.
Indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais no centro
O cenário narrado por Paloma encontra eco em dados colhidos a nível nacional. Thalita Silva, amazônida de 28 anos e ativista há uma década, está detalhando essa realidade em uma pesquisa no âmbito do Fundo Global para Crianças (Global Fund for Children -GFC), onde atua como coordenadora de programas do Brasil com foco em Juventudes e Justiça climática. O levantamento em curso está mapeando, através de questionário e entrevistas, como as juventudes brasileiras na linha de frente pela justiça climática estão atuando nos territórios, além dos principais desafios.
Mais de 40 coletivos, com representação em todos os 26 estados do Brasil e o Distrito Federal, já responderam o questionário sobre o trabalho de mobilização em comunidades e as múltiplas barreiras de acessos a recursos que afetam a participação juvenil em espaços estratégicos de debate e decisão. As faixas etárias mais prevalentes são 25-30 anos; 20-25 anos; 30-35 anos [Thalita explica que, apesar do Estatuto da Juventude classificar a juventude como até os 29 anos, a equipe utiliza o limite de 35 anos quando trabalha com comunidades tradicionais, por entenderem que os processos de modos de vida e acessos são outros]. A maioria das lideranças é de mulheres.
Quase metade dos grupos e coletivos respondentes estão situados em comunidades tradicionais (com maior prevalência de indígenas, quilombolas e ribeirinhas), seguidos por grupos de jovens de áreas urbanas periféricas. “O racismo ambiental é um tema muito caro para diversas juventudes, pensando na reparação histórica de processos de colonização, na necessidade de adaptação ou resiliência climática a partir disso, da colonização e do capitalismo que atravessaram a vida de diversas comunidades que hoje são as mais vulnerabilizadas e precisam estar dentro dos debates, porque são quem vivenciam a crise do clima”, destaca Thalita.
“A juventude ter espaço de fala e incidência é uma conquista recente, embora a atuação já seja muito antiga. Jovens brasileiros e especialmente indígenas, quilombolas e de povos tradicionais são sementes dessa luta”, completa a ativista, ressaltando que o objetivo do mapeamento é pensar, a partir das respostas, em formas de apoiar o trabalho dessas juventudes de forma respeitosa e que fortaleçam sua autonomia, visando ampliar a suas presenças em espaços de debate e construção de políticas.
Os resultados preliminares ilustram os desafios para atingir esse objetivo: 51% dos coletivos juvenis são informais, sem pessoa jurídica, o que multiplica entraves para acessar recursos financeiros. As principais agendas são justiça climática; educação ambiental e comunicação popular; defesa de territórios; e racismo ambiental. As principais estratégias de atuação são educação e comunicação, incluindo iniciativas socioculturais; engajamento e mobilização (territorial ou virtual), como a participação em manifestações e campanhas; incidência política e controle social.
Já em relação aos desafios enfrentados, 85% dos coletivos mencionaram a falta de dinheiro para realizar atividades, seguida por dificuldades de manutenção de pessoal [o que também se relaciona à falta de recursos] e o acúmulo de jornadas laborais [como estudo, trabalho e ativismo]. “Além disso, esteve presente a dificuldade de se inscrever em editais, um processo que hoje ainda é muito burocrático, o que torna muito difícil contemplar coletivos territoriais”, diz Thalita. “Isso traz uma discussão sobre descentralização de poder e recursos. É importante lembrar que os povos indígenas, por exemplo, estão há mais de 500 anos resistindo e se adaptando na luta pelos seus territórios. Ou seja, as comunidades já pensam e operam soluções, mas é preciso fazer com que os recursos cheguem na mão de quem está fazendo, sem ser atravessados por tanta burocracia que nem faz sentido nos territórios em questão”.
Outros dados importantes trazidos pelo levantamento são de que 46% dos jovens respondentes afirmam vivenciar ou terem vivenciado um evento climático extremo, e o detalhamento mostra que as comunidades afetadas por esses eventos recebem pouco ou nenhum apoio. Mas para mais de um terço dos coletivos o sentimento de que é possível fazer a diferença é a principal motivação para continuar na luta, seguida por sofrerem diretamente com o problema abordado. “Ou seja, não são juventudes que ‘só’ trabalham o tema, mas sim que vivem na pele a crise climática, o que demonstra que estão em um lugar historicamente vulnerabilizado. Mas também evidenciam o esperançar sobre a possibilidade de outros mundos”, resume a ativista e coordenadora da pesquisa Thalita Silva.
Juventudes na COP
A COP 30, a ser realizada em novembro em Belém (PA), pode ser uma grande oportunidade para a juventude organizada marcar presença, demarcar e lutar por suas agendas. Mas ainda há um longo caminho a ser trilhado até a participação efetiva, segundo os entrevistados para essa reportagem. Embora concordem que espaços como a COP têm estado mais permeáveis às juventudes, há consenso de que a participação social ainda é limitada.
Thalita Silva, do Global Fund for Children, participa de COPs desde 2018, e recorda-se da escassa participação jovem à época, o que vem mudando paulatinamente, já havendo espaços destinados exclusivamente às juventudes. Alguns eventos que antecedem a COP tentam dar mais força a essa participação, como a Conferência da Juventude (COY) e sua versão nacional e as Conferências Locais da Juventude (LCOY). Ambas as conferências, promovidas pela YOUNGO, grupo oficial da juventude da ONU para o clima (UNFCCC), são espaços de formação, mobilização e construção de redes de ação climática nos territórios.
“A LCOY vem com a intenção de construir uma declaração da juventude brasileira, reunindo os principais desafios e proposições a serem apresentados em ambientes internacionais de tomada de decisão”, diz Thalita. “Mas [para a COP] permanencem barreiras em diversos sentidos, inclusive linguísticas, o que dificulta a participação, e burocráticas, porque é um nicho específico de pessoas que têm acesso às negociações. Então, em geral, tanto a juventude como a sociedade civil mais ampla não têm tanto espaço assim”.
Já Paloma Costa, que participa de COPs desde 2018 e que vai estar presente na edição de 2025, ressalta avanços ao longo dos anos, mas pontua gargalos estruturais que podem limitar a participação jovem. “A gente vem encontrando formas de ocupar a estrutura da COP. Desde minha primeira participação consegui ver como os caminhos foram abertos e se multiplicaram, sempre frutos de trabalho coletivo.”, diz Paloma, do Youth Climate Justice Fund. “Algumas vitórias incluem o Secretário Geral ter um grupo de Conselheiros Jovens e a entrada nas negociações, ainda que como observadores, para apresentar a Declaração Global de Juventudes, escrita do âmbito local ao global. Então conseguimos demarcar espaços para a juventude além da foto e da fala diplomática, mas permanecem vulnerabilidades muito estruturais. Por exemplo, assegurar recursos para as estadias durante a Conferência, o que inclui hospedagem e alimentação. Eu mesma, quando estava no grupo de Conselheiros, já tive que dormir no chão. Um desafio é fazer com que organizações com poucos recursos possam comparecer em peso”. Especificamente em relação à COP 30, Paloma pontua também que houve pouco tempo hábil para a Campeã do Clima, uma liderança da juventude anunciada em maio de 2025, se situar e trabalhar. “Mas espero ser surpreendida”, diz.
Na mesma linha, o ativista Joelmir Silva, da Aliança dos Povos pelo Clima, espera que a COP 30 não vire um “grande palco de discursos e negociações entre governos e empresas, sem dar centralidade para as comunidades que vivem na linha de frente da crise climática”. Ele também critica a insuficiência dos espaços de escuta existentes e reforça que o ideal seria uma COP “construída de baixo para cima, garantindo acessibilidade, escuta e decisão coletiva”.
Participação limitada como projeto
Esse ideal, no entanto, está distante do que tem sido a realidade das Conferências multilaterais em todo o mundo. Como aponta a diretora da Associação Brasileira de ONGs (Abong), Juliane Cintra, porque vai de encontro ao próprio desenho desse tipo de evento.
“A gramática do direito internacional sempre apresentou restrições para uma participação social efetiva como parte constituinte dos espaços multilaterais de tomada de decisão. As Nações Unidas são basicamente Estados membros dialogando sobre questões transnacionais que veem no multilateralismo uma alternativa para serem equacionadas. É uma gramática que por si só restringe muito a participação da sociedade civil, que historicamente foi construindo uma série de estratégias para conseguir incidir nestes espaços, desde pressionar a opinião pública até a incidência direta nas diplomacias dos Estados”, diz. E, como explica Juliane, desafios do contexto geopolítico atual tornam ainda mais difícil a alteração dessa estrutura. “O que estamos enfrentando agora é ainda mais desafiador, que é, a partir do avanço da extrema-direita, a descrença total do multilateralismo como uma alternativa possível para resolução de problemas que são transnacionais, como questões socioambientais, de tecnologia, guerras e militarização, entre outras agendas”.
Se o desenho de grandes eventos como esse limita a participação social efetiva, a sociedade civil também sempre encontrou alternativas para fazer valer sua voz. Por exemplo, as Cúpulas dos Povos, que acontecem junto ao evento oficial dos Estados. Neste ano, movimentos da região de Belém organizam ainda a COP das Baixadas, movimento com a missão de fortalecer as narrativas em defesa da Amazônia, de justiça climática e social para os territórios e as suas populações.
“O que estamos observando é um cenário de perseguição e violência, como acontece na maior parte dos grandes eventos promovidos no Brasil”, avalia a diretora da Abong. “Se observarmos as mudanças estruturais acontecendo em Belém para que a COP possa ser viabilizada – desocupações, remoções forçadas e outros processos de higienização -, percebemos que uma série de grupos sociais e minorias já estão passando por perseguição. São violações de direitos humanos para obras de infraestrutura que não dialogam com as comunidades e para acolher um evento que promove a discussão em defesa dos direitos da natureza e dos direitos humanos”, destaca Juliane, que tem acompanhado de perto as movimentações da sociedade civil nos preparativos para a Conferência do Clima.
“Até este momento, não há participação social efetiva nos processos de concepção da COP, mas há uma tentativa muito efetiva de articulação da sociedade civil e de mobilização dos diferentes territórios em todo o país para que a gente se engaje e consiga construir um processo de incidência junto ao governo brasileiro, que é o limite colocado pelo direito internacional. Há também um trabalho muito importante de educação popular de mobilização e engajamento desses territórios e apropriação de uma agenda, o que também é super importante. Ter a perspectiva de que não importa qual seu ativismo, considerar os direitos da natureza na transversalidade, incluindo as pessoas mais afetadas pelas questões ambientais, é um processo fundamental”, finaliza.