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Mandado de segurança no STF questiona a ausência de participação da sociedade civil na definição do orçamento 2021

Coalizão Direitos Valem Mais cobra do Congresso Nacional a definição de processos participativos de discussão do orçamento, como a realização de audiências públicas sobre a Lei Orçamentária Anual, que deve ser apreciada pela Comissão Mista de Orçamento ainda essa semana.

Foto apresenta fachada do Supremo Tribunal Federal (STF)
STF/Divulgação

Em um contexto dramático de pandemia com crescimento acelerado da fome, da miséria, do desemprego e do desespero, que explicita a necessidade urgente de um Orçamento 2021 que proteja a população dos impactos negativos da pandemia e da crise econômica, a Coalizão Direitos Valem Mais deu entrada nesta quarta-feira (24/02) em um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal cobrando a participação da sociedade civil no processo de construção do Orçamento 2021.

Seis entidades da sociedade civil assinam o mandado em nome da Coalizão, são elas: Ação Educativa; Fian Brasil – pelo direito à alimentação e à nutrição; Congemas – Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social; Gestos Soropositividade Comunicação e Gênero; Associação Franciscana de Solidariedade; e Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Para isso, reúne mais de duzentas entidades ligadas à gestão pública, organizações da sociedade civil, conselhos nacionais de direitos, movimentos sociais, entidades sindicais, associações de juristas e de economistas e instituições de pesquisa acadêmica.

A Coalizão critica as inúmeras indefinições por parte do Congresso Nacional que comprometeram o debate público e impuseram a apreciação aligeirada da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no ano de 2020. Essas indefinições inviabilizaram a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) em 2020 e resultaram em uma discussão da LDO diretamente no plenário e com baixa participação social.

Agora, na apreciação da LOA, apesar de instalada a Comissão, foi impossibilitada a realização de audiências públicas e a implementação de outros mecanismos constitucionais de participação da sociedade civil.

Prevista na Constituição, a participação da sociedade civil no debate orçamentário garante transparência e melhores escolhas de investimento. Neste momento de crise profunda que o país atravessa, constatamos o fechamento ainda maior do Congresso Nacional para a participação da sociedade civil, principalmente aquela comprometida com os direitos constitucionais, afirma Eloisa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas, que assina o Mandado de Segurança junto com a advogada Melissa Mestriner.

No documento, as entidades assinalam que a realização de audiências públicas com representantes públicas e da sociedade civil é prevista na Constituição “e que, portanto, é função da Comissão garantir que a sociedade seja ouvida e que as reivindicações sejam consideradas no momento de votação das emendas. “É através de intensa discussão e negociação de emendas que se concretiza a lei orçamentária enquanto instrumento legítimo de alocação de prioridades”, afirma o mandato.

O documento cita ainda recente medida liminar do Supremo em que a Corte afirma como “imprescindível a criação de condições a franquearem, no debate público, idêntica oportunidade a todos os cidadãos para influenciar e persuadir em contexto discursivo aberto, livre e igualitário” – o que não tem sido feito no atual debate orçamentário.

Piso emergencial no orçamento

As mais de duzentas associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica das várias áreas sociais que integram a Coalizão Direitos Valem Mais estão apresentando, esta semana, um conjunto de propostas que visam fortalecer a Lei Orçamentária Anual 2021. Dada a ausência de audiências públicas, as propostas da sociedade civil estão sendo levadas como sugestões de emendas, para que parlamentares possam apresentá-las no debate da LOA.

O conceito central que orienta as emendas é a previsão de Piso Mínimo Emergencial para Serviços Essenciais no orçamento federal, um instrumento para o enfrentamento da pandemia e de suas consequências nas condições de vida da população.

Formulado em nota técnica, o Piso é uma referência de valor para as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar que deve interromper a deterioração orçamentária acelerada que essa políticas vem sofrendo desde 2015.

A cifra prevista na proposta do governo federal para essas áreas totaliza R$ 374,5 bilhões, o que corresponde apenas a 58% do Piso Mínimo Emergencial para a garantia desses direitos essenciais

O que o piso emergencial vai garantir

Segundo especialistas da Coalizão, o Piso permitirá interromper o processo de desfinanciamento acelerado dos serviços sociais e garantir condições melhores para que:

  • O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrente o contexto da pandemia e do pós-pandemia, com a aquisição de medicamentos e vacinas; que considere os efeitos crônicos de saúde gerados pela Covid-19; responda à demanda reprimida por saúde de 2020, decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como da interrupção no tratamento de doenças crônicas.
  • A política de educação se organize para a retomada das escolas com menor número de alunos por turma (segundo a OCDE, o Brasil é um dos países com o maior numero de estudantes por turma), maior número de profissionais de educação, adequação das escolas para o cumprimento de protocolos de segurança e proteção, ampliação da cobertura de acesso à internet de banda larga para os estudantes da educação básica e ensino superior no país, retomada dos programas de assistência e permanência estudantil na educação básica e no ensino superior. Na elaboração da nota, considerou-se também o aumento da complementação da União ao Fundeb de 10% para 12% prevista da Emenda Constitucional 108, aprovada pelo Congresso Nacional em agosto, o aumento do montante destinado ao PDDE – Programa Dinheiro Direito na Escola para adequação das escolas às medidas de segurança e a migração de estudantes de escolas privadas para a educação pública, decorrente da perda de poder aquisitivo das famílias de classe média diante do aumento do desemprego e da crise econômica. 
  • Retomada das condições de manutenção dos serviços e a ampliação da cobertura do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para atender a demanda gerada pela pandemia, aumento do desemprego e de diversas violações de direitos, bem como garantir maior efetividade do programa Bolsa Família por meio de uma rede de serviços integrados. O desfinanciamento progressivo e a insegurança nos repasses federais de recursos ordinários ao SUAS comprometem o atendimento de mais 40 milhões de famílias referenciadas e os mais de 21 milhões de atendimento realizados anualmente, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) de pessoas e famílias afetadas pelo desemprego, fome, fragilidade nos vínculos familiares e iminência de violência doméstica; diminuição dos atendimentos a pessoas em situação de rua, migrantes e idosos; e a drástica redução do atendimento a crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil ou em exploração sexual nos serviços especializados.
  • Enfrentamento do crescimento acelerado da fome e da desnutrição no país por meio da retomada das condições de financiamento do Programa Aquisição de Alimentos (PAA), que fornece alimentos saudáveis por meio da agricultura familiar, beneficiando aproximadamente 185 mil famílias de agricultores familiares e milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social que recebem esses alimentos por meio de uma rede de 24 mil organizações socioassistenciais; do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que atende cerca de 41 milhões de estudantes no país; da ampliação do acesso à água para abastecimento humano e produção de alimentos com cisternas no semiárido brasileiro para uma população de 1,8 milhão de famílias; de recursos federais para a manutenção de 152 restaurantes populares no país, que fornecem alimentação para famílias de alta vulnerabilidade social. Atualmente, o país possui uma rede de restaurantes populares construída pelo governo federal que se encontra subutilizada em decorrência da falta de recursos municipais para a sua manutenção.

A proposta do Piso é resumida em uma animação de apenas três minutos:

Mobilização em defesa do auxílio emergencial e contra a desvinculação de recursos da saúde e educação é destaque no Twitter

Hashtag #AuxilioSimDesmonteNao alcançou o segundo lugar entre os assuntos do Twitter e acumulou mais de 18 mil mensagens nas redes sociais. Como resultado da mobilização, votação da PEC Emergencial foi adiada para a próxima semana.

Uma mobilização nacional, articulada por várias redes, organizações e movimentos sociais, pela garantia do auxílio emergencial com a manutenção do investimento obrigatório em saúde e educação alcançou os “trend topics” do Twitter. Ontem, entre 10h e 11h o tuitaço com mais de 18 mil tweets fez o tema chegar ao segundo posto da lista dos assuntos mais falados do dia.

A mobilização protestava contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186. Apelidada de “PEC Emergencial”, a medida condiciona a prorrogação do auxílio emergencial ao fim da vinculação constitucional de recursos em saúde e educação.

A vinculação é o investimento de um percentual mínimo obrigatório que União, os estados e municípios devem destinar para a saúde e a educação. O Brasil só perdeu a vinculação de recursos duas vezes na história, no Estado Novo e na ditadura militar.  Ausente apenas em períodos autoritários, a vinculação é fundamental para que não haja retrocesso nessas áreas, que já convivem com o subfinanciamento histórico”, afirma Denise Carreira, da coordenação executiva da Plataforma Dhesca e da Coalizão Direitos Valem Mais – pelo fim do Teto de Gastos e por uma nova economia. Composta por duzentas organizações e redes da sociedade civil, a Coalizão foi uma das redes que convocaram a mobilização nacional.

Depois da mobilização nas redes, a votação da PEC foi adiada para a próxima terça-feira (2). “É importante nos mantermos alertas. A PEC não caiu, sua votação foi apenas adiada, então a pressão precisa continuar. O texto da PEC contém várias armadilhas contra direitos sociais para além da ameaça à vinculação constitucional”, atenta Denise.

O Risco de colocar o equilíbrio fiscal acima dos direitos sociais

Além do corte em saúde e educação, a PEC186 ameaça também os demais direitos sociais. Ela determina uma alteração no artigo 6o da Constituição Federal, constitucionalizando a manutenção do equilíbrio fiscal como uma prioridade acima da garantia de direitos.

Os direitos continuam lá, mas deixam de ser efetivos ou ficam subordinados a uma figura abstrata chamada ‘equilíbrio fiscal intergeracional’. Com isto, o cumprimento dos direitos fica subordinado a uma avaliação econômica. Essa avaliação pode ser, por exemplo, a de que o déficit é grande e a dívida é alta ou crescente e portanto, justifica-se o não cumprimento dos direitos”, analisa Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp e integrante da Coalizão Direitos Valem Mais.

No lugar da PEC186, a Coalizão Direitos Valem Mais defende a prorrogação do Auxílio Emergencial via garantia do Piso Mínimo para Serviços Essenciais na Lei Orçamentária Anual 2021. O Piso é um referencial de valor para saúde, educação, assistência social e segurança alimentar de forma a interromper a deterioração orçamentária acelerada que essas áreas têm enfrentado desde 2015. O montante do piso é de 300 bilhões a mais do que a cifra prevista pelo governo para essas áreas.

Uma pequena animação que tem circulado pela internet resume a proposta e apresenta os serviços que ela vai garantir:

O Piso representa a garantia de demandas urgentes como a vacinação da população, a prorrogação do auxílio emergencial, a segurança para o retorno às aulas e o enfrentamento da fome, que tem crescido em disparada no país.

Sobre a Coalizão Direitos Valem Mais

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Atualmente, mais de 200 reúne associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica.

Uma das agendas centrais da Coalizão é o fim do Teto de Gastos (EC95/16), emenda constitucional que restringiu os recursos das áreas sociais por 20 anos. A EC95/16 é definida pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta. Atualmente, duas propostas de emenda revogatória da EC 95 tramitam no Congresso Nacional: a PEC 54/2019 e a PEC 36/2020.

Revogação do Teto de Gastos, Pacto Federativo e regulamentação do Fundeb: a luta por educação de qualidade continua em 2021

Promulgação do novo Fundeb foi conquista importante de 2020, mas não basta para mitigar os efeitos de crises econômicas e sociais exacerbadas pela pandemia

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A conclusão de que 2020 foi um ano atípico e com grandes desafios é praticamente unânime, e na educação não foi diferente. A pandemia evidenciou e intensificou desigualdades educacionais e afetou diretamente o financiamento de áreas sociais no país. Os debates em torno da aprovação do novo Fundeb e, posteriormente, de sua regulamentação também marcaram 2020, representando uma importante conquista rumo à educação de qualidade para todas e todos. Mas nenhuma dessas discussões se encerrou no ano passado. As medidas de austeridade que impactam a Educação seguem em vigor, assim como o debate em torno do retorno seguro às aulas presenciais. Ainda, a regulamentação do Fundeb necessita de outros debates e leis complementares para sua completude. 

A partir dos principais acontecimentos e aprendizados de 2020 para a Educação, elencamos aqui alguns dos principais desafios para o ano que se inicia, comentados por representantes de diferentes frentes de luta pela Educação de qualidade. 

O novo (e permanente) Fundeb

A promulgação da Emenda Constitucional 108 em agosto, que tornou o Fundeb permanente, foi uma conquista significativa de 2020. O fundo é o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país e pode garantir maior equidade na educação ao destinar mais recursos para redes mais necessitadas, sem desamparar nenhuma outra. O novo Fundeb incorporou avanços como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – ambos mecanismos criados pela sociedade civil -, o sistema de repasse híbrido e a maior contribuição da União na complementação de recursos. Ainda, o novo Fundeb destina 70% dos recursos para a valorização de todos os profissionais da educação e proíbe o desvio dos recursos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino para o pagamento de aposentadorias.

>>>> Entenda como o Fundeb pode enfrentar desigualdades educacionais e garantir maior equidade 

Os projetos de regulamentação do Fundo – etapa necessária para que ele entrasse em vigor em janeiro de 2021 – foram apresentados logo após a promulgação. No entanto, a discussão ficou parada no Congresso por meses, também prejudicada pelo período de eleições municipais. O projeto de regulamentação só tramitou em dezembro, tendo sido aprovado na última semana antes do recesso parlamentar, não sem embates. O projeto de regulamentação apresentado inicialmente pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) havia recebido destaques que aumentavam o repasse para instituições privadas. Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). O Senado rejeitou as emendas e votou pelo texto original, aprovado pela Câmara no dia 17 de dezembro. A base governista ainda tentou obstruir a votação da matéria, mas não conseguiu. A sanção presidencial aconteceu na semana seguinte. 

“O processo colocou as conquistas da EC 108/2020 em grande risco. Pelo risco de virar o ano sem esta regulamentação, o que inviabilizaria o início de implementação do Fundeb a partir de janeiro de 2021, ou pelo risco de ser editada uma Medida Provisória com retrocessos, com afobamento e abrindo espaço para agendas privatistas e inconstitucionais, a Câmara aprovou um texto inicial que seria extremamente danoso ao Fundo. Através de uma mobilização ampla liderada pela Campanha e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e dos estudos técnicos da Campanha e da Fineduca, conseguimos que esses retrocessos fossem rechaçados no Senado Federal e depois confirmados pela Câmara. Somente essa conquista já é uma vitória imensa, pois conseguimos preservar os preceitos aprovados na Constituição e conseguiremos avançar de fato em termos de financiamento da educação básica”, avalia Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 

No entanto, ativistas ressaltam que o texto aprovado também não foi o ideal. Heleno Araújo, presidente da CNTE, ressalta que embora a promulgação em meio ao governo Bolsonaro seja uma conquista, ainda restam trechos “contraditórios” com o objetivo do Fundeb de reduzir desigualdades. Por exemplo, a vinculação de parte dos recursos ao desempenho das redes municipais e estaduais – o que pode dar mais recursos para redes que já estão em melhores condições. Heleno também considera que a pressa em aprovar o novo Fundeb e sua regulamentação prejudicaram o debate junto à sociedade. 

O professor da Faculdade de Educação da USP, Eduardo Januário, também critica a pouca inserção da pauta racial no debate. “Não há dúvidas sobre o avanço do Novo Fundeb em relação ao anterior, mas houve poucos esforços dos movimentos sociais ligados à educação e dos parlamentares quando considerado o processo de luta por justiça social a partir da discussão das desigualdades raciais”, diz. Um exemplo dessa estagnação é a ausência, nas condicionalidades para distribuição de verba, de um indicador que priorize previamente o combate à desigualdade racial. “Os acordos internacionais que consideram a educação como mecanismo primordial para o combate à desigualdade racial poderiam ser melhor observados durante todo o processo, com destinação de verba específica para tal. É possível qualquer projeto que visa tratar equidade fazê-lo sem tratar a questão racial?”. 

 “A pandemia mostrou que o processo adequado para o ensino-aprendizagem envolve todos os segmentos da comunidade escolar” – Heleno Araújo, presidente da CNTE

A não inclusão, na EC 108, dos demais profissionais da educação na discussão sobre o piso salarial e a não definição de prazos para alguns convênios com instituições privadas também são alvo de críticas. Sobre o primeiro item, o presidente da CNTE lembra que “o artigo 206 da Constituição explicita que o piso salarial profissional nacional é para o conjunto de profissionais, que são listados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ao tratar do piso somente para professoras e professores, a Emenda 108 abandona ou descumpre o que determina a Constituição. São propostas que não atendem às reivindicações históricas dos trabalhadores e das trabalhadoras em educação”, diz Heleno Araújo. 

Já a coordenadora-geral da Campanha, Andressa Pellanda, ressalta a vitória da mobilização em um contexto adverso: “Foram cinco anos de tramitação para aprovação deste novo e permanente Fundeb, marcados por tentativas fortes de redução do recurso público para a educação pública, de privatização da educação e de desresponsabilização do papel importantíssimo da União no financiamento ativo da educação básica. Esses grupos e pautas foram vencidos por nossos estudos técnicos de alto nível, por mobilização social da comunidade educacional e por melhor articulação política das instituições e ativistas que defendem a educação como direito. Isso precisa ser registrado, a mobilização social foi decisiva para essa vitória”, celebra. 

“O Movimento Negro centrou suas forças em denunciar que o racismo, escancarado pela pandemia, está instituído no modelo econômico e nos mecanismos do Estado, mas a mobilização mais efetiva na agenda do Fundeb se deu apenas no momento da regulamentação. Poderíamos ter avanços maiores se houvesse esforço específico ao tema racial” – Eduardo Januario, professor da Faculdade de Educação da USP

CAQ, Sinaeb e Sistema Nacional de Educação (SNE)

No entanto, a regulamentação do Fundeb não se encerra com a aprovação da Lei 14.113/20. Há outros mecanismos previstos na Emenda Constitucional 108 que ainda precisam de leis complementares, como o CAQ, o Sinaeb e o SNE. O Custo Aluno-Qualidade (CaQ) determina quanto deveria ser investido por estudante (considerando sua etapa de ensino, localidade e outros fatores) para garantir as condições adequadas de ensino e aprendizagem; o Sistema Nacional de Educação organiza o regime de  colaboração entre os diferentes níveis de governo; e o Sinaeb é a política de avaliação base para a distribuição de parte dos recursos da complementação da União. Dos 23% mínimos, 2,5% devem estar vinculados a indicadores de aprendizagem e de enfrentamento das desigualdades, que por sua vez devem estar especificados na regulamentação do Sinaeb até 2023. 

Na tramitação da regulamentação do Fundeb, o movimento negro foi crucial para incluir a luta pelo combate à desigualdade racial na lei aprovada. No artigo 14, especificou-se que um dos critérios para o repasse dos recursos (VAAR) é a redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica. No entanto, o VAAR ainda segue em regulamentação. Ainda, dispositivos como os fatores de ponderação, que determinam quanto será o investimento por aluno em diferentes etapas e modalidades de ensino,  também ainda serão revistos. Para 2021, valem os mesmos fatores da primeira versão do Fundeb. Na avaliação de Andressa Pellanda e do professor Eduardo Januario, o texto aprovado não foi suficientemente ousado nos fatores de ponderação para etapas e modalidades historicamente subfinanciadas, como a educação infantil, do campo, quilombola e indígena, e educação de jovens e adultos. 

>> Negligenciadas por políticas públicas, escolas do campo, indígenas e quilombolas não têm acesso a insumos básicos 

>> Profissionais da educação indígena, quilombola e do campo ainda não são valorizados 

“Em 2021, precisaremos iniciar a implementação do Fundeb, que precisará ser construído com uma série de novos mecanismos de funcionamento. Essa implementação já vem com um golpe: a base para aumento do valor por aluno para 2021 já começa menor e, como o piso salarial tem vínculo com o valor por aluno, partiremos de um patamar menor também para o piso. Ainda, será preciso seguir no processo de regulamentação do SNE, Sinaeb e CAQ, três agendas muito grandes e muito complexas, mas muito necessárias sistemicamente e para o bom funcionamento do Fundeb a médio e longo prazos. São projetos construídos com trabalho árduo e precisam ser finalmente regulamentados e implementados. Somente com a regulamentação do SNE, do Sinaeb e do CAQ é que teremos uma regulamentação plena do Fundeb”, destaca a coordenadora-geral da Campanha. 

Outros mecanismos de financiamento

Embora tenha sido uma vitória significativa em 2020, o novo Fundeb não garante, sozinho, os recursos necessários para assegurar uma Educação de qualidade para todas e todos. O financiamento da Educação é profundamente afetado por outras medidas macroeconômicas, que continuam a desfinanciar a educação mesmo em um contexto de emergência sanitária como a pandemia de Covid-19.  Nesse sentido, atuar para reverter esses retrocessos será crucial em 2021. 

Entre as medidas de maior impacto estão a Emenda Constitucional 95 (o Teto de Gastos), que limita os gastos em áreas sociais por 20 anos e a PEC 188 (do Pacto Federativo), que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação, fazendo as áreas essenciais disputarem orçamento. Ainda, o Orçamento de 2021 não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. 

>> Cinco pontos para entender como medidas macroeconômicas afetam a educação 

Para se ter uma ideia da falta de investimentos na Educação pública, 32.6 bilhões de reais não foram destinados à Educação em 2019, apesar de estarem previstos no orçamento. E desde que a Emenda Constitucional 95 entrou em vigor, muitos programas educacionais tiveram seu orçamento significativamente reduzido. As despesas com programas suplementares realizadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, caíram 33.9% entre 2014 e 2019. Em 2020, a Lei Complementar 176 também limitou o recebimento de recursos via novo Fundeb. “Ou seja, 2021 ainda será de muito trabalho se quisermos seguir avançando para conseguir cumprir com o que determina nossa Constituição e nossa legislação”, lembra Andressa Pellanda. 

Para a CNTE, a garantia da participação social é outra pauta prioritária em 2021, além da mobilização de toda a comunidade escolar para fazer frente às tentativas de retrocesso, como reformas administrativas e tributárias regressivas, a PEC 188 e o Teto de Gastos. “São muitas as lições que 2020 nos deixou. A importância do Estado ficou escancarada e a pandemia nos mostrou como é preciso investir nas escolas públicas do nosso país para elas serem um ambiente de segurança sanitária e para os estudos. É preciso investir nas escolas para que tenham banheiro, água, energia e equipamentos e conexão”, resume. 

Aprendemos em coletivo, lutamos em coletivo e vencemos em coletivo, para garantir que nosso povo tenha a justiça social que lhe é de direito.“ – Andressa Pellanda, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação

Planos de Educação

Ainda, é necessário assegurar que os Planos de Educação, políticas de estado que devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder, sejam cumpridos. 

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. A ele, se seguiram os Planos de municípios e estados. No entanto, o PNE não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação – intensificadas pela pandemia e pelas transições municipais. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos elaborou um folheto com recomendações para avançar na implementação dos planos de Educação. O material tem download gratuito e pode ser acessado neste link. 






Iniciativa De Olho Nos Planos lança material com recomendações para avançar na implementação dos Planos de Educação

As orientações são voltadas para momentos de transição das gestões educacionais, a fim de garantir a continuidade das políticas locais de Educação

A Iniciativa De Olho Nos Planos lança, nesta sexta (18), o guia Transição municipal, pandemia e Planos de Educação. O Guia, voltado a gestores municipais, traz diversas orientações para avançar na implementação dos Planos de Educação, de maneira a garantir melhoria na qualidade da educação para todas e todos e a redução das desigualdades educacionais, acirradas ainda mais em um contexto de pandemia Covid-19.

O material foi pensado especialmente para o momento de transição das gestões educacionais, momento desafiador para a continuidade dos Planos de Educação. As sete recomendações exploram a necessidade de garantir o financiamento adequado para a Educação, de fortalecer os Fóruns de Educação e da colaboração entre os entes federados e a construção de alianças intersetoriais. O guia ainda reforça a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação da escola como importante estratégia de monitoramento participativo dos Planos de Educação.

Inspirado em webinário e posicionamento público realizados no mês de dezembro de 2020, o material leva em conta os impactos da pandemia de Covid-19 na educação, enfatizando que os Planos de Educação devem também buscar revertê-los. 

O Folheto é gratuito e está disponível para download neste link

Câmara aprova regulamentação do Fundeb e rejeita emendas privatistas

Sessão de Promulgação da EC 108, o novo Fundeb.
Sessão de Promulgação da EC 108, o novo Fundeb, em agosto/2020.

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (17), o projeto de lei (PL 4372/20) que regulamenta o repasse de recursos do Fundeb a partir de 2021. Por 470 votos a 15, os deputados aceitaram a versão aprovada pelo Senado, que excluiu as mudanças feitas pela Câmara com emendas que aumentavam o repasse para instituições privadas. Agora o texto vai à sanção presidencial para poder valer já em 2021. 

Durante a votação na Câmara, o Partido Novo foi o único a orientar sua bancada a votar contra o texto aprovado pelo Senado. O partido apresentou destaque para reincluir no texto a contagem de matrículas dos ensinos fundamental e médio das escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para receberem repasse de recursos do fundo. O destaque foi rejeitado por 286 votos a favor do texto original e 163 contra. 

Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). 

Quando o texto foi para votação no Senado, foi rejeitado. A Casa aprovou a votação do  texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional. Na segunda votação da Câmara, a base governista ainda tentou obstruir a votação da matéria. 

“Apesar das tentativas de partidos da base do governo de retirar recursos das escolas públicas e repassar para entidades privadas desconfigurando, inclusive, a EC 108 aprovada em agosto; a pressão popular foi mais forte e, por meio de mobilização nas redes sociais, construção de argumentos técnicos e articulação política conseguimos derrubar o destaque do partido Novo e garantir recursos públicos para as escolas públicas. Uma grande vitória em um contexto de frequentes ataques à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas”, diz Claudia Bandeira, Assessora da Área da Educação da Ação Educativa.

Confira aqui as principais mudanças trazidas pelo novo Fundeb.

Senado rejeita proposta privatista e texto de regulamentação do Fundeb retorna à Câmara

Destaques que aumentavam repasse para instituições privadas foram excluídos e Câmara votará texto original do deputado Felipe Rigoni

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado


O projeto de regulamentação do Fundeb foi a voto no Senado na terça-feira (15). A Casa rejeitou os destaques que permitiam maiores repasses para instituições privadas, como escolas confessionais e filantrópicas, e aprovou o texto original do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), acordado com partidos da oposição e com o campo de entidades e movimentos da área educacional. 

O presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) reconheceu que a pressão exercida pelos movimentos sociais foi decisiva para que a Casa revertesse a decisão da Câmara. Os destaques aprovados na Câmara e rejeitados pelo Senado agradavam o governo ao expandir as instituições privadas que poderiam receber repasses do fundo. Além disso, desvalorizavam as profissionais da educação ao permitir que recursos do Fundeb fossem utilizados para pagar profissionais da rede privada. 

Tais manobras poderiam retirar quase R$16 bilhões das escolas públicas, segundo nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). A Campanha, em carta publicada logo após a aprovação, parabenizou e agradeceu senadoras e senadores pela decisão: “O Senado Federal demonstrou respeito à Constituição Federal de 1988 e à EC n. 108/2020 do novo e permanente Fundeb. A Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação espera que a Câmara dos Deputados não cometa novo desatino e altere novamente o texto”, diz a nota. 

O projeto retorna à Câmara dos Deputados para nova votação ainda esta semana.

Câmara aprova regulamentação do Fundeb que privatiza a educação pública e desvaloriza ainda mais as profissionais da educação

Após descumprimento de acordos de negociação, o documento aprovado manteve retrocessos para a educação pública e segue agora para o Senado

Deputado Felipe rigoni discursa em plenário. Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Na quinta-feira (10), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo Fundeb. O texto, de relatoria do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), apresenta retrocessos ao texto constitucional promulgado em agosto, aumentando os repasses do fundo para redes privadas. Após a aprovação na Câmara, o projeto segue agora para o Senado Federal. 

Um dos pontos aprovados, e que agradou o governo, foi a possibilidade de repasse de recursos do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Os conveniamentos também passam a ser permitidos para instituições privadas de Ensino Técnico de Nível Médio, como o Sistema S.

O texto que vai ao Senado também retrocede ao permitir o pagamento de profissionais que trabalhem nessas instituições privadas com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação. Tais movimentos, como apontado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e pela Fineduca, prejudicam diretamente a educação pública – tanto ao incentivar conveniamentos como reduzindo ainda mais o salário dos profissionais das redes públicas, que já ganham 24% a menos que os profissionais com a mesma formação.  

Diversas entidades do campo da educação já responderam a tramitação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) avalia que o texto, tal como aprovado, desconfigura o Fundeb e privatiza a Educação. A Campanha Nacional Pelo Direito à Educação divulgou uma Carta à Sociedade Brasileira apontando os retrocessos do texto aprovado nesta carta. Nas palavras da organização, o texto-base”não respeita a Constituição Federal de 1988 e o pacto democrático pelo direito à educação”:

Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, é lamentável que se tenha aprovado tantas afrontas ao Direito à Educação.

A EC n° 108/2020, contudo, ainda representa uma grande vitória e um grande avanço para a educação brasileira, ampliando recursos, aprimorando a distribuição, prevendo o Custo Aluno-Qualidade como referência e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica como avaliação. Esta nossa vitória não será aplacada, ainda que a Câmara dos Deputados não tenha feito jus ao texto que as/os próprias/os deputados e deputadas votaram.

O Senado Federal deve impreterivelmente corrigir esses rumos inaceitáveis, respeitar a votação unânime ao texto da Emenda do Fundeb naquela Casa e garantir melhorias que sacramentem os avanços já conquistados na Constituição Federal de 1988.

Seguiremos trabalhando para o melhor texto legislativo, que possa garantir os avanços necessários para uma fiel e robusta implementação do novo Fundeb.

Confira a carta na íntegra neste link

Posicionamento público: Novas gestões municipais devem realizar planejamento norteadas pelo cumprimento dos Planos de Educação

Documento apresenta recomendações a novas gestoras e gestores sobre os Planos e elenca os principais pontos a serem levados em conta

A iniciativa De Olho nos Planos emite posicionamento público

A iniciativa De Olho nos Planos emite posicionamento público sobre a transição municipal e os Planos de Educação.  O documento defende que as próximas gestões municipais devem dar continuidade aos Planos de Educação, trabalhando para cumprir suas metas mesmo em contexto de pandemia e respeitando o processo democrático que caracterizou a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). 

Acesse aqui o posicionamento completo.

Gestão democrática, diálogo e alianças intersetoriais: recomendações para cumprir os Planos de Educação

Webinário da iniciativa De Olho nos Planos trouxe desafios e recomendações aos novos gestores municipais para que trabalhem no sentido de cumprir os Planos de Educação

EBC/Divulgação

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de anos de debates, articulação e mobilização da sociedade civil e de entidades do campo educacional, o PNE sublinha a importância do planejamento para a Educação. Norteados pelo PNE após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para construírem seus planos por meio de processos participativos, também com o objetivo de orientar a gestão educacional e o controle social. 

No entanto, o Plano Nacional de Educação não está sendo cumprido. Segundo o último monitoramento realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cerca de 85% dos dispositivos do PNE não serão cumpridos até o final de sua vigência. Na mesma linha, os planos de educação locais também enfrentam dificuldades em sua implementação. 

Por serem políticas de Estado com duração de dez anos, os planos de educação devem orientar a política educacional independentemente do governo no poder. No entanto, a descontinuidade tem se mostrado um imenso desafio para a garantia do direito à Educação em todo o país, sendo os cortes no financiamento da Educação um dos principais motivos. 

As transições municipais sempre foram um momento delicado para os Planos de Educação. Em contexto de pandemia – que alterou não apenas o calendário escolar, mas também orçamentos, repasses e exigiu ações emergenciais – os desafios se multiplicaram. Nesse cenário, a iniciativa De Olho Nos Planos promoveu o webinário “Planos de Educação, transição municipal e pandemia: desafios e recomendações” (assista aqui), a fim de mapear desafios, alertar para as importância do planejamento no campo educacional e deixar recomendações às novas gestoras e gestores. A seguir, condensamos os principais pontos abordados no debate, com indicações de materiais para consulta posterior. 

Importância dos Planos

Os planos de educação têm peso de lei e refletem os desejos da sociedade. Ainda, reforçam a necessidade do planejamento para efetivar o direito à Educação de todas e todos, em todos os níveis de ensino. “A ideia é ter uma ‘espinha dorsal’ que não seja modificada a cada gestão, porque objetivos de educação são objetivos de prazo mais largo”, resume Romualdo Portela, presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE). Essa característica explica a importância de se olhar para os planos em um momento de transição municipal.

“É muito importante dar visibilidade aos planos pois são leis aprovadas legitimamente, representando o que a sociedade demandou. Não são apenas um conjunto de metas e estratégias, mas representam a perspectiva da construção do direito à educação como condição essencial de cidadania”, complementa Gilvânia Nascimento, coordenadora da União Nacional dos Conselheiros Municipais de Educação da Bahia (UNCME-BA). Por isso, é tarefa da sociedade acompanhar seu cumprimento e tirá-los da invisibilidade. Em momento de transição, os planos municipais de educação precisam ser conhecidos das novas gestoras e gestores, que devem incorporá-los no planejamento dos próximos quatro anos. 

Em um contexto de crise política, econômica e sanitária é preciso articular a discussão sobre o aumento da eficiência do gasto público ao cumprimento dos planos. “O contexto é complexo e desafiador, mas sem planejamento fica muito mais difícil para os municípios. Precisamos pensar nisso, atrelando essa discussão ao contexto político e econômico que vem fragilizando o direito à educação e criando mais dificuldades para os municípios cumprirem suas responsabilidades constitucionais”, resumiu Gilvânia, que no webinário alertou também para governos que tentam agir isoladamente, indo contra o que já foi definido nos planos locais. 

É necessário identificar quais as instâncias responsáveis pelo monitoramento em cada município e mobilizá-las para discutir uma agenda propositiva referente à transição municipal e ao plano de educação. – Gilvânia Nascimento, coordenadora da UNCME-BA

É fundamental reconhecer que os planos de educação são lei. Precisamos responder a eles.  – Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime

Impactos da pandemia

Um desafio para a próxima gestão é compensar os impactos da pandemia de Covid-19 na educação. O fechamento das escolas e a migração de muitas atividades para o online acabaram por aumentar ainda mais as desigualdades já existentes no país. Também realçaram o papel da escola não só na garantia do direito à educação mas também a outros direitos como segurança alimentar e proteção de crianças e adolescentes.

Neste último tema, por exemplo, dados preliminares de uma relatoria de direitos humanos da Plataforma Dhesca sobre alimentação escolar durante a pandemia mostram que as cestas básicas adotadas em substituição à merenda deixam a desejar em quantidade e qualidade dos alimentos ofertados. Ainda, a pesquisa PNAD-Covid indica que mais de 6 milhões de estudantes ficaram afastados das atividades escolares durante a pandemia –  o que impacta abandono e evasão escolar. Garantir o retorno às aulas presenciais com segurança é outro desafio, visto que há escolas sem acesso a saneamento básico, entre outros insumos básicos. Mapeamento realizado pela Iniciativa De Olho Nos Planos averiguou essa realidade em escolas indígenas, quilombolas e do campo no país, onde a pandemia exacerbou problemas de acesso pré-existentes. 

“Os excluídos são aqueles que se incorporaram mais recentemente aos processos educativos. Portanto, se entendemos que educação é um direito, é preciso se preocupar em incorporar aqueles eventualmente excluídos. As novas administrações devem considerar que houve prejuízo real para o aprendizado esse ano e desenvolver políticas entendendo que a recuperação não será imediata. Isso inclui políticas de busca ativa escolar, combate à reprovação, que não resolve problema nenhum e só acelera a exclusão, etc. Em suma, é preciso considerar este ano como excepcional, como um ano que vai ter que ser compensado nos próximos”, recomenda Romualdo Portela.  

Gestão democrática, participação e alianças 

Se o objetivo é cumprir as metas previstas nos planos de educação, especialmente durante a pandemia de Covid-19, é crucial construir alianças intersetoriais e garantir a participação e a gestão democrática – passos que refletem o processo que levou à construção dos planos e que garantem que as ações responderão às reais necessidades das comunidades escolares. Em momento de transição de gestões, assegurar a gestão democrática também permite dar continuidade a processos bem-sucedidos e corrigir os falhos. “Não aceitamos que uma legislação construída em tanto tempo, com tanta participação e com potencial real de redução de desigualdades seja simplesmente colocada de lado”, disse Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela completou: “Se a gestão democrática não acontece, não há como fazer política que de fato responda às necessidades e à realidade. Não adianta fazer políticas emergenciais sem escuta democrática”. 

O presidente da ANPAE, Romualdo Portela, concordou e afirmou: “Somente a organização da sociedade civil mobilizada pressionando as instituições vai fazer com que os planos sejam de fato implementados”. 

Nesse sentido, as debatedoras e debatedores avaliaram como ações necessárias: 

  • Dialogar com os novos gestores e gestoras eleitos recentemente sobre os planos de educação: prefeitas e prefeitos, dirigentes de educação e suas equipes; 
  • Acompanhar o ciclo orçamentário dos municípios; 
  • Realizar investimentos públicos em educação pública;
  • A pactuação entre diferentes instâncias federativas visando o monitoramento dos planos e a redução das desigualdades educacionais acirradas ainda mais em um contexto de pandemia; 
  • Realizar a escuta das comunidades escolares por meio da autoavaliação participativa das escolas;
  • Fortalecer movimentos de base, que ajudam no controle e na incidência das agendas previstas nos planos de educação; 
  • Atentar-se para as discriminações de gênero, agindo para que sejam endereçadas pelas políticas públicas. Estas precisam ser combatidas para as políticas serem, de fato, inclusivas; 
  • Permanente diálogo entre Conselhos e Secretarias de Educação. 

É importante ter em mente os princípios básicos de gestão, que se tornam ainda mais importantes em cenários de crise: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade (e transparência) e eficiência. – Andressa Pellanda,  coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Só quando se ouve a comunidade escolar é possível fazer modificações de fato. É uma ilusão achar que vamos mudar a educação brasileira na canetada. Gestão democrática é eficiente, não ser democratico é ineficiente. – Romualdo Portela, presidente da ANPAE

A autoavaliação participativa da escola é uma estratégia muito importante de monitoramento dos planos. [Nós da Ação Educativa] atuamos na portaria do Sinaeb, previsto no artigo 11 do PNE, para que a autoavaliação fosse tida como fundamental no sistema de avaliação. Assim avançamos  no debate para além das avaliações externas em larga escala. – Claudia Bandeira, Assessora de educação na Ação Educativa

Financiamento da educação e contexto político 

Para pôr tudo isso em prática, não há dúvidas: é preciso ter recursos suficientes. Ou seja, o financiamento da Educação pública é tema central para o cumprimento dos planos de educação. 

O Fundeb, principal mecanismo de financiamento do país, tornou-se permanente em 2020 e incorporou grandes conquistas nesse sentido, assegurando mais recursos para os municípios e permitindo planejar políticas de educação a longo prazo. No entanto, o aumento de recursos será gradual e parte dele ainda está em disputa no processo de regulamentação do fundo. É preciso, portanto, garantir que a regulamentação não traga retrocessos em relação ao que foi aprovado. Por exemplo, que não amplie ainda mais a destinação de recursos públicos para escolas privadas, como autoriza o relatório do deputado Felipe Rigoni. Também vale lembrar que o montante do Fundeb se baseia no valor arrecadado por impostos, que deve ser afetado pela crise econômica. 

O não cumprimento do Plano Nacional de Educação [e dos estaduais e municipais] também é diretamente afetado pelo desmonte de políticas e órgãos educacionais, sobretudo os que tratam do enfrentamento de desigualdades. Soma-se a isso um contexto de desfinanciamento da educação pública e de áreas sociais, em que se destacam: 

  1. Emenda Constitucional 95 [Teto de Gastos], que limita radicalmente os investimentos em áreas sociais e essenciais, como saúde e educação. Para que sejam efetivamente cumpridos, é necessária a revogação da Emenda. 
  2. Proposta de Orçamento para 2021 que não prevê recursos suficientes para áreas sociais e educação. Estudo da Coalizão Direitos Valem Mais indica que são necessários R$36 bilhões extras na Educação para combater as desigualdades que se aprofundaram durante a pandemia e para garantir que a reabertura de escolas seja feita com segurança. Nesse sentido, a demanda é por um piso emergencial mínimo para as áreas sociais. 
  3. PEC 188, do Pacto Federativo, que propõe a fusão dos pisos de saúde e educação. Assim, as áreas essenciais disputariam o orçamento. 
  4. Ataques a processos participativos e de controle social, como intervenção do governo no Fórum Nacional de Educação e na Conferência Nacional de Educação (CONAE) e o Decreto 9759/2019, que restringiu a participação e o controle social. 

Precisamos tornar o financiamento da educação uma pauta de toda a sociedade. Não há como materializar políticas efetivas para garantia do direito à educação sem a garantia dos recursos adequados. – Gilvânia Nascimento (Uncme-BA)

“Só combinando luta institucional com pressão popular é que vamos conseguir, de fato, colocar a educação no centro da agenda das políticas públicas”  –
Romualdo Portela, presidente da ANPAE

Consulte:

  1. NOTA TÉCNICA: Recomendações para a disponibilização e a coleta de dados sobre as ações das redes de ensino relacionadas às atividades educacionais durante a pandemia da Covid-19 – guia para p gestões municipais abordando como fazer políticas emergenciais com gestão democrática e transparente.
  2. Guia COVID-19 – Volume 9: Eleições Municipais – série de recomendações para gestões municipais sobre educação,  como os processos para reabertura das escolas, financiamento adequado e necessidade de cumprimento de planos de educação. 
  3. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil: dos Projeto-Político Peagógicos das Escolas à Política Educacional
  4. Programa de Ação “Ocupar escolar, proteger pessoas e valorizar educação“.

Webinário discute desafios enfrentados na educação indígena, quilombola e do campo

Debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb pode fazer diferença na garantia do direito à educação de qualidade das modalidades

Na próxima terça-feira (24), às 18h30, a Iniciativa De Olho nos Planos promove o webinário “Regulamentação Fundeb: como garantir educação de qualidade nas escolas indígenas, quilombolas e do campo”.

Partindo dos resultados do mapeamento realizado pela Iniciativa com comunidades escolares em todo o país, o debate pretende explorar como a regulamentação do novo Fundeb, que entrou na pauta do Congresso Nacional na segunda-feira (16/11), pode impactar as modalidades. 

Entre outros pontos, a regulamentação do novo Fundeb vai delimitar os fatores de ponderação, os “pesos” das diferentes etapas e modalidades de ensino no repasse dos recursos. Um estudo do Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai analisou o impacto do novo Fundeb para a educação escolar indígena, quilombola e em territórios de vulnerabilidade social. O documento recomenda que os fatores de ponderação destas modalidades sejam de 50%. Ou seja, que o valor por matrícula seja 50% maior do que valor aluno-ano de referência, até ficar compatível com os que é estabelecido pelo CAQ. 

Já o monitoramento realizado pela Iniciativa De Olho nos Planos em outubro de 2020 identificou vários problemas nas modalidades em todo o país diretamente relacionados ao financiamento da Educação, como a desvalorização das e dos profissionais da educação, a falta de insumos básicos como acesso a água, saneamento básico e energia elétrica, além de espaços como bibliotecas e quadras poliesportivas. Tais insumos são previstos pelo Custo Aluno-Qualidade (CAQ), constitucionalizado na lei do Fundeb. 

O webinário, que vai debater os temas acima, contará com a participação de Denise Carreira (coordenadora da Ação Educativa), Gersen Baniwa (professor da UFAM e liderança indígena), Maria de Jesus dos Santos (professora de educação do campo) e Páscoa Sarmento (doutoranda na UFPA e liderança quilombola). A mediação é de Claudia Bandeira, Assessorada Ação Educativa. 

O encontro vai ser transmitido nas páginas do Facebook da Iniciativa De Olho Nos Planos, Oxfam Brasil, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa e Gênero e Educação, e no Youtube da Ação Educativa.