Relatório de acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU demonstra preocupação com o cenário educacional brasileiro e apresenta recomendações para que o país cumpra com seus compromissos humanitários
O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 lançou, na quinta-feira (22/09), a terceira edição do Relatório Luz. Assinada por 32 organizações de sociedade civil – entre as quais a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), o Geledés Instituto da Mulher Negra – a publicação analisa a atual situação de implementação da Agenda 2030 no Brasil e apresenta recomendações nacionais para a efetiva implementação dos objetivos atrasados.
Em vigor desde janeiro de 2016, a Agenda 2030 é um plano de ação, composto por 17 objetivos e 169 metas, que deve ser implementado pelos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2030.
Na análise do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, que trata de educação, o relatório aponta a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que restringiu os gastos nas áreas sociais até 2036, como um obstáculo para a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE) e a universalização do acesso à educação de qualidade no Brasil.
“O PNE é a principal política pública do país para alcance do ODS 4 e ambos estão ameaçados. Organizado como uma agenda progressiva, o não-cumprimento das ações do PNE previstas para 2015 prejudica o andamento das atividades em 2016 e assim sucessivamente. Vale ressaltar que, até 2018, apenas 30% das metas e estratégias previstas desde 2015 tinham apresentando algum avanço e nenhuma tinha sido integralmente cumprida, status que não apresenta avanços significativos em 2019”, afirma o relatório.
Educação Infantil
Como metodologia analítica, o relatório aproxima as orientações do ODS 4 às metas e estratégias do Plano Nacional de Educação, tomando o PNE como uma agenda aprofundada de execução dos ODS.
Uma das aproximações trata dos dispositivos de Educação Infantil (Meta 1 do PNE e Meta 4.2 dos ODS) e dos obstáculos atualmente existentes para sua plena garantia.
“Desde 2014 até 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a taxa de escolarização cresceu apenas 4% dos 11% para chegar à totalidade esperada”, afirma o relatório.
Segundo o PNE, a universalização do acesso à escola para crianças de 4 e 5 anos deveria ter sido alcançada em 2016. Passados 3 anos da data prevista, o objetivo segue atrasado e caminha a passos lentos.
A ampliação da escolarização de crianças de 0 a 3 anos também não tem ocorrido no ritmo esperado. Apesar do PNE determinar que 50% desta população deve estar na escola até 2024, o percentual atual não chega a 35%.
“Seria necessário investir o suficiente de forma a garantir acesso às creches a mais de 20% da população nesta faixa etária. Em 2017, o aumento foi apenas de 4%”, pontua a análise.
Educação Profissional
Outro gargalo evidenciado pelo relatório é a expansão da Educação Profissional. Prevista sem quantitativo especificado nas metas 4.38 e 4.b dos ODS, mas com determinação de ter sua oferta triplicada entre 2014 e 2024 na Meta 11 do PNE, a Educação Profissional tem apresentado taxas oscilantes, podendo não atingir o percentual previsto no Plano. A maior expansão da modalidade atingida até agora foi de 24%, “muito longe de triplicar a oferta de vagas na Educação Profissional Técnica de Nível Médio conforme prevê o PNE”, aponta a publicação.
Ensino Superior
O relatório aponta ainda um acesso restrito ao Ensino Superior, muito concentrado na rede privada. A participação da rede pública na expansão segue “baixa e distante dos 40% indicados no PNE”, registra.
Educação de Jovens e Adultos
A situação da Educação de Jovens e Adultos também aparece como alarmante. Enquanto os ODS 4.411 e 4.612 colocam a necessidade de elevar a população alfabetizada, a Meta 9 do PNE quantifica o objetivo, propondo uma elevação da taxa de alfabetização da para 93,5% até 2015 até que se chegue a 100% em 2024. Em 2018, sequer a taxa de 93,5% esperada para 2015 havia sido alcançada.
O relatório ainda revela que, na contramão de avançar neste indicador, o Governo Federal, em 2016, sob a gestão de Governo Temer, desmontou o Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Voltado para jovens, adultos e idosos, o programa previa um aporte financeiro a municípios com altas taxas de analfabetismo. O estudo chama atenção para o fato de que, até hoje, não se reestruturou uma política elaborada para a Educação de Jovens e Adultos e cresce o fechamento e sucateamento de escolas nessa modalidade.
Ameaças à garantia do direito à educação
Outro ponto de preocupação salientado no relatório é a ascensão de grupos ultraconservadores no país. A publicação chama atenção para a atuação do movimento “Escola Sem Partido” que, mesmo com recomendações contrárias do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU; da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)15, da Organização dos Estados Americanos (OEA); de Estados Nacionais, através da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU; e do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, segue sendo impulsionado e legitimado pelo Governo Federal.
Segundo o texto, ao proibir as profissionais da educação a abordar temas como democracia, igualdade racial, igualdade e identidade de gênero nas escolas, o “Escola Sem Partido” tem “contrariado esforços para combater a exploração e o abuso sexual, o casamento infantil, a gravidez na adolescência, as infecções sexualmente transmissíveis e as violências com base em gênero e orientação sexual”.
Também na contramão da superação dessas violências e desigualdades, foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O órgão era responsável pelos programas, ações e políticas de Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e Educação em Direitos Humanos.
“A extinção da SECADI/MEC representou também o descompromisso com políticas e ações voltadas para o enfrentamento do racismo e do sexismo, para a educação no campo, educação ambiental, educação de pessoas encarceradas, educação de jovens e adultos, entre outros”, registra o relatório.
A conjunção do avanço do Escola Sem Partido com a extinção da SECADI e um processo crescente de militarização de escolas é avaliada como ameaça sensível à Meta 4.7 dos ODS. Nela, propõe-se que estudantes conheçam a educação para os direitos humanos, a igualdade de gênero, a promoção de uma cultura de paz e não violência, a cidadania global, a valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.
Por isto, a publicação recomenda a revogação de todas as leis aprovadas com a finalidade de proibir profissionais de educação abordam gênero e sexualidade nas escolas.
Acesse aqui o relatório completo e confira abaixo todas as recomendações:
Revogar a Emenda Constitucional 95/2016 e disponibilizar recursos adequados para garantir o direito à educação de qualidade, conforme prevê a Constituição Federal e o Plano Nacional de Educação; ampliar a complementação orçamentária da União ao FUNDEB de 10% para 40%.
Garantir a oferta de educação pública de qualidade, a formação inicial e continuada e a valorização dos(as) profissionais da educação.
Garantir o direito à educação para todas e todos como um bem público, com qualidade socialmente referenciada, e reter o avanço da privatização da educação, que ameaça o direito à educação.
Suspender a Reforma do Ensino Médio e propor uma nova que garanta os direitos das(os) estudantes, a defesa irrestrita da educação pública de qualidade para todas e todos e a redução das desigualdades educacionais;
Revogar todas as leis aprovadas com a finalidade de proibir que profissionais de educação abordem gênero e sexualidade nas escolas, assegurar e promover a discussão de gênero e diversidade sexual, baseada nos direitos humanos nos ambientes escolares, assim como o direito a uma adequada educação sexual;
Efetivar um intenso processo de Educação Ambiental que dialogue com a sociedade, esclareça e guie as ações de implementação da Agenda 2030, orientado pelo Tratado Internacional de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global;
Resgatar, fortalecer e valorizar metodologias participativas e Coletivos relevantes na luta histórica do campo socioambiental brasileiro: os Fóruns DLIS (Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável), os Núcleos Territoriais para Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e os processos de Agenda 21 Local e Escolar.
Reportagem: Júlia Daher
Revisão: Claudia Bandeira
Saiba mais:
– PNE chega à metade de seu período de vigência com 16 metas estagnadas e 4 com avanço parcial
– Decreto federal extingue órgãos de participação social
– Qual é o impacto da extinção da secretaria responsável pelo Plano Nacional de Educação?
– Especialistas avaliam fim de secretaria ligada à diversidade e inclusão