Relatório de sociedade civil recomenda revogação do Teto de Gastos para implementação do Plano Nacional de Educação

Relatório de acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU demonstra preocupação com o cenário educacional brasileiro e apresenta recomendações para que o país cumpra com seus compromissos humanitários

Imagem apresenta os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS):  1. Erradicação da pobreza; 2. Fome zero; 3. Boa saúde e bem-estar; 4. Educação de Qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água limpa e saneamento; 7. Energia acessível e limpa; 8. Emprego digno e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Combate às alterações climáticas; 14. Vida debaixo d'água; 15. Vida sobre a terra; 16. Paz, justiça e instituições fortes; 17. Parcerias em prol das metas.

O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 lançou, na quinta-feira (22/09), a terceira edição do Relatório Luz. Assinada por 32 organizações de sociedade civil – entre as quais a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), o Geledés Instituto da Mulher Negra – a publicação analisa a atual situação de implementação da Agenda 2030 no Brasil e apresenta recomendações nacionais para a efetiva implementação dos objetivos atrasados.

Em vigor desde janeiro de 2016, a Agenda 2030 é um plano de ação, composto por 17 objetivos e 169 metas, que deve ser implementado pelos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2030.

Na análise do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, que trata de educação, o relatório aponta a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que restringiu os gastos nas áreas sociais até 2036, como um obstáculo para a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE) e a universalização do acesso à educação de qualidade no Brasil.

“O PNE é a principal política pública do país para alcance do ODS 4 e ambos estão ameaçados. Organizado como uma agenda progressiva, o não-cumprimento das ações do PNE previstas para 2015 prejudica o andamento das atividades em 2016 e assim sucessivamente.  Vale ressaltar que, até 2018, apenas 30% das metas e estratégias previstas desde 2015 tinham apresentando algum avanço e nenhuma tinha sido integralmente cumprida, status que não apresenta avanços significativos em 2019”, afirma o relatório.

Educação Infantil

Como metodologia analítica, o relatório aproxima as orientações do ODS 4 às metas e estratégias do Plano Nacional de Educação, tomando o PNE como uma agenda aprofundada de execução dos ODS.

Gráfico 2 do ODS 4 (Educação) apresenta a taxa de escolarização de crianãs de 4 a 5 anos de idade entre 2014 e 2017. Em 2014, a taxa era de 89,1%; em 2015, de 90,5%; em 2016, de 91,5%; em 2017, de 93%. Ao lado, coluna apressenta meta não cumprida de 2016, de atingir o percentual de 100%. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Uma das aproximações trata dos dispositivos de Educação Infantil (Meta 1 do PNE e Meta 4.2 dos ODS) e dos obstáculos atualmente existentes para sua plena garantia.

“Desde 2014 até 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a taxa de escolarização cresceu apenas 4% dos 11% para chegar à totalidade esperada”, afirma o relatório.

Segundo o PNE, a universalização do acesso à escola para crianças de 4 e 5 anos deveria ter sido alcançada em 2016. Passados 3 anos da data prevista, o objetivo segue atrasado e caminha a passos lentos.

Gráfico 1 do ODS 4 (Educação) apresenta a taxa de escolarização de crianãs de 0 a 3 anos de idade entre 2014 e 2017. Em 2014, a taxa era de 29,6%; em 2015, de 30,4%; em 2016, de 31,9%; em 2017, de 34,1%. Ao lado, coluna apressenta meta para 2024, de atingir o percentual de 50%. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A ampliação da escolarização de crianças de 0 a 3 anos também não tem ocorrido no ritmo esperado. Apesar do PNE determinar que 50% desta população deve estar na escola até 2024, o percentual atual não chega a 35%.

“Seria necessário investir o suficiente de forma a garantir acesso às creches a mais de 20% da população nesta faixa etária. Em 2017, o aumento foi apenas de 4%”, pontua a análise.

Educação Profissional

Outro gargalo evidenciado pelo relatório é a expansão da Educação Profissional. Prevista sem quantitativo especificado nas metas 4.38 e 4.b dos ODS, mas com determinação de ter sua oferta triplicada entre 2014 e 2024 na Meta 11 do PNE, a Educação Profissional tem apresentado taxas oscilantes, podendo não atingir o percentual previsto no Plano. A maior expansão da modalidade atingida até agora foi de 24%, “muito longe de triplicar a oferta de vagas na Educação Profissional Técnica de Nível Médio conforme prevê o PNE”, aponta a publicação.

Gráfico 3 do ODS 4 (Educação) apresenta a taxa de expansão oscilante da Educação Profissional.
Em 2014, o percentual foi de 20,9% (1.742.068 em números absolutos). Em 2015, o percentual foi de 20,1% (1.731.538 em números absolutos). Em 2016, o percentual foi de 16% (1.672.491 em números absolutos). Em 2017, o percentual foi de 17,7% (1.697.013 em números absolutos). Em 2018, o percentual foi de 24,2% (1.790.144 em números absolutos). A meta para 2024 é de 200% (4.324.293 em números absolutos).
A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Ensino Superior

O relatório aponta ainda um acesso restrito ao Ensino Superior, muito concentrado na rede privada. A participação da rede pública na expansão segue “baixa e distante dos 40% indicados no PNE”, registra.

Gráfico 4 do ODS 4 (Educação) apresenta o percentual da população de 18 a 24 anos que frequenta ou já concluiu cursos de graduação.
Em 2014, a taxa foi de 22,1%. Em 2015, de 23,1%. Em 2016, 24,2%. Em 2017, 23,5%. Em 2018, 25,6%. A meta para 2024 é de 33%.
A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Gráfico 5 do ODS 4 (Educação) apresenta a participação da rede pública na expansão das matrículas no Ensino Superior.
Em 2014, a taxa foi de 8,1%. Em 2015, de 5,5%. Em 2016, de 9,2%. Em 2017, de 11,8%. A meta para 2024 é de 40,6%.

A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Educação de Jovens e Adultos

A situação da Educação de Jovens e Adultos também aparece como alarmante. Enquanto os ODS 4.411 e 4.612 colocam a necessidade de elevar a população alfabetizada,  a Meta 9 do PNE quantifica o objetivo, propondo uma elevação  da taxa de alfabetização da para 93,5% até 2015 até que se chegue a 100% em 2024. Em 2018, sequer a taxa de 93,5% esperada para 2015 havia sido alcançada.

Gráfico 7 do ODS 4 (Educação) apresenta a taxa dde analfabetismo funcional na população de 15 a 64 anos. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a instituição que produziu o gráfico é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O relatório ainda revela que, na contramão de avançar neste indicador, o Governo Federal, em 2016, sob a gestão de Governo Temer, desmontou o Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Voltado para jovens, adultos e idosos, o programa previa um aporte financeiro a municípios com altas taxas de analfabetismo. O estudo chama atenção para o fato de que, até hoje, não se reestruturou uma política elaborada para a Educação de Jovens e Adultos e cresce o fechamento e sucateamento de escolas nessa modalidade.

Ameaças à garantia do direito à educação

Outro ponto de preocupação salientado no relatório é a ascensão de grupos ultraconservadores no país. A publicação chama atenção para a atuação do movimento “Escola Sem Partido” que, mesmo com  recomendações contrárias do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU; da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)15, da Organização dos Estados Americanos (OEA); de Estados Nacionais, através da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU; e do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, segue sendo impulsionado e legitimado pelo Governo Federal.

Segundo o texto, ao proibir as profissionais da educação a abordar temas como democracia, igualdade racial, igualdade e identidade de gênero nas escolas, o “Escola Sem Partido” tem “contrariado esforços para combater a exploração e o abuso sexual, o casamento infantil, a gravidez na adolescência, as infecções sexualmente transmissíveis e as violências com base em gênero e orientação sexual”.

Também na contramão da superação dessas violências e desigualdades, foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O órgão era responsável pelos programas, ações e políticas de Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e Educação em Direitos Humanos.

“A extinção da SECADI/MEC representou também o descompromisso com políticas e ações voltadas para o enfrentamento do racismo e do sexismo, para a educação no campo, educação ambiental, educação de pessoas encarceradas, educação de jovens e adultos, entre outros”, registra o relatório.

A conjunção do avanço do Escola Sem Partido com a extinção da SECADI e um processo crescente de militarização de escolas é avaliada como ameaça sensível à Meta 4.7 dos ODS. Nela, propõe-se que estudantes conheçam a educação para os direitos humanos, a igualdade de gênero, a promoção de uma cultura de paz e não violência, a cidadania global, a valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.

Por isto, a publicação recomenda a revogação de todas as leis aprovadas com a finalidade de proibir profissionais de educação abordam gênero e sexualidade nas escolas.

Acesse aqui o relatório completo e confira abaixo todas as recomendações:

1. Financiamento

Revogar a Emenda Constitucional 95/2016 e disponibilizar recursos adequados para garantir o direito à educação de qualidade, conforme prevê a Constituição Federal e o Plano Nacional de Educação; ampliar a complementação orçamentária da União ao FUNDEB de 10% para 40%.
2. Valorização Docente

Garantir a oferta de educação pública de qualidade, a formação inicial e continuada e a valorização dos(as) profissionais da educação.
3.Qualidade

Garantir o direito à educação para todas e todos como um bem público, com qualidade socialmente referenciada, e reter o avanço da privatização da educação, que ameaça o direito à educação.
4.Ensino Médio

Suspender a Reforma do Ensino Médio e propor uma nova que garanta os direitos das(os) estudantes, a defesa irrestrita da educação pública de qualidade para todas e todos e a redução das desigualdades educacionais;
5.Gênero e Sexualidade

Revogar todas as leis aprovadas com a finalidade de proibir que profissionais de educação abordem gênero e sexualidade nas escolas, assegurar e promover a discussão de gênero e diversidade sexual, baseada nos direitos humanos nos ambientes escolares, assim como o direito a uma adequada educação sexual;
6.Educação Ambiental

Efetivar um intenso processo de Educação Ambiental que dialogue com a sociedade, esclareça e guie as ações de implementação da Agenda 2030, orientado pelo Tratado Internacional de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global;
7.Participação e Responsabilidade Socioambiental

Resgatar, fortalecer e valorizar metodologias participativas e Coletivos relevantes na luta histórica do campo socioambiental brasileiro: os Fóruns DLIS (Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável), os Núcleos Territoriais para Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e os processos de Agenda 21 Local e Escolar.

Reportagem: Júlia Daher
Revisão: Claudia Bandeira

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