“Planos municipais e estaduais não podem proibir as questões de gênero, porque contrariam as Diretrizes Nacionais da Educação”

Para Cláudia Dutra, da Secadi/MEC, esses textos são um retrocesso na pauta legislativa educacional; OAB e movimentos da sociedade civil também se posicionam contra essas proibições

seminario_genero_educacao_claudia_dutra_secadi1Se nos Planos de Educação de dez estados brasileiros foram retiradas as menções à igualdade de gênero, em alguns Planos Municipais de Educação aprovados a questão é até explicitamente proibida de ser discutida nas escolas. É o caso de capitais como Teresina (PI), Recife (PE) e Palmas (TO), e outras cidades de todo o Brasil – Santa Bárbara d’Oeste (SP), Viçosa e Varginha (MG), Paranaguá e Cascaval (PR), e Mossoró (RN).

No art. 2º do Plano Municipal de Educação de Varginha (MG), por exemplo, lê-se que “são diretrizes do PME: X – promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos e à sustentabilidade socioambiental. Parágrafo único. Não será permitida direta ou indiretamente implantar, lecionar ou aplicar a ideologia de gênero no âmbito do Município de Varginha”.

“Planos municipais e estaduais não podem proibir as questões de gênero, porque contrariam as Diretrizes Nacionais da Educação”, diz Cláudia Dutra, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC). A descoberta de Planos que proíbem a questão foi algo inesperado pela Secretaria, pela afronta que são aos direitos de todos e todas.

O órgão está realizando um estudo preliminar, através de um processo de leitura por amostragem, de cerca de 400 Planos de Educação, no que se refere aos pontos sobre direitos humanos, diversidade e sustentabilidade socioambiental. “Acredito que vamos chegar a menos de 10% de todos os Planos do país com essa proibição. Mas esse já é um número significativo, do ponto de vista do que eles significam para a Educação brasileira, que tem marcos legais de pluralidade, liberdade e pensamento”, defende.

Questão polêmica

A inclusão de metas relacionadas à igualdade de gênero nos Planos busca combater as violências, discriminações e desigualdades relacionadas a gênero e orientação sexual que acontecem nas escolas. A pesquisa nacional Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (Fipe, MEC, Inep, 2009), revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%) e orientação sexual (26,1%).

A questão se tornou polêmica desde o ano passado, durante o processo de aprovação dos Planos de Educação, devido a pressões exercidas pelas bancadas religiosas conservadoras sobre o que eles chamam de “ideologia de gênero”.

“A divergência faz parte do processo educacional. Mas não há uma demanda social ampla de estudantes e familiares sobre essa questão. O debate de gênero foi alçado a um debate que gera capital político, e se cria artificialmente uma polêmica com o intuito de retrocessos”, disse Cláudia Dutra.

No ano passado, o Conselho Nacional de Educação e o MEC emitiram notas orientando os municípios a revisarem os planos de educação que não abordem questões de gênero.

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Notificações extrajudiciais x diretrizes educacionais

Como consequência dessa polêmica, muitas escolas e professores têm recebido notificações extrajudiciais de pais ou familiares, nas quais os professores ou professoras e os diretores ou diretoras que se manifestem sobre questões de gênero ou diversidade podem ser processados judicialmente, com possibilidade de prisão, multa ou perda de cargo público.

O MEC divulgou nota na quarta-feira (dia 4) repudiando essas notificações extrajudiciais. O documento cita os princípios da Educação nacional presentes na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/1996) e no Plano Nacional de Educação (Lei nº. 13.005/2014), como a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação.

“Compreendemos que os marcos legais e as diretrizes educacionais nacionais não deixam dúvidas quanto à necessidade de se trabalhar as questões de gênero, resguardadas as especificidades de cada nível e modalidade de ensino, com vistas à promoção da cidadania, à erradicação de todas as formas de discriminação e à promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos e à diversidade”, diz o documento.

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Outras organizações também se manifestaram sobre a questão, como o Fórum Nacional de Educação, que divulgou nota contra as notificações em março. A OAB (Ordem dos Advogados) de algumas regiões do Brasil, como Tocantins e Paraná, está se articulando para ir ao Supremo Tribunal Federal pedir a inconstitucionalidade desses Planos que proíbem os assuntos de gênero e diversidade sexual.

“Os Planos de Educação são leis complementares à nossa Constituição e LDB. Então, não é porque a menção a gênero caiu em um município, ou mesmo foi vetado, que agora está proibido. Estão propagando uma desinformação imensa, com ameaças terríveis que estão fazendo sobre os professores”, disse Denise Carreira, da Ação Educativa, durante o seminário Seminário Nacional Gênero nas Políticas Educacionais: ameaças, desafios e ação política, ocorrido nos dias 2 e 3 de maio em São Paulo.

capa_folder_generoeeducacao-1Já o projeto Gênero e Educação, uma parceria entre Ação Educativa, Geledés, Ecos – Comunicação em Sexualidade e Cladem, com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres e ONU Mulheres, lançou o folder Pelo Direito à Igualdade de Gênero na Escola. O documento trata da importância de abordar a questão de gênero nas escolas e dá orientações sobre como lidar com os casos em que os Planos proíbem esse debate. O documento está disponível no site do projeto, em arquivo aberto, para ser adaptado e distribuído em escolas de todo o país.

Essas organizações, em ação conjunta com a ABGLT e o CFEMEA, encaminharam hoje (dia 10) representação à Procuradoria Federal dos Direitos Humanos (PFDC/MPF), solicitando a apuração de violações de direitos humanos realizadas por grupos conservadores e fundamentalistas junto às escolas públicas e gestões municipais e estaduais que buscam cercear o direito constitucional à educação para igualdade de gênero, raça e sexualidade. “A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão é o órgão responsável por garantir os direitos difusos e coletivos”, explica Denise.

 

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Reportagem: Stephanie Kim Abe
Edição: Claudia Bandeira

Foto 1: Cláudia Dutra, da Secadi/MEC, durante o Seminário Gênero e Educação (Crédito: Denise Eloy)
Foto 2: Cláudia Dutra, da Secadi/MEC, durante o Seminário Gênero e Educação (Crédito: Denise Eloy)
Foto 3: Denise Carreira, da Ação Educativa, durante o Seminário Gênero e Educação (Crédito: Denise Eloy)
Foto 4: Capa do folder Pelo Direito à Igualdade de Gênero na Escola (Crédito: Divulgação)

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