Alfabetização, BNCC, Fundeb, Reforma do Ensino Médio, militarização das escolas, Educação Especial e formação de professoras(es) foram temas abordados pelo Ministro da Educação, Ricardo Vélez. Professoras(es) e estudantes foram impedidas(os) de se colocar.
Em audiência pública realizada nesta terça-feira, 26, no Senado Federal, o novo Ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodriguez, apresentou 7 diretrizes para o ano de 2019. Durante a audiência, estudantes e professores(as) foram impedidas(os) de falar.
Veja os pontos expostos:
“Precisamos inverter a pirâmide da educação. Hoje, o Ensino Superior tem precedência orçamentária sobre a Educação Básica. Isso precisa mudar”, defendeu o Ministro no primeiro ponto de sua exposição. Para isto, apresentou o que categorizou como sua meta prioritária nos 100 primeiros dias de governo: a Política Nacional de Alfabetização, a ser executada pela recém criada Secretaria de Alfabetização.
Como alicerce, citou o relatório “Alfabetização Infantil: os Novos Caminhos”, publicado pela Comissão de Cultura da Câmara em 2003 e atualizado em 2007. Segundo ele, a principal conclusão do relatório é que as políticas e práticas de alfabetização não têm acompanhado os debates científicos e metodológicos das últimas décadas do século XX. Em função disto, inverter este cenário será o pilar da nova secretaria.
Vélez mencionou também o documento “Aprendizagem Infantil, uma Abordagem da Neurociência, Economia e Psicologia Cognitiva”, publicado em 2011 pela Academia Brasileira de Ciência. O relatório elenca países que modificaram as políticas públicas de alfabetização e obtiveram um progresso significativo na aprendizagem da leitura e da escrita. Entre eles, estão Finlândia, França, Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e Israel. “Não queremos reinventar a roda, vamos ter humildade e fazer o que o mundo está fazendo com sucesso”, propôs.
Por fim, mencionou o Guia Interamericano de Estratégias de Redução de Desigualdade Educativa da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 2018, cujas recomendações estão sendo incorporadas na Política Nacional de Alfabetização. São elas:
- Compreender o princípio alfabético;
- Aprender as correspondências entre grafemas e fonemas;
- Segmentar sequências ortográficas de palavras escritas em grafemas;
- Segmentar sequências fonológicas de palavras faladas em fonemas;
- Usar regras de correspondência grafema-fonema para decodificar a informação.
Procurado pelo De Olho para avaliar as diretrizes, o educador, economista e coordenador da Ação Educativa, Sergio Haddad, chama atenção para o fato do Ministro não mencionar que o que justifica a maior aplicação dos recursos do MEC no Ensino Superior é a divisão de responsabilidades das etapas educacionais entre os entes federativos.
“O Ministro não menciona que a responsabilidade do MEC é com Ensino Superior, por isto, a maior aplicação dos seus recursos. São os estados e principalmente os municípios que se responsabilizam pela alfabetização e investem seus recursos neste campo. Esta dicotomia entre apoiar o Ensino Superior ou a Educação Infantil não faz sentido, pois, para se ter uma boa alfabetização, é necessário ter um bom Ensino Superior para formar os professores”, explica.
Ele também chama atenção para o esquecimento do público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na apresentação das prioridades.
“Uma Política Nacional de Alfabetização é importante, mas, infelizmente, o ministro não considera nesta política o elevado contingente de jovens e adultos acima de 14 anos que não sabem ler e escrever, menciona apenas as crianças”, observa.
Vale destacar que a Educação de Jovens e adultos está prevista na Meta 9 do Plano Nacional de Educação (PNE), cuja execução está atrasada. Sergio lembra também do fechamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), responsável, entre outras coisas pelas políticas de EJA. “Inclusive, o MEC fechou a secretaria encarregada de atuar com esta modalidade de ensino. Uma lástima!”
“A BNCC é um documento extenso, fruto de muita discussão e trabalho. Mas palavras impressas no papel não bastam para que o ensino tenha real qualidade. Na sala de aula, a Base precisa ser compreendida e complementada pelas contribuições das redes estaduais e municipais. Desde já convido a todos gestores e professores a tornar esse documento vivo, o que significa criticá-lo, adaptá-lo e compreendê-lo”, informou o ministro.
Neste sentido, informou que serão realizadas ainda neste ano uma formação de professores e a revisão dos projetos pedagógicos das escolas conforme os novos currículos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Para o Ensino Médio, comunicou que a elaboração dos novos currículos alinhados à própria BNCC e aos referenciais paras os itinerários formativos também estão previstos para este ano.
A BNCC tem sido alvo de intensas críticas nos últimos dois anos. Apesar de ter havido períodos de envio de contribuições para o documento e algumas audiências públicas, o processo foi criticado por organizações da sociedade civil, sindicatos e representações acadêmicas por ser muito verticalizado e apresentar uma concepção reducionista de direito à educação. A própria ideia de centralização e homogeneização curricular é também controversa.
Outro ponto de conflito é o respeito à diversidade. Com a justificativa de que a temática de gênero provocara muita disputa – tanto na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), quanto da BNCC – o MEC suprimiu os termos “gênero” e “orientação sexual” do documento. O Conselho Nacional de Educação (CNE), por sua vez, acatou a sugestão do MEC e prometeu soltar, posteriormente, um documento orientações sobre o tema: até hoje não publicado.
O Ministro anunciou que haverá uma rediscussão do formato do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) com integrantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED).
O fundo vigente vence em 2020 e novo formato ainda está em disputa. No Congresso, duas propostas foram apresentadas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, da Câmara dos Deputados, aguarda a apreciação do plenário. Já a PEC 24/2017, do Senado Federal, está arquivada devido ao final de mandato e aguarda desarquivamento.
Segundo a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, para a implementação do Custo-Aluno-Qualidade-Inicial (CAQi) e do Custo-Aluno-Qualidade, mecanismos de financiamento determinados pelas estratégias da Meta 20 do Plano Nacional de Educação, é necessário que a complementação da União ao fundo seja de no mínimo 50%. Atualmente, cumpre-se o mínimo constitucional, que é de 10%.
Quanto ao Ensino Médio, o Ministro frisou que é preciso “torná-lo mais atrativo aos jovens, aproximando-o das realidades práticas do trabalho, mas um trabalho que supere lógicas fordistas”.
Neste sentido, disse que a implementação da reforma dará atenção especial ao quinto itinerário formativo, o do Ensino Técnico. “Hoje é para o empreendedorismo, para a criatividade, que temos que formar os jovens. O 5º eixo formativo do novo Ensino Médio é estratégico para isto. Uma educação tecnológica robusta é o que marca as economias mais avançadas atualmente”, justificou.
Para viabilizar essa mudança, indicou que a rede federal pode ser indutora de um ensino vocacionado para a produção de tecnologia, atendendo as demandas do setor produtivo e da sociedade.
O psicólogo e supervisor da área de juventude da Ação Educativa, Gabriel Di Pierro, avaliou a fala do ministro como muito estrita.
“Ele traz uma perspectiva instrumental da educação em função de uma suposta empregabilidade. Hoje, as redes não tem condições de realizar essa oferta, seja para trazer uma formação tecnológica, criativa, ou mesmo para garantir os diferentes itinerários formativos. Quantos cursos? Com qual qualidade? E se o estudante quiser buscar outros caminhos, terá oferta?”, questiona.
Gabriel explica também que a atratividade da etapa extrapola apenas sua aproximação com o mundo do trabalho.
“Para tornar o Ensino Médio atrativo para a juventude estudante, não basta inserir o ensino profissionalizante, mas abrir diferentes possibilidades, entre as quais o Ensino Superior também está presente, assim como a oferta de atividades culturais, de saídas, de maior diálogo, condições físicas melhores, professores melhor preparados”, completa.
Outra diretriz prioritária será a militarização das escolas. O Ministro divulgou a recém criada Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, dentro do escopo da Secretaria de Educação Básica (SEB). No pronunciamento, destacou que a adesão ao programa é voluntária: cada ente federado poderá decidir se tem ou não interesse em militarizar seu ensino.
“O presidente Bolsonaro destacou o desejo de ver difundido o modelo de escola de alto nível com base nos padrões de ensino e gestão empregados nos colégios militares. Experiências em andamento em diversos estados brasileiros têm mostrado que a presença de militares no espaço escolar é algo bem-vindo e bem-visto pelas famílias. Os indicadores de aprendizagem melhoram e ocorre redução da criminalidade”, defendeu.
Na contramão desta argumentação, levantamento realizado pelos jornalistas Paulo Saldaña, Estelita Hass, Estêvão Gamba e Fábio Takashi e publicado no jornal Folha de São Paulo, questiona a ideia comum de que é a militarização a responsável pelo bom desempenho de Escolas Militares.
Cruzando as médias do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o perfil socioeconômico das famílias e o porte das escolas, a equipe demonstrou que Escolas Militares têm desempenho similar ao de unidades não militarizadas mas de perfil parecido. Isto é, o alto desempenho atribuído à militarização está mais ligado, na verdade, a fatores como o perfil socioeconômico das famílias, a existência de seleção e o valor financeiro investido por estudante.
Resultado da extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), a nova Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação foi destaque da fala do ministro.
Ele anunciou que o novo órgão possui duas diretorias voltadas para a Educação Especial: a Diretoria de Acessibilidade, Mobilidade, Inclusão e Apoio a Pessoas com Deficiência e a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos e que as subpastas serão responsáveis por dar continuidade e apoio à Política Nacional de Educação Especial. “Nosso mote é nenhum brasileiro para trás”, proclamou.
Na fala, entretanto, Veléz não mencionou outras políticas e ações que a Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação deve assumir. Sendo um resultado de uma alteração na SECADI, é esperado que pasta se responsabilize não apenas pela Educação Especial, como também pela Educação de Jovens e Adultos, a Educação do Campo, a Educação Escolar Indígena, a Educação Escolar Quilombola, a Educação para as Relações Étnico-Raciais e a Educação em Direitos Humanos. Todavia, nada sobre essas áreas foi até agora proferido pelo ministro
Procurada pela iniciativa De Olho nos Planos, a assessoria de imprensa do MEC informou que as atividades do órgão estão em ritmo mais lento que o comum devido ao período de transição de gestão. Por isto, não soube informar como serão conduzidas as políticas e ações para estas modalidades.
“Como professor, sei dos desafios e dos aspectos inglórios da nossa profissão”, apregoou Vélez. Por isto, destacou como questão urgente promover medidas que assegurem a disciplina dentro das escolas.
“Valorização do professor vai além do salário. O que os professores querem hoje? Trabalhar em um ambiente salubre e ver seus alunos aprenderem. Também querem ter oportunidades de aperfeiçoamento profissional. Vamos investir na educação continuada de professores, cabendo à CAPES esse processo”, assegurou.
Atualmente, a docência encontra-se entre as profissões mais desvalorizadas para pessoas com Ensino Superior. Muito inferior ao de profissionais de outras áreas com o mesmo nível de formação, o piso salarial do Magistério é atualmente de R$2.557,74. Segundo levantamento do MEC de 2017, 45% sequer pagavam o piso. Mesmo com um cenário tão alarmante, o cumprimento do piso não foi um ponto abordado na fala.
A assistência técnica para a implementação do Piso Salarial Nacional era uma responsabilidade da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), extinta por Veléz em 2 de janeiro.
Polêmicas
Findo o discurso de apresentação das diretrizes, as(os) senadoras(es) apresentaram suas questões ao ministro. Entre tópicos, foram alvo de discussão polêmicas recentes derivadas de declarações do Veléz. Entre elas, constaram críticas ao pedido feito pelo órgão de que as escolas filmassem a leitura do slogan de Bolsonaro durante a execução do hino nacional com estudantes e docentes e a declaração de que as universidades deveriam ser apenas para uma elite intelectual.
Plano Nacional de Educação
Veléz foi também interrogado sobre o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE). Solicitou-se que o ministro apontasse, entre as metas do documento, quais seriam as consideradas prioritárias pelo MEC e como se dariam os esforços políticos, financeiros e técnicos para o seu cumprimento. A pergunta, entretanto, não foi respondida.
Rumo ao 5º ano de vigência, o PNE encontra-se escanteado pelo governo federal. Balanço apresentado em julho do ano passado mostra que somente 30% dos dispositivos previstos para os quatro primeiros anos tiveram algum avanço e somente um foi cumprido integralmente, mas com atraso.
Além do desinteresse político, outro fato apontado como responsável pela não execução do PNE é o Teto de Gastos. O congelamento orçamentário de 20 anos definido pela Emenda Constitucional 95 (EC95) inviabiliza a execução da Meta 20 (que trata de financiamento) e tem um efeito cascata sobre as outras propostas do plano.
Questionado sobre a falta de recurso nos municípios para o aprimoramento do ensino, Veléz ignorou o cenário de corte federal e atribuiu aos secretários o problema. “Os secretários municipais fazem o serviço de preencher esse monte de formulários que precisam apresentar ao MEC para receber recursos. Por vezes, muitas vezes, esses documentos ficam pelo caminho, porque não foi preenchida corretamente a planilha Excel no computador”. Como solução, afirmou que o técnicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) se deslocarão os municípios para dar suporte ao preenchimento de formulários e à produção de requerimentos.
Assista a audiência completa:
Reportagem: Júlia Daher
Edição: Claudia Bandeira
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