Os PLs podem ser encontrados nas casas legislativas de pelo menos 12 estados e 23 cidades, além de no Congresso Nacional, segundo levantamento de pesquisadora da UFRJ
Desde 2014, 62 projetos de lei (PLs) relacionados ao movimento Escola sem Partido tramitaram ou tramitam no Congresso Nacional e nas casas legislativas de pelo menos 12 estados e 23 cidades do Brasil. Esses PLs tratam de temas como a proibição da discussão da questão de gênero nas escolas, materiais didáticos e em textos legais, como os planos de educação, e o combate à “doutrinação político-partidária” dos professores dentro da sala de aula.
O movimento Escola sem Partido (ESP) surgiu em 2004 e seria, de acordo com o site oficial, “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”.
No Congresso Nacional, 10 PLs tramitam na Câmara dos Deputados e um corre no Senado, propostos entre 2014 e 2016. Os estados que possuem PLs ligados ao movimento são Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal. Já a nível municipal, os PLs se encontram na Câmara de Vereadores de Manaus (AM); Vitória da Conquista (BA); Cachoeiro do Itapemirim (ES); Campo Grande (MS); Belo Horizonte (MG); Varginha (MG); Benevides (PA); João Pessoa (PB); Picuí (PB); Teresina (PI); Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina, Santa Cruz do Monte Castelo e Toledo (PR); Recife (PE); Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (RJ), Uruguaiana (RS), Joinville (SC), São Paulo e Limeira (SP) e Palmas (TO).
Até o final de 2016, a maioria dos projetos de lei encontrava-se em tramitação, tendo alguns poucos sido arquivados. Nas cidades de Santa Cruz do Monte Castelo (PR) (Lei nº 009/2014), Picuí (PB) e Campo Grande (MS) (Lei nº 5.502/15) os PLs de proponentes do Escola sem Partido foram aprovados e seguem em vigor, de acordo com informações das câmaras legislativas. No estado de Alagoas o PL também foi aprovado (Lei nº 7.800/2016), mas em março de 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, concedeu liminar que determinava a suspensão integral da lei, por considera-la inconstitucional. Veja mais informações no infográfico no final da matéria
As informações e o levantamento foram apurados e realizado pela profa. Fernanda Pereira de Moura, para a sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando estudou o Escola sem Partido (ESP) e o impacto de sua interferência na política pública com relação ao Ensino de História.
A quantidade de PLs relacionados ao ESP foi um dos aspectos que a deixou espantada ao fazer essa pesquisa: “mesmo acompanhando o assunto, junto com o movimento Professores contra o Escola sem Partido, nós não tínhamos noção de que eram tantos projetos de lei”. O Professores contra o Escola Sem Partido (PCESP) é um grupo de estudantes e professores(as) que se opõem aos projetos de lei incentivados por este movimento que tramitam em várias casas legislativas do país.
Apesar de ter defendido a sua dissertação no final do ano passado, Fernanda procura manter atualizado o levantamento. Disponível na página https://pesquisandooesp.wordpress.com/, com link para todos o texto de todos os projetos de lei, ele contribui para ampliar o conhecimento das pessoas sobre a atuação e as perspectivas do ESP, o que possibilita fortalecer a luta contra a aprovação dos PLs nos estados, municípios e em âmbito nacional.
“O Escola Sem Partido tenta passar seus projetos de várias formas: faz um projeto de lei, depois tenta um projeto de Emenda Constitucional a nível federal – com um projeto na Câmara e outro no Senado. Mas também atua a nível estadual, municipal. E as pessoas nem têm ciência de que isso acontece, que são dois projetos diferentes tramitando no Congresso Nacional, por exemplo”, explica.
Além de levantar todos os projetos de lei que tramitam nos três níveis de governo, Fernanda se debruçou mais atentamente sobre os 11 PLs que tramitam no Congresso Nacional, para descobrir quem são seus proponentes, qual o seu partido, histórico e relações pessoais e com outros parlamentares. Ela percebeu a ligação direta entre as bancadas religiosas e o movimento ESP, assim como a grande influência que os membros do ESP, mesmo aqueles que não são parlamentares, possuem dentro do Congresso Nacional.
“Os mesmos propositores dos projetos de lei Escola sem Partido são aqueles que assinaram pela retirada de gênero do Plano Nacional de Educação (PNE). Essas coisas estão intimamente ligadas. Além disso, me dei conta de como o próprio Miguel Nagib [procurador do Estado de São Paulo e fundador do movimento] e seu pessoal têm uma forte entrada no Legislativo, porque basicamente eram eles que montavam as mesas das audiências públicas, quem estava sendo convocado, quem ia falar etc”, diz.
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Para realizar o seu levantamento, a pesquisadora usou como critério a busca por projetos de lei que instituíam a censura em sala de aula ou à atuação do(a) professor(a), não apenas aqueles que tinham como nome “Escola sem Partido”. A coleta dos documentos foi feita por meio de download direto dos sites das assembleias e câmaras legislativas ou por contato via email e telefone às mesmas, quando os PLs não estavam disponíveis na internet.
“Por mais que não tivesse o nome Escola sem Partido – e aí alguns colocavam ‘Escola Livre’, ‘Escola sem doutrinação Político-Ideológico’, ou não davam nome nenhum -, era a mesma coisa do projeto ESP. Isso porque, quando o Miguel Nagib cria o projeto de lei, à pedido do deputado estadual do Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro, ele disponibiliza o modelo de PL no site do movimento. Então o vereador, deputado ou senador só precisa trocar o nome dele, o nome da instância na qual ele está protocolando e a data. O projeto está pronto”, explica a pesquisadora.
Impactos no trabalho dos(as) docentes
Como professora de História do Ensino Fundamental II da rede municipal do Rio de Janeiro, Fernanda ouve relato de colegas e vê no dia-a-dia da profissão como o movimento ESP afeta a atuação deles. Para ela, ao incentivar um discurso de ódio e do medo, que acaba não abrindo espaço para o diálogo, o ESP faz com que os(as) professores(as) sejam vistos como inimigos a serem combatidos pelos familiares ou alunos(as), e acabem por escolher não debater certos assuntos polêmicos em sala de aula.
“Vários temas que fazem parte do currículo tradicional mesmo, que estamos acostumados a trabalhar há 30 anos ou mais, como Reforma Protestante, Inquisição ou Evolucionismo, estão sumindo da escola por medo dos professores de serem perseguidos, receberem uma notificação, serem chamados na Secretaria”, relata Fernanda.
No caso da questão de gênero, um desses assuntos polêmicos e que é alvo do ESP, ela aponta a falta de formação teórica sobre o tema como um dos agravantes para que os(as) docentes tenham mais dificuldade de trabalhá-lo em sala de aula. “Os professores se sentem inseguros para explicar para um pai o que é debater gênero. Isso porque nós não tivemos essa formação, essa leitura teórica – nem na faculdade. Por mais que ele possa ter uma prática muito legal, que realmente seja efetiva, muitas vezes esse profissional não consegue explicar o porquê está fazendo aquela atividade, como está fazendo-a ou embasado em quê”.
Para Fernanda, que tem graduação em História e especialização em Gênero e Sexualidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), abordar essa questão em suas aulas é uma forma de fazer com que os(as) alunos(as) entendam como os papeis de gênero – ou seja, o que é ser homem, o que é esperado de uma mulher, por exemplo – são historicamente construídos em cada momento, em cada sociedade. E, assim, tentar desconstruir estereótipos, como o de que as meninas estudam mais ou de que os meninos não precisam ajudar nas tarefas domésticas.
“No livro didático, você tem o texto corrido, onde aparece a História sendo feita por homens, e você tem uma caixinha de texto, onde colocam ‘As mulheres nessa época’ e mostram como é que elas viviam. Como se as mulheres fossem um mundo à parte, não fizessem parte da sociedade” (Fernanda Pereira de Moura)
Apoio, legislação e controle social
Fernanda aponta como primeiro passo para combater o discurso do Escola sem Partido a mobilização de toda a sociedade e a criação de grupos de apoio para os(as) professores(as), seja por meio de associações como a do Professores contra o Escola sem Partido, por meio dos sindicatos ou das faculdades de formação de professores.
“O professor trabalha sozinho em uma sala com 40, 50 alunos – o que significa também 40 ou até 100 pais e mães. Se começa um movimento de perseguição ele tem facilmente centenas de pessoas contra ele. Então precisamos tentar fazer o professor se sentir seguro para o debate. Ele tem que saber que existe uma rede de apoio”, defende.
Ela também acredita na importância de ter informações sobre os processos de tramitação dos PLs nas casas legislativas, como uma forma de garantir o controle social. “Atualizamos o nosso site sempre para que todos saibam o que está acontecendo e possam participar desse debate. Às vezes, os pais de uma cidade lá do interior não concordam com o que está acontecendo, mas não sabem onde pesquisar, se existe algum PL em sua cidade, quem propôs etc. Por isso sempre pedimos para quem souber de algum projeto novo, que nos envie, para que possamos incluir no levantamento”. É possível entrar em contato com o grupo pelo email professorescontraoesp@gmail.com, pelo site https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/ ou pela página do grupo no facebook.
Além de ficar de olho na tramitação dos PLs, a população precisa se organizar e lutar para garantir que essa liberdade de cátedra ou a discussão de temas como a questão de gênero seja efetivamente garantida em documentos legais, como os planos de educação e a Base Nacional Comum Curricular.
“Queremos que esteja constando na legislação que temos que debater gênero. Porque é isso que leva à formação de professores para trabalhar essa questão. Como aconteceu com a História da África e a História Indígena, quando criaram-se cadeiras na graduação pra que se pudesse formar professores aptos a debater isso na escola”, defende a professora.
Saiba mais
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Reportagem: Stephanie Kim Abe
Edição: Claudia Bandeira
Agradeço imensamente a professora Fernanda Pereira de Moura e demais organizadores do blog pelas inoformações referente ao Movimento Escola Sem Partido, estou cursando uma especialização em Ensino Interdisciplinar em Infância e Direitos Humanos – EIIDH na Universidade Federal de Goias, e as informações aqui postadas tem me ajudado bastante na Construção da minha monografia.
Tema da Minha Pesquisa:Os Reflexos do “Escola Sem Partido” no Distrito Federal: Um estudo de Caso na Perspectiva da Abordagem de Gênero e Sexualidade em Sala de Aula. Muito obrigado
O portal Cidadania e Reflexão gostaria de entrevistar a professora FERNANDA PEREIRA DE MOURA. Os administradores do site poderiam enviar um contato?
Olá, andré!
Tudo bom?
Pedimos desculpas pela demora em respondê-lo. Você pode pegar o contato com o grupo Professores contra o movimento Escola sem Partido: https://www.facebook.com/contraoescolasempartido/?ref=br_rs
Esperamos que consiga!
Att,
Equipe De Olho
Obrigada Professora Fernanda pela tua excelente pesquisa.
Os dados assustam…mas estamos lutando contra esse conservadorismo reacionário que assola o Brasil.
Tempos dificeis!! Tamanha corrupção sem punição;
Vamos lutar pela escola pública, laica! Para todos e todas brasileiras e brasileiros.