Grande ABC elabora Plano Regional de Educação

Formação dos profissionais da educação, financiamento e participação popular são alguns dos focos do Plano Regional de Educação do ABCDMRR

055 - DivulgaçãoConsórcio ABC

 

Segunda e quarta em Diadema, terça e sexta em São Bernardo do Campo, quinta em São Caetano do Sul. É assim que se distribuem os dias de trabalho do prof. de física José Jorge Maggio. Morador de São Bernardo do Campo, ele dá aulas no Ensino Médio de três escolas diferentes. Como é comum entre os profissionais da Educação do Grande ABC – e em outros lugares no país afora -, a rotina de aulas em diferentes escolas é necessária para complementar a carga horária semanal e, consequentemente, a renda.

“O professor precisa ficar se atualizando sempre. Ao mesmo tempo, não dá para ter um piso de R$ 1,8 mil e ter prefeitura que fala que não pode pagar. Um país que não valoriza os seus professores não valoriza a educação”, lamenta o professor.

Procurando atuar de maneira conjunta para lidar com questões como essa, as sete cidades do Grande ABC (Santo André, São Caetano, São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), na região metropolitana de São Paulo, aprovaram um Plano Regional de Educação (PRE), em 6 de junho. De acordo com o texto do Plano, o PRE é uma “instância de articulação de políticas de educação regional, visando viabilizar em cada município a aplicação da Lei Federal nº 13.005, de 25 de junho de 2014, como garantia da qualidade social da educação no ABCDMRR (…)”.

“Queremos que o PRE seja um instrumento de mobilização da região para garantir que a qualidade social da educação possa estar em todos os sete municípios” (Diana de Morais, coordenadora do GT Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC)

Ações integradas

O caso do prof. José explica porque a valorização e a formação dos profissionais de educação compõem, respectivamente, os eixos II e V do PRE. A preocupação com a melhoria de condições de trabalho reflete uma situação habitual nas sete cidades, que acabam compartilhando esses profissionais. “Nós estamos em uma região que é igual em muitas partes e muito diversa em outras. Nós focamos mais a questão formativa dos nossos profissionais de educação, porque sabemos que aqueles que trabalham em Mauá, trabalham também em Santo André ou Diadema”, diz Diana Maria de Morais, coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.

grafico_prof_Pos-pre_grande_abc

“É importante fazer uma ação regionalmente, no sentido de valorização. Mas é preciso deixar claro que isso deve significar investimento no professor, em melhores condições de salário, de trabalho, da relação aluno-professor”, reforça o prof. José.

É para garantir o investimento, por exemplo, que o eixo I trata sobre financiamento. O Plano prevê ampliar os recursos em educação pública gratuita na região para 30% do orçamento municipal e consolidar um Custo Aluno Qualidade (CAQ) regional. “Alguns municípios investem muito e outros pouco. A ideia é evitar que tenhamos uma cidade com uma situação e outra em apuros, garantindo uma oferta de profissionais, de igualdade em cada município. Isso vai envolver a questão de concursos, de especialistas, de formação, até a questão salarial. Então esse CAQ é fundamental pra pensarmos em termos de qualidade”, explica Diana.

“Há questões que são comuns aos sete municípios, como a formação continuada dos profissionais da educação, a educação inclusiva, a gestão democrática participativa e a demanda por creche”, acrescenta Luis Paulo Bresciani, secretário executivo do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. São essas demandas que aparecem nos outros três eixos do PRE (financiamento e monitoramento, qualidade social da educação, e participação popular e gestão democrática), totalizando 13 metas e 91 estratégias.

O Plano também trata da inclusão do combate à discriminação e desigualdade de gênero, de temas como diversidade e direitos humanos na escola. As questões de gênero foram suprimidas em grande parte dos planos de educação dos municípios. Os textos das leis de Diadema, Mauá e Santo André proíbem explicitamente a abordagem, enquanto a palavra “gênero” nem aparece nos planos de São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires.

grafico_creche_PRE-Grande_ABC

 

Processo participativo

O Plano Regional de Educação do ABCDMRR começou a tomar forma no segundo semestre de 2015, e já estava previsto no Plano Plurianual Regional Participativo 2014-2017 (PPA-R) do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Além do Plano Nacional de Educação, o PRE teve como base os cinco planos municipais já aprovados na época (apenas São Bernardo e Diadema ainda não tinham seus planos aprovados) e um diagnóstico da realidade educacional de toda a região. O estudo foi realizado pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), evidenciando os indicadores de cada uma das cidades em relação às 20 metas previstas no PNE. “Todas as secretarias de educação dos sete municípios têm um diagnóstico. Mas esse foi importante porque reforçou a ideia de que temos que ter uma política regional, uma política única para a nossa região”, diz Paulo Yamaçake, coordenador do Fórum Regional de Educação ABC e membro do Sindicato dos Professores do ABC (Sinpro ABC).

Pre Conferencia Municipal de Educacao - Credito_Júlio Bastos_SE PMSA (1)

Durante o processo de construção, foram feitas discussões em comissões menores e duas pré-conferências regionais, a partir de outubro de 2015. A Conferência Regional de Educação ocorreu em 3 de dezembro de 2015, no campus São Bernardo do Campo da UFABC. “Houve uma participação muito grande de 411 delegados das sete cidades, dois prefeitos e seis secretários de Educação”, explica Paulo.

O texto que saiu dessa Conferência foi disponibilizado no site do Consórcio, por quase 90 dias, para consulta online. Essa proposta foi então formalizada e aprovada por unanimidade durante a Assembleia de Prefeitos do dia 6 de junho. “O PRE tem o caráter de ser um plano de trabalho. É um condensado dos planos municipais de educação dos sete municípios. Ele traz a cara dos sete municípios, e por isso os prefeitos se viram representados e o aprovaram sem mudanças”, diz Diana. Ao contrário dos planos municipais, estaduais e nacional de educação, o PRE não é uma lei, à medida que não passou para aprovação nas Câmaras dos Vereadores das sete cidades.

Representantes de movimentos sociais, de sindicatos, da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) do Ministério da Educação (MEC), do Fórum Estadual de Educação (FEE-SP), acadêmicos(as), professores(as) e gestores(as) públicos estiveram presentes no evento. “Em cada município, a diretoria de ensino que trabalha em âmbito estadual e as secretarias municipais de educação ficaram com a incumbência de divulgar, eleger os seus delegados e encaminhá-los para a Conferência Regional. As inscrições para a Conferência ficaram abertas online durante 20 dias e depois ainda foi possível se inscrever durante o evento”, explica a coordenadora.

 “A intenção do Fórum Regional é fortalecer e consolidar os fóruns municipais de Educação. O FRE não é soberano, ele deve trabalhar junto com esses fóruns” (Paulo Yamaçake, coordenador do Fórum Regional de Educação ABC e membro do Sinpro ABC)

Atores essenciais

Se mobilizar um município para realizar um processo participativo de construção do plano municipal de educação não é tarefa fácil, um plano que engloba sete cidades parece uma tarefa para além de desafiadora. No caso da região do Grande ABC, a conjuntura de instituições que já têm esse movimento de ação conjunta foi determinante, como explica Diana: “nós temos dois pontos muito positivos na nossa região: o Consórcio, que já existe enquanto movimento, e o Fórum Regional, que é um ator muito importante também na viabilização dessa construção coletiva regional”.

IMG_0324_modificada - DivulgaçãoConsórcio ABC

O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC foi fundado em 1990 e reúne os sete municípios da região com a função de articular políticas públicas setoriais pra região. É composto pela Assembleia de Prefeitos e por Grupos de Trabalho (GT) – entre eles, o de Educação, criado em 1998. Antes da construção do PRE, o GT de Educação já realizava ações em conjunto nos municípios, como o Programa Regional de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA ABC). “Nós sempre discutimos programas em comum, como o atendimento à creche, a EJA etc. Por conta disso, foi pensada a construção de um Plano Regional de Educação, para criar uma marca de trabalho, um plano de ação que pudesse manter essa liga, esse trabalho unificado dos sete municípios. Queremos que o PRE seja um instrumento de mobilização da região para garantir que a qualidade social da educação possa estar em todos os sete municípios”, diz Diana. O Consórcio é o grande responsável por viabilizar financeiramente as pré-conferências e conferência regional, além de apoiar o Fórum Regional de Educação.

O Fórum Regional de Educação do ABCDMRR foi criado em junho de 2014, mas já atuava como Comissão Organizadora das conferências regionais de 2013. É uma instância permanente, de caráter consultivo, e plural – conta com 37 membros que representam gestores(as) municipais e estaduais, sindicatos municipais e estadual de Educação (Sinpro ABC, Apeoesp etc) e de outros ramos (Sindicato dos metalúrgicos do ABC, dos bancários, da construção civil), rede privada, sociedade civil etc.

Além da participação na construção e no monitoramento do PRE, o Fórum também espera estimular a criação e o fortalecimento dos fóruns municipais na região. “Por enquanto, só temos instituídos os Fóruns municipais de Mauá e Santo André. Vamos trabalhar em conjunto para formar os outros cinco. Essa que é a nossa intenção: fortalecer e consolidar os fóruns municipais de Educação. O FRE não é soberano, ele deve trabalhar junto com esses fóruns”, explica Paulo.

A essas duas instâncias soma-se a Universidade Federal do ABC (UFABC), que também esteve bastante presente no processo. É ela que coordenará os trabalhos do Observatório de Políticas Educacionais, uma das sete instâncias responsáveis pelo monitoramento contínuo e avaliações periódicas, prevista no art. 7º do PRE, junto com as secretarias municipais de educação e diretorias regionais de ensino, os conselhos municipais de educação, os fóruns municipais de educação, as comissões de educação das Câmaras municipais, o Fórum Regional de Educação e o GT de Educação do Consórcio Intermunicipal.

“O PRE tem o caráter de ser um plano de trabalho. É um condensado dos planos municipais de educação dos sete municípios” (Diana de Morais, coordenadora do GT Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC)

Mobilização e regime de colaboração

A preocupação agora é continuar o processo participativo durante a implementação de suas metas e estratégias. “Queremos fazer debates, encontros, aulas públicas envolvendo estudantes e todas as pessoas interessadas em Educação, de forma a comprometer a escola”, explica Diana. No âmbito do Observatório de Políticas Educacionais, espera-se a realização de estudos meta a meta e a divulgação desses dados preliminares para a comunidade escolar.

diana_morais_pre_abcO cuidado para que a sua implementação seja garantida nas próximas gestões, considerando o ano eleitoral e o fato de que o PRE não é uma lei, também foi lembrado pela coordenadora: “Após o processo eleitoral, vamos apresentar aos prefeitos eleitos e futuros secretários de educação o Plano, já que ele tem vigência de dez anos. Nesse percurso, ainda devem acontecer duas ou três conferências regionais, para que a gente possa revitalizá-lo e não deixar que ele seja posto de lado”.

Consultada pela reportagem sobre a importância desse processo de construção de um plano regional de educação, a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE/MEC) disse que “o Brasil caminha para a implementação de um regime de colaboração entre os entes federativos, onde os planos regionais de educação se constituem em elemento central para favorecer o diálogo e fomentar instâncias de negociação e articulação, visando à superação das desigualdades educacionais existentes”. De acordo com a Secretaria, o MEC desenvolve uma experiência parecida no Pará, com onze municípios que integram o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Xingu-PA (PDRS-Xingu), previsto no Decreto N. 7.340/2010. Ela diz que está prevista a elaboração de materiais com orientações para tratar sobre esse tema.

Para a coordenadora do GT de Educação do Consórcio, o movimento em prol de um trabalho conjunto não é exclusivo da região do Grande ABC e pode ser realizado em outros lugares do Brasil, uma vez que haja intenção e força de vontade dos atores participantes. “No nosso caso, a existência do Consórcio foi essencial para a elaboração do PRE. Mas acredito que essa mobilização é possível em outras regiões. Ela começa de um movimento, de uma instância – pode ser um Consórcio, um Fórum, uma instância de agregação de movimento, de discussão, de debate. Basta querer, ter vontade, ter mobilização”, esclarece Diana.

Saiba mais

Conheça a importância do monitoramento participativo dos planos de educação – e como concretizá-lo
Santo André distribui materiais sobre o Plano Municipal de Educação 
Novo folder orienta escolas sobre como lidar com as proibições aos debates de gênero, raça e sexualidade
Maioria dos planos estaduais de educação aprovados incluem referência à igualdade de gênero
– Passo a passo: como criar um fórum municipal de educação

 

Reportagem: Stephanie Kim Abe
Edição: Claudia Bandeira

 

Foto 1:  Conferência Regional de Educação, ocorrida em dezembro, na UFABC (Crédito: Divulgação/Consórcio ABC)
Foto 2: Pré-Conferência Regional de Educação, ocorrida em novembro (Crédito:  Júlio Bastos/SE PMSA) 
Foto 3: Assembleia dos Prefeitos do Consórcio Intermunicipal do ABC (Crédito: Divulgação/Consórcio ABC)
Foto 4:  Diana de Morais (Crédito: De Olho nos Planos/Stephanie Kim Abe)

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.