Apesar ser um avanço na possibilidade de comunicação com população, segundo especialistas, plataforma Dialoga Brasil é criada sem considerar instâncias de participação já existentes
O governo federal lançou na última semana (28) a plataforma Dialoga Brasil, um site que possui o objetivo de ampliar a participação da população e aprimorar os mecanismos de comunicação direta para receber contribuições sobre seus programas. De acordo com informações no próprio portal, a plataforma deve agregar “14 temas e 80 programas prioritários do governo federal para que a população proponha melhorias nas políticas públicas e na vida dos brasileiros e brasileiras”.
Apesar de a iniciativa ter potencial para atingir um público que não se envolveria em outros espaços já institucionalizados, segundo a doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo, Gabriela Lotta, é preciso que novas ações e plataformas estejam em diálogo com os canais já existentes de participação. “Para a realização de Conferências, por exemplo, pode ser feita uma coleta prévia de propostas via portal. Ou o contrário, a Conferência poderia eleger prioridades para serem discutidas no Dialoga Brasil com maior detalhamento. Uma coisa deveria estar atrelada à outra”, defende Gabriela, que também é professora da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Para o médico sanitarista e pesquisador do Instituto Pólis, Jorge Kayano, é importante observar que a criação de novos mecanismos não representa necessariamente uma maior vitalidade no processo de participação popular. “A pergunta que fica é sempre a da efetividade. Qual a garantia de que as propostas em um site como esse serão consideradas e que tipo de expectativa possui uma pessoa que participa do Dialoga Brasil?”, questiona o pesquisador.
No lançamento da plataforma, no entanto, a presidenta da república Dilma Rousseff destacou a importância do canal para o monitoramento dos programas do governo federal: “é muito difícil governar um país do tamanho do Brasil sem ouvir as pessoas. Temos que andar com passos sólidos, o que implica monitorar sistematicamente os programas”, ressaltou a presidenta. O portal De Olho nos Planos tentou entrar em contato com a Secretaria Geral da Presidência, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Subsídios para a participação
Para a professora da UFABC, é necessário garantir uma série de subsídios para que as pessoas possam realmente contribuir com a construção das políticas públicas. “O Estado precisa ter um trabalho prévio de investir em formação e dar suporte para que os dados disponíveis sejam mais qualificados”, observa Gabriela.
Além de ser necessário qualificar seu conteúdo, de acordo com Gabriela, o Dialoga Brasil não traz informações para que o cidadão entenda qual a consequência de seu voto, o que pode acontecer caso sua proposta seja implementada e quais os processos decisórios posteriores à sua participação e que podem fazer com que sua proposta vá adiante ou não.
Para ela, há três subsídios fundamentais para que se efetive a participação da população na construção das políticas públicas. “É necessário que haja processos formativos para a população; a disponibilização de informações sobre o tempo de demora dos processos, quanto custa, quais os resultados previstos e as possíveis consequências negativas; e o desenho de como o envolvimento no Dialoga Brasil, por exemplo, está ligado à participação em outros canais já institucionalizados como Conselhos e Conferências”, explica.
Participação em xeque
Para além do lançamento da iniciativa Dialoga Brasil, o pesquisador do Instituto Pólis, Jorge Kayano, avalia que o atual sistema de participação que o Brasil construiu nos últimos anos está em xeque e em situação de “desalento”. “Já existe muita crítica e desapontamento em relação à efetividade dos sistemas participativos das conferências. Ao se criar um sistema como este de participação direta com o governo federal é como se ele próprio desconhecesse a existência das outras instâncias”, critica o pesquisador.
Uma ideia possível, segundo Jorge, seria fazer com que todas as discussões e propostas fossem sistematizadas por cidade para serem encaminhadas a seus conselhos municipais. “Na maior parte das vezes, nós falamos em sistemas de políticas públicas em que a base e a consequência das ações se refletem nos municípios, mesmo que não seja de responsabilidade das gestões locais”, observa Jorge.
Imagem 1: Gabriela Lotta / Divulgação
Imagem 2: Jorge Kayano / cantareira.org
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Reportagem – Gabriel Maia Salgado
Edição – Ananda Grinkraut