Projeto de formação alcançou quase metade dos municípios baianos; a expectativa é expandir para os demais estados brasileiros
De junho a dezembro do ano passado, conselheiros municipais de educação, do Fundeb, de Alimentação Escolar, representantes de secretarias municipais e promotores de cerca de 180 municípios baianos participaram de seminários de formação sobre o monitoramento participativo dos planos de educação. Ao todo, 1647 pessoas foram capacitadas pelo projeto “Saber Melhor”, resultado de uma parceria entre a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e o Ministério Público da Bahia.
“Para monitorar os planos, é preciso saber melhor. Saber melhor sobre financiamento, saber melhor sobre políticas públicas, saber melhor sobre o direito à Educação, saber melhor sobre o próprio plano. Então não basta querer monitorar os planos, é preciso que os conselhos estejam preparados para fiscalizar a execução dos planos municipais de educação”, explica Gilvânia Nascimento, presidente da Uncme, sobre a origem do nome e o objetivo do projeto.
Metodologia própria e conteúdos
Ao total, foram realizados 13 seminários de formação em 12 diferentes polos no estado da Bahia. Ministrados por professores e professoras integrantes do Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEEBA), os seminários seguiram o mesmo conteúdo programático, focado em cinco eixos principais:
– o cenário atual da Educação brasileira e os desafios da garantia do direito à Educação;
– o papel dos conselhos municipais de educação no monitoramento dos planos de educação;
– os PMEs e o orçamento municipal;
– o papel do Ministério Público na garantia do direito à Educação;
– atendimento a demandas locais.
“O que a gente conseguiu observar é que toda aquela movimentação em torno da aprovação do Plano se esgotou ali. Ou seja, há uma dissociação entre a política educacional em andamento no município e essa vinculação com o próprio plano de educação, já aprovado em lei. Por isso o processo formativo passa do cenário nacional da educação brasileira até o atendimento a demandas locais, discutindo um pouco a problemática municipal para a implementação dos planos de educação”, explica a presidente da Uncme, entidade responsável pela parte pedagógica do projeto.
Entre as principais dúvidas levantadas ao longo do curso, estão a dificuldade de compreender o papel de cada instância no processo de monitoramento, o reconhecimento do plano de educação como um plano de estado e uma preocupação generalizada com o orçamento – inclusive uma dificuldade técnica para observar e entender essas peças orçamentárias.
“O dinheiro público que vai ser destinado à Educação não pode ser algo escondido, tem que ser acessível a todos. Essa dimensão técnica da burocracia que estrutura o Estado é pouco dominada e discutida nos ambientes educacionais. Se há intenção de realizar ações concretas, elas não podem acontecer ou dificilmente acontecerão se não houver a intenção real de alocação de recursos do orçamento”, diz Luiz Valter de Lima, prof. da rede estadual e membro do FEEBA.
A recomendação, nestes casos, foi acompanhar, à época, a tramitação do projeto de lei dos orçamentos anuais de cada município. Uma vez aprovados os orçamentos, é importante também ter acesso a esses documentos, um direito de todo e qualquer cidadão. “Muitos gestores seguram essas informações e não as tratam com transparência. Se isso acontecer, as pessoas poderão inclusive acionar o próprio Ministério Público para que essas informações sejam acessíveis”, diz Luiz.
Outro ponto que foi reforçado durante os seminários foi a composição de um fórum de educação, naqueles municípios em que esses órgãos ainda não existem. A orientação é que os fóruns sejam instâncias plurais, com forte representatividade social e um olhar político participativo de todos os segmentos. “O principal papel dos fóruns é garantir que haja energia mobilizadora para que os setores atuem em prol do atingimento das metas”, defende Luiz.
“É a primeira vez que eu estou participando do Conselho [foi eleita em dezembro de 2016]. Achei que a formação foi muito importante pra entendermos a responsabilidade que temos nas mãos para fazer cumprir e exigir aquilo que é de direito das pessoas, dos nossos educandos, e que precisa mesmo de fiscalização. São informações muito precisas que vieram nos trazer e por isso o curso precisaria ter uma continuidade, para compreendermos melhor o papel de cada um e esclarecer outras angústias que não foram resolvidas em apenas uma formação”.
Articulações e parcerias
Os conselhos municipais de educação (CMEs) são órgãos normativos, deliberativos, consultivos e fiscalizadores do sistema municipal de ensino. Na grande maioria dos planos municipais de educação sancionados, o CME consta como uma das instâncias de monitoramento de sua execução. Daí a orientação da Uncme em realizar um projeto de formação dos conselheiros, para capacitá-los nessa tarefa.
A parceria com o Ministério Público da Bahia foi essencial para que o projeto fosse colocado em prática. A atribuição do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. “A garantia dos direitos fundamentais é o papel essencial da nossa atribuição – e a Educação é um direito fundamental. O Plano Municipal de Educação nada mais é do que o espelho desse direito fundamental à Educação”, diz Maria Pilar Cerqueira Maquiera Menezes, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Ceduc) do Ministério Público da Bahia.
Por isso, um dos objetivos estratégicos do MP da Bahia é promover medidas judiciais e extrajudiciais visando a criação e o funcionamento regular dos conselhos municipais de educação em 100% dos municípios baianos. Foi com a verba destinada para essa área que o MP apoiou o projeto “Saber Melhor”.
“Essa formação só vem auxiliar o promotor que está lá na comarca fiscalizando a execução dos planos municipais de educação. Porque, embora essa obrigação seja também do Ministério Público, o promotor de justiça no interior costuma ter várias atribuições. Então é muito difícil ele ter muita especialidade ou saber na área educacional sem a participação de um conselheiro”, explica Maria Pilar.
Para Luiz Valter, a iniciativa marca uma parceria importante de colaboração e mostra o Ministério Público como um aliado com sensibilidade de compreensão das diferentes etapas educacionais. “A imagem do MP é muito aquela do promotor de acusação, que está ali para criminalizar. A perspectiva do MP da Bahia na Educação é de fazer um trabalho preventivo e colaborativo”, explica.
Ainda que tenha sido uma iniciativa tocada pelo MP da Bahia e a Uncme, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEEBA) também contribuíram na execução dos seminários de formação.
“Nós precisamos fazer uma articulação muito grande com as instâncias da sociedade para que o monitoramento seja o mais participativo possível. Não podemos focalizar nem direcionar o monitoramento dos planos para uma ou outra instituição. Por isso, o Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEEBA) e a Undime têm participação importante também como protagonistas neste projeto”, defende Gilvânia.
“Essas parcerias rompem com uma série de preconceitos que existiam e ainda existem em relação aos diversos setores, que fazem com que o serviço público funcione fragmentado”, explica Luiz.
“Nós, promotores, não podemos estar em todos os lugares a todo tempo – até por conta da nossa limitação financeira, de pessoal, de estrutura. Os conselhos, neste sentido, são uma extensão nossa, porque eles têm mais tempo para estar nas escolas. Eu sempre peço: “qualquer problema ou irregularidade, comunique ao Ministério Público”. Nesse sentido, o curso foi bem proveitoso, porque os conselheiros trouxeram situações concretas em que não sabiam como agir (caso de violência na escola, de problema com os pais, de descumprimento por parte do poder público de alguma prestação essencial) e receberam orientações de como solucioná-los, dentro de suas responsabilidades legais. A ideia foi empoderar os conselheiros, mostrar para eles o que podem fazer. Afinal, eles são os olhos da sociedade dentro dessa política pública de Educação”.
Próximos passos
Com os bons resultados do ano passado, os organizadores querem dar continuidade ao projeto. Baseado na metodologia própria desenvolvida para o projeto “Saber Melhor”, a Uncme deve lançar um material de orientação aos conselhos municipais para o monitoramento dos planos. O material deve estar disponível no site da Uncme, em uma área nova que deverá ser aberta ainda essa semana, de acordo com a Uncme.
Nesta página, devem constar as informações sobre a equipe envolvida no projeto, notícias sobre as formações e um canal de comunicação ampliado, na forma de tira dúvidas, para apoiar os conselheiros municipais nesse monitoramento.
A Uncme espera também expandir a formação para outros estados brasileiros. “A ideia agora em 2017 é universalizar o projeto na Bahia e ampliar para todo o Brasil”, diz Gilvânia. Há também a possibilidade de fazer um segundo módulo do curso para aqueles municípios que já passaram pela primeira formação, focando em instrumentos e encaminhamentos específicos para o monitoramento dos Planos.
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Reportagem: Stephanie Kim Abe
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