BNCC e a defesa da centralização curricular nas candidaturas ao Planalto

Em praticamente todas as propostas, prevalece a crença na redenção das mazelas educacionais pelo currículo

Audiência Pública da Base Nacional Comum Curricular em São Paulo BNCC

Audiência Pública da Base Nacional Comum Curricular em São Paulo

Fernando Cássio

Enquanto o Plano Nacional de Educação (PNE)  é sistematicamente descumprido e a Reforma do Ensino Médio enfrenta resistências nas ruas, uma política educacional vai de vento em popa no Brasil: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A primeira versão da BNCC surgiu no governo Dilma. Sua estrutura básica tem muitas semelhanças com o documento para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental aprovado dois anos depois no governo Temer. Os defensores da BNCC de antes e de agora têm em comum a crença de que um currículo centralizado pode mitigar desigualdades educacionais, garantindo os chamados “direitos de aprendizagem”.

No entanto, educação não é aprendizagem. O “direito à educação”, que deve ser garantido pelo Estado, é portanto muito diferente de um juridicamente maldefinido “direito de aprendizagem”. Quando a linguagem da educação é substituída pela da aprendizagem, aquilo que é projeto coletivo (a educação) vira um projeto eminentemente individual (a aprendizagem). A BNCC e o seu linguajar “aprendificado” – termo de Gert Biesta, filósofo da educação – dão forma a um projeto de educação ultraliberal em que a própria educação, como projeto coletivo que é, se vê ameaçada.

A maior parte das críticas à BNCC presentes no debate público passa longe do cerne do problema: a própria ideia de centralização e homogeneização curricular. Não é diferente nos programas de governo das candidaturas à Presidência da República.

O programa de Ciro Gomes (PDT) defende a rediscussão da BNCC para o Ensino Médio com a sociedade, mas a assume como um instrumento necessário para viabilizar a melhoria “da qualidade [da educação], mensurada através dos resultados do Ideb e PISA”. O programa de Marina Silva (Rede) é mais centrado no apoio técnico e financeiro a estados e municípios para a “missão” de implementar a BNCC, mas também toma a Base como ponto de partida.

O plano de Fernando Haddad (PT) propõe “fortes ajustes” na BNCC, “para retirar as imposições obscurantistas e alinhá-la às Diretrizes Nacionais Curriculares e ao PNE”. Para a candidatura, o problema da BNCC é o que foi feito dela após o golpe de 2016. Apesar de a farsa participativa no processo de construção da BNCC ser anterior ao golpe, o programa propõe uma reformulação curricular “construída em diálogo com a sociedade”, pressupondo que a BNCC é necessária.

O programa de Guilherme Boulos (PSOL) é o único a se declarar contrário à padronização curricular, “modelo que se presta aos interesses dos mercados editoriais, consolida e legitima as grandes avaliações e pouco considera as necessidades e diferenças da educação brasileira”, propondo a revogação da BNCC e a reabertura do debate público.

A candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) evoca a BNCC de um modo estranho, atrelando-a a mecanismos de aprovação automática e à “disciplina” nas escolas. No mais, não se pode dizer que esse programa não trate de questões curriculares caras à candidatura: doutrinação ideológica, sexualização precoce, PISA, “mais matemática, ciências e português” – um misto de charlatanisno pedagógico, reacionarismo e apologia à discriminação nas escolas.

Ainda nos temas curriculares, embora sem mencionar a BNCC, Eymael (DC) propõe a (re)introdução da disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental. No polo oposto, o programa de Vera Lúcia (PSTU) defende uma educação “que ensine o respeito e a diversidade”, rechaçando o projeto “Escola Sem Partido”.

Os demais programas não mencionam a BNCC e também não tratam de questões que poderíamos chamar “curriculares”. As propostas para a educação nos programas de Alckmin (PSDB), Amoêdo (Novo) e Meirelles (MDB) priorizam a primeira infância, de certa forma corroborando a adesão ideológica dessas candidaturas à BNCC, pois não há dúvida de que, como política educacional, a BNCC é muito mais barata do que, digamos, tudo aquilo que está no PNE. Como política “reguladora”, a Base é naturalmente palatável a candidaturas que pregam o enxugamento do Estado.

O que preocupa, em praticamente todas as candidaturas, é a existência de um consenso sobre a necessidade de uma BNCC e a crença na redenção das mazelas educacionais pelo currículo. Política curricular – algo que temos de sobra no Brasil – não é currículo. A julgar pelo que trazem os programas das candidaturas ao Planalto, esse debate ainda vai longe.

Fernando CassioFernando Cássio, educador, doutor em Ciências (Química) pela USP e professor da Universidade Federal do ABC. É membro do DiEPEE, grupo de pesquisa “Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola”. Faz parte da Rede Escola Pública e Universidade e do Comitê SP da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Como pesquisador, tem se dedicado ao estudo de políticas de currículo, desigualdades educacionais e direito à educação.

O Especial #EducaçãoNasEleições é uma parceria entre Ação Educativa e Carta Educação.

Carta Educação Ação Educativa Eleições

 

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