No último dia 27 de outubro, 35 organizações e movimentos de todo o país enviaram carta ao Fórum Nacional de Educação (FNE) reivindicando uma maior participação de representantes de comunidades indígenas e quilombolas na II Conferência Nacional de Educação (Conae)*. Até aquele momento, a comunidade indígena, por exemplo, possuía apenas cinco delegados eleitos para a atividade, que prevê a participação de cerca de 3.500 pessoas de todo o país.
A carta, enviada a Francisco das Chagas, coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), responsável pela organização da Conae, questionava um referencial de participação que, nas palavras de seus signatários, não “contempla grupos e movimentos que se articulam fora do modelo tradicional de representação, o que dificulta a representatividade de todos os segmentos que compõem a sociedade brasileira”. (Clique aqui e veja a carta destinada ao FNE)
Além disso, o texto reforça a necessidade de inclusão de setores historicamente discriminados e excluídos dos processos de decisão política. Os delegados deveriam ter vagas garantidas “independente dos processos estaduais, nos quais encontraram dificuldades de inserção política e de cumprimento de determinados procedimentos burocráticos”, defende a carta.
“Nós tivemos muita dificuldade para a participação dos indígenas nas etapas municipais e estaduais da Conae. A maioria não participou das conferências porque sequer ficaram sabendo de sua realização”, conta a integrante do Conselho de Educação Indígena do Estado do Mato Grosso (CEI/MT), Chiquinha Pareci, que reforça a importância da Conferência como canal de diálogo para reivindicar as especificidades da educação escolar indígena.
Quanto à importância de se tratar as especificidades da educação quilombola, o presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Mato Grosso (CEPIR-MT), também do Conselho Estadual de Educação (CEE-MT), Carlos Alberto Caetano, destaca a necessidade de se considerar o contexto local e a composição dos próprios quilombos. “Muitas escolas quilombolas têm sido fechadas por terem poucos alunos e pelas prefeituras afirmarem que não têm orçamento suficiente para mantê-las na zona rural. E, na verdade, estamos passando por uma política que está desterritorializando o quilombola de suas regiões no Brasil”, denuncia.
Questionado sobre a representação destes dois setores, o Coordenador da Comissão Especial de Monitoramento e Sistematização do FNE e da Conae 2014, Arlindo Queiroz, afirmou que a eleição de delegados ocorre a partir de critérios definidos no regimento da conferência. “Nos segmentos, a gente tem gestores, pais, estudantes e profissionais da educação, por modalidade de ensino e unidade federativa. Para os setores, como o da educação indígena e o do movimento negro, cada um teve um critério, seus representantes participaram das etapas municipal e estadual e foram eleitos”, argumenta Arlindo. E explica: “o que houve inicialmente é que algumas pessoas da comunidade quilombola não tinham sido escolhidas nestas etapas preparatórias. Quando se deu conta do débito, os setores entraram em contato e indicaram delegados destes grupos para que todos fossem atendidos”.
Apesar de a mobilização ter feito com se efetivassem as vagas já previstas para estes setores no regimento da Conferência (fazendo com que a delegação indígena passasse a ter 36 delegados e quatro convidados e que a delegação quilombola chegasse a 29 delegados e 21 convidados), o fato levantou discussão sobre o modelo de participação não só na Conae, mas também em políticas públicas que considerem as demandas dos diferentes grupos e populações do país.
A Conae 2014 foi precedida por etapas preparatórias, compreendidas em conferências livres e conferências ordinárias municipais e/ou intermunicipais, estaduais e do Distrito Federal. De acordo com o art. 26º de seu Regimento Interno, a Conferência conta ainda com a participação “das várias instituições federais, estaduais e municipais, do Distrito Federal, organizações, entidades, segmentos sociais e setores; de representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; dos sistemas de ensino; das entidades de trabalhadores da educação; de empresários; de órgãos públicos; de entidades e organizações de pais e de estudantes; da sociedade civil; dos movimentos de afirmação da diversidade; dos conselhos de educação e de organismos internacionais”.
Conferência para quê?
A demanda por um modelo de participação acessível a diferentes grupos da sociedade brasileira (como os indígenas e os quilombolas, por exemplo) reacende o debate sobre quais seriam os mecanismos possíveis para a ampliação dos processos democráticos na construção das políticas públicas. A questão foi tema de polêmica recente em torno do texto do decreto que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS), que prevê objetivos e diretrizes para mecanismos de participação como conselhos, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, consultas públicas, audiências públicas e ambientes virtuais de participação social. O decreto foi vetado pela Câmara dos Deputados e aguarda a apreciação do Senado Federal.
Para o secretário de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, na prática, a Conae representa a participação que o decreto tentou formalizar: “a Conferência é uma atividade mobilizadora que serve como referência para balizar as políticas educacionais”. O documento final da Conae, segundo Heleno, “vai servir como estatuto mobilizador para que a população faça a cobrança permanente dos prazos estabelecidos pela Lei do PNE, principalmente, deste primeiro que acaba em 2015, que é a provação dos planos estaduais e municipais por todo o país”. E complementa: “a conferência tem esta característica importante para mobilizar, estimular o debate e manter os segmentos mobilizados”.
No mesmo sentido, o dirigente municipal de educação de Tabuleiro do Norte (CE) e vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, caracteriza a realização da Conae como momento importante de articulação da sociedade civil como um todo para mostrar o que deseja e espera dos governantes. “A sociedade pode assumir uma nova posição de cobrar os governos instituídos, municipais, estaduais e federal, para que o PNE seja um documento exequível com estratégias de curto, médio e longo prazo.
Ao discutir a quem cabe cada meta e deliberação do Plano Nacional, segundo Arlindo Queiroz, a Conae vai colocar em debate também a articulação do governo com a sociedade civil, estando em jogo a ampla participação popular.
Imagem: Conferência Nacional de Educação de 2010 – Divulgação
*Matéria realizada com colaboração do Observatório da Educação.
Creio que houve algum equívoco porque estava muito claro quanto ao chamado para participação de todos, correto quanto a explicação do Sr. Arlindo Queiroz, visto que a etapa nacional é a última, foi precedida das outras fases preparatórias. Mas muito rico esse comentário e o desejo de participação, só construiremos uma sociedade justa se todos os segmentos estiverem envolvidos no debate.