Conferência Nacional de Educação põe em xeque modelo de participação social

Conae 2010 - portal

No último dia 27 de outubro, 35 organizações e movimentos de todo o país enviaram carta ao Fórum Nacional de Educação (FNE) reivindicando uma maior participação de representantes de comunidades indígenas e quilombolas na II Conferência Nacional de Educação (Conae)*. Até aquele momento, a comunidade indígena, por exemplo, possuía apenas cinco delegados eleitos para a atividade, que prevê a participação de cerca de 3.500 pessoas de todo o país.

A carta, enviada a Francisco das Chagas, coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), responsável pela organização da Conae, questionava um referencial de participação que, nas palavras de seus signatários, não “contempla grupos e movimentos que se articulam fora do modelo tradicional de representação, o que dificulta a representatividade de todos os segmentos que compõem a sociedade brasileira”. (Clique aqui e veja a carta destinada ao FNE)

Além disso, o texto reforça a necessidade de inclusão de setores historicamente discriminados e excluídos dos processos de decisão política. Os delegados deveriam ter vagas garantidas “independente dos processos estaduais, nos quais encontraram dificuldades de inserção política e de cumprimento de determinados procedimentos burocráticos”, defende a carta.

“Nós tivemos muita dificuldade para a participação dos indígenas nas etapas municipais e estaduais da Conae. A maioria não participou das conferências porque sequer ficaram sabendo de sua realização”, conta a integrante do Conselho de Educação Indígena do Estado do Mato Grosso (CEI/MT), Chiquinha Pareci, que reforça a importância da Conferência como canal de diálogo para reivindicar as especificidades da educação escolar indígena.

Quanto à importância de se tratar as especificidades da educação quilombola, o presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Mato Grosso (CEPIR-MT), também do Conselho Estadual de Educação (CEE-MT), Carlos Alberto Caetano, destaca a necessidade de se considerar o contexto local e a composição dos próprios quilombos. “Muitas escolas quilombolas têm sido fechadas por terem poucos alunos e pelas prefeituras afirmarem que não têm orçamento suficiente para mantê-las na zona rural. E, na verdade, estamos passando por uma política que está desterritorializando o quilombola de suas regiões no Brasil”, denuncia.

Questionado sobre a representação destes dois setores, o Coordenador da Comissão Especial de Monitoramento e Sistematização do FNE e da Conae 2014, Arlindo Queiroz, afirmou que a eleição de delegados ocorre a partir de critérios definidos no regimento da conferência. “Nos segmentos, a gente tem gestores, pais, estudantes e profissionais da educação, por modalidade de ensino e unidade federativa. Para os setores, como o da educação indígena e o do movimento negro, cada um teve um critério, seus representantes participaram das etapas municipal e estadual e foram eleitos”, argumenta Arlindo. E explica: “o que houve inicialmente é que algumas pessoas da comunidade quilombola não tinham sido escolhidas nestas etapas preparatórias. Quando se deu conta do débito, os setores entraram em contato e indicaram delegados destes grupos para que todos fossem atendidos”.

Apesar de a mobilização ter feito com se efetivassem as vagas já previstas para estes setores no regimento da Conferência (fazendo com que a delegação indígena passasse a ter 36 delegados e quatro convidados e que a delegação quilombola chegasse a 29 delegados e 21 convidados), o fato levantou discussão sobre o modelo de participação não só na Conae, mas também em políticas públicas que considerem as demandas dos diferentes grupos e populações do país.


A Conae 2014 foi precedida por etapas preparatórias, compreendidas em conferências livres e conferências ordinárias municipais e/ou intermunicipais, estaduais e do Distrito Federal. De acordo com o art. 26º de seu Regimento Interno, a Conferência conta ainda com a participação “das várias instituições federais, estaduais e municipais, do Distrito Federal, organizações, entidades, segmentos sociais e setores; de representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; dos sistemas de ensino; das entidades de trabalhadores da educação; de empresários; de órgãos públicos; de entidades e organizações de pais e de estudantes; da sociedade civil; dos movimentos de afirmação da diversidade; dos conselhos de educação e de organismos internacionais”.

Conferência para quê?

A demanda por um modelo de participação acessível a diferentes grupos da sociedade brasileira (como os indígenas e os quilombolas, por exemplo) reacende o debate sobre quais seriam os mecanismos possíveis para a ampliação dos processos democráticos na construção das políticas públicas. A questão foi tema de polêmica recente em torno do texto do decreto que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS), que prevê objetivos e diretrizes para mecanismos de participação como conselhos, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, consultas públicas, audiências públicas e ambientes virtuais de participação social. O decreto foi vetado pela Câmara dos Deputados e aguarda a apreciação do Senado Federal.

Para o secretário de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, na prática, a Conae representa a participação que o decreto tentou formalizar: “a Conferência é uma atividade mobilizadora que serve como referência para balizar as políticas educacionais”. O documento final da Conae, segundo Heleno, “vai servir como estatuto mobilizador para que a população faça a cobrança permanente dos prazos estabelecidos pela Lei do PNE, principalmente, deste primeiro que acaba em 2015, que é a provação dos planos estaduais e municipais por todo o país”. E complementa: “a conferência tem esta característica importante para mobilizar, estimular o debate e manter os segmentos mobilizados”.

No mesmo sentido, o dirigente municipal de educação de Tabuleiro do Norte (CE) e vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, caracteriza a realização da Conae como momento importante de articulação da sociedade civil como um todo para mostrar o que deseja e espera dos governantes. “A sociedade pode assumir uma nova posição de cobrar os governos instituídos, municipais, estaduais e federal, para que o PNE seja um documento exequível com estratégias de curto, médio e longo prazo.

Ao discutir a quem cabe cada meta e deliberação do Plano Nacional, segundo Arlindo Queiroz, a Conae vai colocar em debate também a articulação do governo com a sociedade civil, estando em jogo a ampla participação popular.

 

 

 

Imagem: Conferência Nacional de Educação de 2010 – Divulgação

*Matéria realizada com colaboração do Observatório da Educação.

Uma ideia sobre “Conferência Nacional de Educação põe em xeque modelo de participação social

  1. Araci pereira Leite Sodré

    Creio que houve algum equívoco porque estava muito claro quanto ao chamado para participação de todos, correto quanto a explicação do Sr. Arlindo Queiroz, visto que a etapa nacional é a última, foi precedida das outras fases preparatórias. Mas muito rico esse comentário e o desejo de participação, só construiremos uma sociedade justa se todos os segmentos estiverem envolvidos no debate.

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