No extremo sul do país, Uruguaiana (RS) vive momentos decisivos para a aprovação de seu Plano Municipal de Educação (PME). Após o documento chegar à Câmara dos Vereadores e sofrer pressão de grupos religiosos, representantes da sociedade civil e professores da região começaram a se organizar para que fosse aprovada a versão do documento elaborada de maneira democrática desde 2014, com a inclusão de metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero. (Clique aqui e veja mais informações sobre o tema)
“O legislativo marcou uma audiência pública no dia 19 de outubro sem convidar previamente as organizações que tinham construído o Plano e sem chamar até mesmo o Conselho Municipal de Educação. Ficamos sabendo de última hora e percebemos que estava ocorrendo uma grande mobilização das organizações religiosas contra o que chamam de ‘ideologia de gênero’”, contou a professora de educação básica e pesquisadora de temas relacionados à gênero na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Cristiane Soares.
Integrante do coletivo Pró-PME de Uruguaiana, a professora explica que antes da votação dos vereadores, o grupo preparou documento com todas as metas que tinham sido subtraídas e as justificativas do porquê elas deveriam ser mantidas de maneira a respeitar o documento-base. “Os grupos religiosos reduziram todo o debate sobre a educação da cidade a metas absurdas que sequer existiam, como a criação de banheiros únicos e o estímulo à homossexualidade”, apontou. Ao defender uma educação laica, plural e justa, o coletivo se dividiu para divulgar o conteúdo do Plano na internet e nos meios de comunicação locais.
No dia da votação (10/11/2015), apenas dois vereadores votaram a favor da igualdade de gênero no Plano e o documento que traça metas e estratégias para a educação municipal nos próximos 10 anos seguiu para a sanção da Prefeitura. “A gente não vê a retirada da igualdade de gênero do PME na Câmara como uma derrota, mas sim como um fato temporário que mostra a importância de discutir essas questões dentro e fora da sala de aula”, destacou Cristiane.
Segundo ela, o coletivo continuará atuando para que a gestão municipal não sancione o texto aprovado pela Câmara, principalmente, no que diz respeito à igualdade de gênero. Para desconstruir os equívocos divulgados sobre o Plano, o grupo tem utilizado o espaço de sua página nas redes sociais e feito discussões com alunos, familiares e professores: “o diálogo é desafiante, mas os docentes estão se demonstrando parceiros nesta causa, compreendendo a necessidade de se trabalhar o tema dentro das escolas e dentro de casa”.
Porque falar em gênero
“Nossa região tem alto índice de exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, além de possuir uma das maiores taxas de HIV do estado. Além disso, enfrentamos o tráfico de crianças para exploração sexual, principalmente por estarmos em uma área de fronteira e que possui o maior porto seco [rodoferroviário] da América Latina”, enumerou a professora Cristiane Soares ao defender que a escola deve dialogar com as questões relacionadas à temática de gênero presentes na sociedade.
Além destes pontos, Cristiane alerta que a região deve combater, também, o abuso sexual de crianças e adolescentes fora e dentro de suas próprias famílias. “Falar sobre estes temas também contribui com o enfrentamento da violência contra a mulher, contra o sexismo, contra a homo-lesbo-transfobia e para que a mulher deixe de ser invisibilizada em nossa sociedade”, complementou.
Um dos pontos fundamentais para a participação na construção de políticas públicas é que a opinião das pessoas seja considerada e que o resultado final da política seja consequência deste envolvimento.
Neste sentido, a professora Cristiane critica o desrespeito ao processo de construção do PME de Uruguaiana com a retirada das metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero. De acordo com ela, o Plano foi elaborado com ampla participação social envolvendo representantes de escolas particulares e de unidades de educação das redes de ensino municipal e estadual.
Apesar de não conter referências à igualdade de gênero, o Plano encaminhado à sanção da Prefeitura estabelece, entre outras coisas, a inclusão nos currículos escolares de conteúdos das histórias e culturas afro-brasileira e indígena; a universalização da educação infantil na pré-escola; e a ampliação da oferta de educação infantil em creches e do ensino fundamental para toda a população de seis a 14 anos. Além disso, está previsto para os próximos dez anos que seja feito o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos, a alfabetização de todas as crianças e a priorização de educação em tempo integral.
Imagens: Divulgação
Reportagem – Gabriel Maia Salgado