“As audiências públicas do CNE sobre a Base Nacional são mais uma oportunidade para pressionar por mudanças necessárias”, diz Roberto Catelli

Doutor em Educação pela USP aponta críticas à 3ª versão da Base Nacional Curricular Comum, entregue ao CNE na semana passada; datas das audiências já foram divulgadas

 

Na última quinta-feira (dia 06/04), o MEC entregou a 3ª versão da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Prevista na Constituição Brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e reafirmada no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), a Base Nacional Curricular Comum tem como objetivo estabelecer os objetivos de aprendizagem de todos(as) os(as) estudantes da educação básica no Brasil.

Clique aqui para acessar o documento final da Base Nacional Comum Curricular 

A partir de agora, o texto deve ser discutido no CNE, que já divulgou as datas e locais das cinco audiências públicas que pretende realizar para discutir a Base nos estados. Para o doutor em Educação pela USP e coordenador da área de Educação de Jovens e Adultos da ONG Ação Educativa, Roberto Catelli, as audiências são “mais uma oportunidade para se pressionar por mudanças necessárias” – que, em sua opinião, são muitas. Desde que foi apresentada a sua primeira versão, em setembro de 2015, a Base passou por diversas mudanças – muito por causa das críticas que têm sido feitas, tanto sobre o seu processo de construção quanto sobre o conteúdo e a organização do documento.

Roberto aponta como mudanças significativas a volta das competências em substituição aos direitos de aprendizagem; a exclusão, de última hora, da expressão orientação sexual e identidade de gênero do texto; a não apresentação da parte referente ao Ensino Médio nesta versão entregue ao CNE e a falta de participação e de inovação em sua construção e conteúdo. “De um modo geral, [a Base] tem uma visão bastante empobrecida dos conhecimentos a serem trabalhados na escola, avançando muito pouco ou mesmo nada em relação àquilo que convencionalmente já se faz na escola e vem sendo criticado”, diz.

Veja mais sobre as opiniões de Roberto Catelli sobre a Base nesta entrevista concedida ao De Olho nos Planos:

 

De Olho nos Planos – Desde que divulgada a primeira versão, em 2015, a Base Nacional recebeu muitas críticas, principalmente em relação à questão da participação. Você acredita que essas críticas foram sendo respondidas/resolvidas ao longo desse processo de construção?

Roberto – Não, a BNCC acabou sendo construída por um corpo técnico que pouco consultou outros especialistas, entidades de classe e professores. Os 15 milhões de registros da consulta pública não parecem ter resultado em nada. Não se divulgou nenhuma metodologia de aproveitamento das sugestões. Não sabemos o que foi sugerido nem como teria sido incorporado.

De Olho – Quais as principais mudanças que você aponta entre essa terceira versão e as anteriores? O que elas sinalizam?

Roberto – Uma importante mudança é a volta das competências em substituição aos direitos de aprendizagem. Voltamos à ideia de que os sujeitos devem desenvolver competências enquanto indivíduos inseridos em uma sociedade e no mundo do trabalho. Isso substitui a ideia de direitos de aprendizagem, prevista no PNE, que busca colocar mais foco nos direitos do cidadão em sociedade.

De Olho – O que você destaca como avanços presentes nessa terceira versão da Base Nacional?

Roberto – Não vejo avanços em relação à segunda versão, apenas tem uma revisão que evita algumas repetições e imprecisões. Entretanto, de um modo geral, tem uma visão bastante empobrecida dos conhecimentos a serem trabalhados na escola, avançando muito pouco ou mesmo nada em relação àquilo que convencionalmente já se faz na escola e vem sendo criticado.

De Olho – Quais são as suas principais críticas com relação a esse documento e ao seu conteúdo?

Roberto – Como disse anteriormente, ele não avança em relação ao que já foi proposto em anos anteriores e até mesmo do que está presente nos livros didáticos convencionais. Apenas organiza estes conhecimentos em objetos de aprendizagem que podem ser cobrados em avaliações nacionais. No caso da disciplina de História, por exemplo, se faz um discurso em defesa do pensamento crítico e da construção da autonomia do pensamento no texto introdutório da disciplina. Entretanto, quando definem objetos do conhecimento para as séries finais do ensino fundamental, nada mais se faz do que repetir uma velha lista de conteúdos muito conhecida dos livros didáticos que estranhamente denominam como parte de unidades temáticas.

Além disso, a valorização da cultura afrobrasileira aparece de maneira muito secundária e os temas da diversidade foram também diluídos e pasteurizados em uma redação que se omite em relação às questões fundamentais. Vimos a mudança ocorrida de última hora no texto final que excluiu a expressão orientação sexual e identidade de gênero. Um desserviço para os jovens brasileiros que tanto precisam discutir estes temas na adolescência.

De Olho – Você acredita que a terceira versão vai passar por mudanças significativas no CNE?

Roberto – Difícil dizer. Haverão novas consultas públicas, que já tem um calendário definido por região. Creio que seja mais uma oportunidade para se pressionar por mudanças necessárias. Ocorre que a versão final será homologada pelo ministro da Educação, então o CNE não tem autonomia para realizar mudança. Nesse sentido, a pressão é muito importante.

De Olho – Uma vez aprovada pelo Conselho e homologada pelo MEC, o grande desafio é a implementação dessa Base nos estados e municípios. Qual é o impacto que ele deve ter sobre a educação, principalmente na ponta, em termos de formação de professores, produção de livros didáticos, avaliações etc?

Roberto – Creio que a BNCC não provocará mudanças substantivas em relação ao que já se faz nas escolas e mesmo em relação aos livros didáticos, uma vez que ela inova muito pouco. O risco é ela ser automaticamente transformada em currículo por secretarias que não tem uma proposta curricular desenvolvida. Acho fundamental que as redes encarem a BNCC como o mínimo e não como o próprio currículo.

De Olho – A parte do documento referente ao Ensino Médio não foi apresentada hoje, já que deve ser ainda trabalhada pelo MEC por causa da aprovação da MP de reforma do ensino médio, em fevereiro deste ano. O que devemos esperar da Base para essa etapa do ensino?

Roberto – Difícil saber. A pergunta é: por que não foi lançado o texto do EM se a reforma já está definida? Talvez nem o governo saiba o caminho para implementar uma reforma tão apressada e cheia de lacunas. Creio que ainda se está um passo atrás, que é saber como criar este novo ensino médio que pode levar a um empobrecimento ainda maior das redes públicas nesse nível de ensino.

 

Calendário das audiências públicas do CNE sobre a Base Nacional Curricular Comum

Os encontros serão transmitidos ao vivo pela internet e ocorrerão entre 7 de junho e 11 de setembro. A expectativa do Conselho é enviar um projeto de resolução para o Conselho Pleno do órgão em novembro, para então encaminhar o documento para homologação do MEC.

Veja abaixo o calendário das audiências:

1 – Região Norte
Data: 07 de junho de 2017
Local: Manaus (AM)

2 – Região Nordeste
Data: 28 de julho de 2017
Local: Recife (PE)

3 – Região Sul
Data: 11 de agosto de 2017
Local: Florianópolis (SC)

4 – Região Sudeste
Data: 25 de agosto de 2017
Local: São Paulo (SP)

5 – Região Centro-Oeste
Data: 11 de setembro de 2017
Local: Brasília (DF)

Observação: as audiências podem sofrer modificações.

 

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Reportagem: Stephanie Kim Abe

 

2 ideias sobre ““As audiências públicas do CNE sobre a Base Nacional são mais uma oportunidade para pressionar por mudanças necessárias”, diz Roberto Catelli

    1. Administrador Autor do post

      Olá, Fernando!
      Tudo bom?

      Todas as informações sobre as audiências públicas da BNCC realizadas pelo CNE estão neste site: http://cnebncc.mec.gov.br/
      Aparentemente, as inscrições para a audiência pública em São Paulo ainda não estão abertas. Por enquanto, só a de Manaus. Mas tem um e-mail para entrar em contato, caso queira mais informações.

      Qualquer dúvida, estamos à disposição.
      Att,
      Equipe De Olho

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