Em artigo, Claudia Bandeira, assessora da iniciativa De Olho nos Planos, aborda o cenário da docência e traça caminhos para a valorização da carreira
Qualquer política de valorização das professoras tem que garantir formação inicial e continuada, condições de trabalho, salário digno e carreira, acesso a bens culturais e participação efetiva das professoras nos debates para impactar a elaboração e avaliação de políticas públicas educacionais.
Precisamos que professoras sejam tratadas e valorizadas como profissionais, e não como pessoas que realizam seu trabalho por amor ou vocação. Já dizia Paulo Freire, “professora sim, tia não!”. Quanto mais se coloca a docência nesse lugar do voluntarismo e da solidariedade, mais se desvaloriza a(o) educadora e se reforça a ideia que as demandas das confederações e sindicatos de professora(e)s são regalias.
Hoje, há uma enorme diferença salarial entre professora(e)s e profissionais de outras áreas com mesmo nível de formação. O valor definido em lei federal é de R$2.455,35 para uma jornada de 40 horas semanais. Mas, segundo levantamento feito pelo Ministério da Educação (MEC) em 2017, 45% dos municípios brasileiros sequer cumprem esse piso.
Também há um problema nos mecanismos de contratação. Por exigência constitucional, a contratação de professores deve ser feita por concurso público. Entretanto, é cada vez maior o número de sistemas que promovem vínculos via contratos temporários. Essa forma de contratação é permitida em situações de tamanha urgência, “excepcional interesse público”, que impede a realização de concurso, mas tem se tornado o padrão em muitos sistemas.
Com baixos salários, professoras muitas vezes têm que dar aulas em mais de uma escola, extrapolando a carga semanal de trabalho prevista e tendo menos tempo para preparar suas aulas. Além de um desrespeito à categoria, isso afeta a qualidade do ensino. A desvalorização também faz com que a carreira não seja atrativa: pesquisas revelam que pouquíssimos jovens consideram trabalhar como professores. Salas superlotadas, infraestrutura precárias – há escolas que nem saneamento básico têm – também são pontos que afetam o cotidiano de trabalho.
Então não há valorização nem em termos salariais, nem em progressão de carreira, nem em condições de trabalho.
Na conjuntura atual, também é importante ressaltar que a população brasileira é muito diversa e, com isto, os currículos e propostas pedagógicas também o são. Tendo isto em vista, é importante zelar pelo pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Isto está previsto no artigo 206 da Constituição Federal, que estabelece os princípios da educação, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE). Ainda assim, é comum que professoras e professores sejam constrangidos (as), sofram difamações públicas e ameaças de processos, sob o discurso de grupos ultraconservadores, como o escola Sem Partido, de que estariam “doutrinando” estudantes.
Precisamos tomar cuidado com discursos que culpabilizam docentes pelos males da educação e desmistificar as ideias que têm sido propagadas por grupos ultraconservadores como o Escola Sem Partido. Mesmo que ainda em tramitação nas câmaras e assembleias e avaliado como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, suas ideias e projetos de lei tem se disseminado, ameaçado e censurado professoras e professores.
Mas, para que não fiquemos em uma visão tão catastrófica, é importante lembrar que o Brasil tem um diagnóstico preciso do seu cenário educacional e uma proposta de mudança clara. O Plano Nacional de Educação (PNE), um documento construído com significativa participação da sociedade civil e que estabelece metas e estratégias para a educação no Brasil por 10 anos, tem três metas que tratam da docência (16, 17 e 18).
São propostas de aperfeiçoamento da formação (inicial, continuada e de pós-graduação), de formulação de planos de carreira, de equiparação salarial ao rendimento médio de outras áreas e de contratação em regime de provimento efetivo.
O cumprimento destas metas depende de um compromisso político real com a educação, que, muitas vezes, vemos que fica só no discurso. Priorizar a educação é ter uma previsão orçamentária adequada às demandas da área. É importante destacar que em 2016, foi aprovada uma emenda constitucional (95), que restringiu os gastos públicos nas áreas da educação, saúde e outras políticas sociais, inviabilizando a implementação do PNE. Não há como falar em melhoria da educação e valorização das professoras no Brasil sem revogar essa emenda constitucional.
Nesse contexto, a iniciativa De Olho nos Planos acredita que para que professoras sejam valorizadas no país é importante somar forças pela imediata revogação da EC 95 e pelo fortalecimento de instâncias participativas da educação que monitorem o cumprimento do PNE. Não podemos deixar que ele vire letra morta!
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Um ponto comum entre países reconhecidos internacionalmente por ter dado um salto na educação – Canadá, Finlândia, Cuba e Coreia do Sul – foi ter um plano com metas e previsões orçamentárias, a médio e longo prazo. Precisamos encarar que educação não é um gasto, é um investimento. Um direito humano que deve ser garantido para todas e todos.
A agenda da valorização das professoras e dos professores precisa ser assumida urgentemente pela sociedade como um todo e deve estar presente nas discussões sobre qualidade na educação.
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