“Não dá mais para fazer política pública sem ouvir as vozes dos/as estudantes!”, afirma Claudia Bandeira

Em enquete lançada pelo U-Report Brasil, 93% dos jovens afirma que os estudantes deveriam ser ouvidos antes das decisões importantes sobre a Escola serem tomadas.

Nossa Voz Importa - U-Report

Projetos de lei inspirados no programa Escola Sem Partido tramitam na Câmara dos Deputados em várias casas legislativas de estados e municípios do Brasil. Alagoas foi o primeiro local a aprovar uma lei com este teor. Com o nome de “Escola Livre”, o projeto foi aprovado em 2015 e, em maio do ano seguinte, suspenso pelo Supremo Tribunal Federal.

O movimento “Escola sem Partido” define-se como uma “associação informal de pais, alunos e conselheiros preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras”. Apesar de colocar-se como representante de todos estes segmentos, a fundação do movimento é de autoria de um ator externo à escola, o advogado Miguel Nagib.

O que o movimento Escola Sem Partido defende é uma suposta “neutralidade” nos processos de ensino e aprendizagem e, a partir dessa falsa ideia, quer impor aos profissionais da educação sua própria doutrinação ideológica e perseguir e atacar professoras e gestoras educacionais por abordarem o racismo, o machismo, o sexismo, a LGBTfobia e outras discriminações em sala de aula e nas escolas.

No U-Report Brasil sobre a temática, 48% das/os estudantes afirmam desconhecer as ideias do coletivo. Os dados evidenciam a urgente necessidade de criar espaços nas escolas para discutir com estudantes o que é o Movimento Escola Sem Partido. Além das/os estudantes, é importante envolver toda comunidade escolar – professoras/es, gestoras/es, funcionárias e familiares – nesse debate sobre o que é, para que serve e a serviço de quem atua o Escola Sem Partido.

É evidente que os idealizadores do Movimento Escola Sem Partido não entendem de educação, muito menos das relações e processos de ensino e aprendizagem que ocorrem em sala de aula. Isso porque o projeto do ESP trata da ideia de que os/as estudantes nada sabem, cabendo somente às professoras transmitir conhecimento. Partir dessa concepção é recair no velho, mas nem por isso superado, conceito de “educação bancária” de Paulo Freire. De acordo com Paulo Freire as práticas da “educação bancária” se estabelecem numa relação vertical, em que o educador é um sujeito detentor de conhecimento, ao passo que o educando é apenas um objeto, que recebe o conhecimento, é pensado e segue a prescrição. O educador “bancário” faz “depósitos” nos educandos e estes os recebem, guardam e arquivam, como “tábulas rasas”. Já uma “educação libertadora” se dá na relação entre educadoras/es e educandas/os, por meio do diálogo, da problematização, da reflexão, do questionamento e do pensamento crítico a partir da realidade.

Precisamos perceber e compreender que nossas/os jovens têm muitas ideias, visões e explicações próprias sobre as realidades e precisam ser reconhecidos como protagonistas da escola. As ocupações secundaristas de 2015 e 2016 foram um exemplo disto. Ao se mobilizar contra a reorganização escolar e o escândalo da merenda, estudantes levantaram uma demanda por relações mais horizontais na gestão da escola e no processo mais amplo de construção da política educacional. Demandaram também propostas pedagógicas que dialogassem com suas realidades e encarassem temas importantes, como política, religião, desigualdade, machismo, racismo e LGBTfobia.

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Uma escola de qualidade é aquela que consegue incluir e acolher a todas e todos, promovendo e valorizando o respeito à pluralidade de ideias. Uma escola de qualidade não desconsidera as divergências entre gestoras/es, professoras/es, estudantes e familiares, mas os incorpora, discutindo e resolvendo-os de forma democrática e respeitosa. O debate é parte do processo educativo, a censura não. Por isso é importante investir em processos e canais de diálogo, que permitam que todos os segmentos da comunidade escolar sejam ouvidos e construam coletivamente as saídas para problemas.

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Ao contrário do que pregam os idealizadores do Escola Sem Partido, muitas escolas ainda não estimulam debates sobre política e sexualidade nas escolas. É isso o que apontam 40% dos estudantes que responderam à enquete. Debater em sala de aula problemas estruturais do Brasil, como o enfrentamento às discriminações sociais, religiosas, raciais, étnicas, de gênero e de orientação sexual é urgente. Estes temas devem ser trabalhados em cursos de formação de professoras/es e abranger todas as áreas de conhecimento, não apenas história, geografia, sociologia e filosofia.

A tarefa da educação é formar cidadãs e cidadãos para que atuem e transformem realidades e a sociedade tornando-a mais justa para todos e todas. Isso só será possível a partir da formação do pensamento crítico e do debate democrático que impacte os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas e as políticas educacionais. Assim como os dados da pesquisa, o movimento de ocupações das escolas pelos/as estudantes evidenciaram a forte demanda desses jovens por espaços de participação que fortaleçam e legitimem suas demandas junto ao poder público. Não dá mais para fazer política pública sem ouvir as vozes dos/as estudantes!

 

Claudia Bandeira

Claudia Bandeira, pedagoga, mestre em Educação pela PUC São Paulo e assessora da Iniciativa De Olho nos Planos pela organização Ação Educativa. Compõe o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e atua na área da educação principalmente com políticas públicas educacionais, educação popular, direito à educação de pessoas privadas de liberdade, desigualdades e diversidades na educação.

 

 

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