Lemos os programas de governo dos dois candidatos à presidência e analisamos as propostas a partir dos documentos norteadores da educação brasileira. Confira o resultado.
O segundo turno das eleições apresenta uma disputa polarizada entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Com concepções muito diferentes de educação, os dois candidatos têm dividido o eleitorado brasileiro.
O candidato eleito terá que dar continuidade, alterar ou revogar políticas já em andamento, como a Reforma do Ensino Médio, aprovada por Medida Provisória durante o início da gestão Temer, a Base Nacional Comum Curricular, partida em duas e com a versão de Ensino Médio ainda em tramitação após seguidas audiências públicas interrompidas por manifestações contrárias ao documento, e os projetos de lei protocolados pelo movimento Escola Sem Partido, que, embora avaliados como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ganham cada vez mais força nos discursos de grupos ultraconservadores.
A próxima gestão também será responsável por seguir com a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), buscando cumprir as metas restantes e recuperar o atraso dos dispositivos não executados nestes primeiros 4 anos de vigência. Aprovado em 2014 e construído com ampla participação da sociedade civil, o Plano Nacional de Educação é o principal instrumento da política educacional. Ele faz um balanço das demandas da área, orienta a gestão e prevê um aumento do investimento público.
Outro fator central a ser enfrentado será o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95). Aprovado em 2016, ele restringe os gastos públicos por 20 anos, inviabilizando um aumento de financiamento da pasta e fragilizando a capacidade dos municípios de implementar políticas educacionais.
Tendo este cenário em vista, analisamos os programas de governo apresentados pelos presidenciáveis ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ver como se posicionam em relação aos projetos em andamento, o que pretendem implementar e o quanto estão alinhados com as normativas educacionais do país. Confira.
Em seu programa de governo, Jair Bolsonaro (PSL) afirma diversas vezes o compromisso de eliminar a “doutrinação” das escolas. Em outubro de 2016, projeto com este propósito foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas e, pouco depois, suspenso pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Segundo o texto da lei, ficava proibida a “doutrinação ideológica em sala de aula e nos livros didáticos”. Na ocasião, o ministro afirmou que a ideia da neutralidade política e ideológica da lei estadual contrariava o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a promoção da tolerância previstos na LDB. “A imposição da neutralidade – se fosse verdadeiramente possível – impediria a afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas sobre um mesmo fenômeno em sala de aula. A exigência de neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas”, registrou. Em direta oposição a Bolsonaro, o programa de Fernando Haddad (PT) propõe “fortalecer as políticas afirmativas e de valorização da diversidade” e “massificar as políticas de educação e cultura em direitos humanos”. Sugere também a criação de política para que as unidades educacionais sejam “espaços de paz, reflexão, investigação científica e criação cultural”, mas não esclarece mais esmiuçadamente como funcionará o projeto.
Para Bolsonaro, é possível fazer mais com os atuais recursos, não havendo necessidade de aumentar o investimento na área. O argumento do candidato é que o percentual investido pelo Brasil é superior ao investimento médio de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em seu programa de governo, o candidato considera as estratégias educacionais do Japão, de Taiwan e da Coréia do Sul para pensar a educação brasileira. Em conversa com o #EducaçãoNasEleições, Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, elenca dois motivos pelos quais essa média não é um bom referente de comparação. “Um primeiro é que muitos dos países da OCDE não precisam de um investimento grande em infraestrutura e inclusão de todas as crianças e adolescentes na escola, como é nosso caso. Nunca fizemos um investimento de peso inicial em educação como é o caso do Japão, que em sua reconstrução no pós guerra investiu fortemente em infraestrutura, insumos básicos de qualidade e inclusão de todas e todos na educação. Apesar da diferença de contexto e de fonte de investimentos, é um caso a se compreender”, explica. “O segundo ponto, que é muito mais realista e preciso, é a comparação do investimento por aluno: o nosso é muito mais distante e baixo que da média dos países da OCDE. Ou seja, temos um investimento geral parecido, mas um diferente investimento por aluno”, completa. Isso significa que, para pensar políticas públicas de investimento em educação, temos que ir além do montante geral de recurso e analisar a realidade brasileira também por números de crianças, adolescentes, jovens e adultos que estão na escola – uma população muito maior que a maioria dos países da OCDE. Pelo estabelecido na Meta 20 do PNE, o aumento de investimento na área é necessário. O plano prevê que esta elevação se dê de forma progressiva ao longo dos anos, até que se atinja 10% do PIB. Além disto, propõe um mecanismo de cálculo que mensura o valor necessário por estudante matriculado para que se oferte uma educação de qualidade. “O Custo-Aluno-Qualidade dedica o investimento necessário para se obter um patamar de qualidade na educação para a realização do ensino-aprendizagem nas escolas. E ele calcula o investimento de 10% do PIB, porque inclui essa injeção de infraestrutura e de melhoria da qualidade, com inclusão de todas e todos. A ideia é que, passado esse PNE e cumprido esse investimento, o patamar diminua para um patamar de manutenção dessa qualidade”, explica Andressa. Em seu plano de governo, Haddad dispõe-se a implementar o Custo-Aluno-Qualidade e efetivar o financiamento progressivo. Para isso, planeja revogar o congelamento de gastos nas áreas sociais decretado pela gestão Temer: a Emenda Constitucional 95.
Homologada em dezembro de 2017, a Base foi alvo de intensos debates nos últimos três anos. Sua ideia inicial, disposta no Plano Nacional de Educação (PNE), era servir como um documento norteador, estabelecendo os objetivos de aprendizagem de todas(os) as(os) estudantes da Educação Básica no Brasil. Para isto, o texto deveria passar não apenas pelos órgãos do legislativo e executivo federal, mas ser construído de forma participativa, contemplando os interesses de diversos grupos que compõem o campo educacional. O desenrolar do processo, entretanto, tomou outro caminho, criticado por sindicatos de professores, entidades estudantis, organizações da sociedade civil e representações acadêmicas por ser muito verticalizado e apresentar uma concepção reducionista de direito à educação. Além das críticas ao processo de construção do documento, outro ponto de conflito foi o respeito à diversidade. Com a justificativa de que a temática de gênero provocara muita controvérsia, o Ministério da Educação (MEC) suprimiu os termos “gênero” e “orientação sexual” do documento. Antes de ser aprovado, o texto foi partido ao meio na metade do processo. Devido à proposta do executivo de reforma do Ensino Médio, as discussões sobre essa etapa foram postergadas para 2018 e separadas da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Apesar de defenderem a necessidade de alterações no documento, ambos os candidatos consideram a Base necessária e argumentam por sua manutenção. “O que preocupa é a existência de um consenso sobre a necessidade de uma BNCC e a crença na redenção das mazelas educacionais pelo currículo. Política curricular – algo que temos de sobra no Brasil – não é currículo. A julgar pelo que trazem os programas das candidaturas ao Planalto, esse debate ainda vai longe”, afirma o professor da Universidade Federal do ABC Fernando Cássio.
Hoje, professoras/es enfrentam enorme diferença salarial frente a profissionais de outras áreas com mesmo nível de formação. Além disso, ainda que o piso salarial definido em lei federal seja de R$2.455,35 para uma jornada de 40 horas semanais, 45% dos municípios brasileiros nem mesmo cumprem esse valor. Para melhorar este cenário, o PNE prevê a ampliação da assistência financeira da União aos estados e municípios para o cumprimento do piso e a construção de um plano nacional de carreira. Em seu plano de governo, Haddad se compromete com o cumprimento destas duas previsões. Bolsonaro, por sua vez, propõe o apoio de universidades públicas na qualificação docente, mas não cita nenhuma iniciativa referente a salário ou carreira. “Precisamos que professoras sejam tratadas e valorizadas como profissionais, e não como pessoas que realizam seu trabalho por amor ou vocação. É preciso garantir formação inicial e continuada, condições de trabalho, salário digno e carreira, acesso a bens culturais e participação efetiva das profissionais nos debates para impactar a elaboração e avaliação de políticas públicas da área”, defende Claudia Bandeira, pedagoga e assessora da iniciativa De Olho nos Planos.
No programa de Bolsonaro, fala-se sobre a importância de priorizar a Educação Básica e o Ensino Médio [sic]. Pretende-se reduzir os recursos do Ensino Superior para financiar outras modalidades. A ideia de opor a educação Básica ao Ensino Superior também é vista com preocupação por especialistas, como explica Fernando Cássio. “A questão não é que se gasta muito com o Ensino Superior, mas que falta recursos na Educação Básica”, explicita. O programa também afirma que o atual modelo de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está “totalmente esgotado”, para o que prevê a aproximação das universidades com empresas em nome de um empreendedorismo, já que a atual estratégia, centralizada, depende “exclusivamente de recursos públicos”. “É como se a universidade tivesse que se dedicar ao que é útil, produtivo”, coloca Cássio, mencionando uma forte tendência que o Ensino Superior responda às demandas do mercado e se afaste da produção de pesquisas públicas, responsáveis por induzir o processo de inovação tecnológica no País. Em 2017, o Ministério da Educação regulamentou a EaD em todo o território nacional, permitindo que as instituições de Ensino Superior ampliem sua oferta de cursos de graduação e pós-graduação de forma complementar ou exclusiva. No entanto, em relação ao Ensino Fundamental, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) prioriza a modalidade realizada presencialmente. O Ensino à Distância seria utilizado apenas como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Já no programa de Haddad, propõe-se colaborar com municípios para ampliar as vagas em creches e fortalecer as pré-escolas. De acordo com o pacto federativo brasileiro, que aborda as responsabilidades de municípios, estados e Governo Federal, a demanda relacionada à educação infantil é prioridade dos municípios. No Ensino Fundamental, pretende-se expandir a oferta de educação em tempo integral. No Ensino Médio, revogar a reforma e, para melhorar a qualidade, criar bolsa-permanência e convênios entre escolas e Institutos Federais. “A pressa da reforma não é somente a expressão da falta de fundamentos da Lei que se criou, mas também a imposição de um modelo que tem como pilar o barateamento e a privatização da oferta do Ensino Médio no país”, afirma Roberto Catelli, coordenador executivo da Ação Educativa. Bolsonaro não menciona a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, nem as modalidades do campo, indígena e quilombola. Já Haddad propõe retomar a centralidade das ações de redução do analfabetismo, consolidar a política de educação especial na perspectiva inclusiva em todas as etapas e modalidades de ensino e retomar os investimentos na educação do campo, indígena e quilombola.
Propõe-se também valorizar a Educação à Distância: “deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”. Vago, o texto do programa não permite compreender que etapas a modalidade seria considerada e, tampouco, se as aulas à distância corresponderiam a todo o currículo ou apenas parte dele. Em declaração à Folha em 7 de agosto, o candidato afirmou que a Educação à Distância permite “baratear o ensino” e “combater o marxismo”.
Reportagem: Júlia Daher, Denise Eloy e Ana Luiza Basilio
O Especial #EducaçãoNasEleições é uma parceria entre Ação Educativa e Carta Educação.
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