Ao todo, 35 organizações foram atingidas. Em entrevista para o De Olho, a cientista política Carla Bezerra analisa o impacto e a constitucionalidade do decreto.
Publicado na quinta-feira (11/04), decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni altera as diretrizes e regras de colegiados da administração pública além de extinguir vários dos atualmente existentes.
Segundo levantamento realizado pela pesquisadora Carla Bezerra, 35 órgãos foram afetados. Entre eles estão órgãos centrais da política educacional e de direitos humanos, como a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, a Comissão Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT).
Por terem sido instituídos por legislação superior ao decreto, o Conselho Nacional de Educação e o Fórum Nacional de Educação permanecem em funcionamento.
Para ter acesso à lista completa de órgãos atingidos e entender os efeitos do documento, o De Olho conversou com Carla Bezerra, doutoranda em Ciência Política pela USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM). Confira o resultado:
O que o decreto altera?
O Decreto extingue todos os órgãos colegiados criados por Decretos ou Portaria de toda a administração Pública. De forma detalhada, órgãos colegiados são instâncias que elaboram, fiscalizam e decidem sobre uma certa política pública. Elas são compostas por representantes de mais de um ministério, podendo ou não contar com representantes da sociedade civil.
Um decreto é editado unilateralmente pelo presidente (não passa pelo congresso) e está hierarquicamente abaixo de uma lei. Portanto, ele só pode extinguir colegiados previstos em outros decretos ou em portarias. Aqueles previstos em lei continuam existindo.
O Decreto se estende para toda a Administração Pública direta, autárquica ou fundacional. Isto é, além dos ministérios, se aplica também a instituto, universidades, dentre outros.
Qual é o efeito disso? Qual é a importância desses órgãos?
O efeito imediato disso é uma enorme insegurança jurídica. Existem inúmeros órgãos colegiados que tem atribuições essenciais para a execução de várias políticas públicas. Por exemplo, um Comitê passível de extinção por este Decreto é o COPOM (Comitê de Política Monetária). Ele é um comitê composto estritamente pelo governo e responsável por definir toda a política monetária do governo. Ou seja, no momento, não é claro quem definirá tais diretrizes a partir de segunda.
Existe base constitucional para o desmonte desses órgãos de controle?
Como o decreto é editado unilateralmente pelo presidente (não passa pelo congresso) e está hierarquicamente abaixo de uma lei, o presidente pode revogar atos anteriores. Em cada caso, será preciso ver os efeitos e se há medidas judiciais cabíveis para questionar o Decreto de Bolsonaro. Isso depende muito das especificações e competências de cada órgão colegiado.
Há algo mais que você acredita que seja importante acrescentar?
É provável que a partir de segunda vários desses órgãos sejam recriados. Mas agora deverão observar as regras mais restritivas de funcionamento do Decreto, como restrição ao tempo de duração da reunião.
Há alguma possibilidade de efeito cascata disto para instâncias de participação em outros entes federativos, como os conselhos estaduais, por exemplo?
A princípios, os Estados e Municípios tem autonomia para regulamentar suas próprias instâncias. Esse efeito só haveria se outros Governadores ou Prefeitos decidirem “imitar”o Presidente. Mas juridicamente não há esse efeito.
O decreto entra em vigência imediatamente. Mas estabelece 60 dias para os órgãos enviarem a relação de órgãos colegiados em atuação, justificando a sua necessidade de existência. Então, os órgãos colegiados passíveis de revogação estão em um limbo jurídico no momento.
Em defesa da participação
Após a assinatura repentina do decreto, entidades e indivíduos se mobilizaram pela manutenção dos órgãos. Na sexta-feira, foi criada a página de facebook O Brasil Precisa de Conselho. Nela, é possível encontrar um levantamento sobre os efeitos da normativa e notícias sobre o tema. Há também a divulgação de um ato público em defesa da participação da sociedade nos conselhos.
Ainda na sexta-feira, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) divulgou uma moção contra a medida. Na nota, a entidade aponta o caráter antidemocrático da ação e receia um aumento da falta de transparência na aplicação dos recursos públicos.
“Segundo a Constituição Federal de 1988, todo poder emana do povo – que o exerce por meio de seus representantes ou diretamente. A participação autônoma das organizações e movimentos sociais nos conselhos de políticas públicas é a melhor forma da sociedade civil envolver-se na definição dessas políticas, definir prioridades e fiscalizar a atuação do Governo Federal”, defende a nota.
A Abong irá acionar a Frente Parlamentar Mista pela Democracia e Direitos Humanos para construir uma pressão coletiva pela revogação do decreto.
Nesta segunda (15), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) entrou com uma ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação do decreto.
Saiba mais:
-Entidades rompem com o Fórum Nacional de Educação e instituem o Fórum Nacional Popular de Educação
– Fórum Nacional de Educação denuncia situações de funcionamento precárias e desrespeito por parte do MEC
– MEC divulga nome de novos integrantes do Fórum Nacional de Educação
– Relatório da UNESCO destaca ampla participação social na construção do PNE
– Genuíno Borndignon: “A autoavaliação participativa ajuda a qualificar a participação social”
A minha pergunta é, o que esses 35 órgãos fizeram de fato para a mudança da situação na época em que foram criados, além de criar uma fragmentação no atendimento escolar e até a criação de “guetos” que se opõem e aumentam os conflitos. Na minha visão de estudiosa e professora de educação inclusiva, já é uma falácia falar de educação inclusiva, pois toda a educação pressupõe inclusão, equidade, (nao apenas igualdade) e respeito às diferenças. Creio que o que o governo fez foi ponderar sobre a eficácia e efetividade desses grupos para além do posicionamento ideológico. A educação básica continuou precária, a formação inicial de professores continuou de má qualidade e a formação continuada atendia apenas os interesses de um pequeno aumento salarial.
Por que não dar uma oportunidade para a apresnertação de novas soluções que vão alterar a prática na sala de aula e na formação dos estudantes que não sejam excluídos do mercado de trabalho mesmo com certificação (que é o que até pouco tempo acontecia. e ainda acontece em relação aos egressos de 2019, 2020)