Como a reforma política pode aumentar a participação da sociedade brasileira na construção de políticas públicas

Para o advogado e membro da coordenação nacional da campanha pelo plebiscito, Ricardo Gebrim, a reforma do sistema político na Constituição Federal deve fortalecer a democracia brasileira

Cerca de dez milhões de pessoas se envolveram em mobilização pela mudança no sistema político brasileiro durante toda a primeira semana deste mês. Durante a semana em que se celebra a independência, organizações e movimentos sociais se articularam para a realização de um plebiscito e para a coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular.

A mobilização, segundo um dos membros da comissão organizadora do plebiscito e dirigente da consulta popular, Ricardo Gebrim, responde às reivindicações que se intensificaram em junho de 2013. “As contradições expostas durante as manifestações de junho do ano passado e que seguem presentes nas reivindicações dos movimentos sociais atualmente exigem uma maior participação e um maior acesso aos mecanismos de poder”, destacou Gebrim. Na avaliação do dirigente, “há uma retomada das lutas sociais, sendo que no ano passado alcançamos o patamar do número de greves da década de 1980”.

Apesar da mobilização em todos os estados do país e em todas as cidades com mais de 100 mil habitantes, o plebiscito não tem valor legal, já que só poderia ser proposto por meio de um decreto legislativo. Para que seja ao menos discutido ou no Senado ou na Câmara dos Deputados, a proposta deve ter a concordância de, no mínimo, 27 senadores, ou 171 deputados federais. “O que nós estamos criando é força social e mobilização política. Além de o plebiscito legal aferir a vontade de toda a nação, vai conferir a legitimidade necessária para que uma iniciativa como essa não seja recortada tanto pelo poder executivo federal, quanto pelo Congresso Nacional”, observa o membro da coordenação do plebiscito.

Além do plebiscito, cerca de 100 entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) coletaram assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que, por sua vez, podem gerar uma lei ordinária sem a alteração da Constituição Federal. Caso siga o exemplo da lei de iniciativa popular conhecida como Lei da Ficha Limpa, o projeto aprovado iria proibir o financiamento privado das campanhas e mecanismos para ampliação da democracia direta.

Em entrevista ao portal De Olho nos Planos, Gebrim falou sobre a importância da reforma política para fortalecer a democracia brasileira, sobre o decreto recém-aprovado pela presidenta Dilma Rousseff, que instituiu a Política Nacional de Participação Social, e sobre alguns desafios para a política educacional, frente às articulações de setores privados.

Leia entrevista completa abaixo:

De Olho nos Planos (De Olho) – Como você avalia a participação durante o processo de mobilização e de votação do plebiscito para a reforma política?

Ricardo Gebrim (Gebrim) – As estimativas são que o plebiscito deve ter atingido cerca de dez milhões de pessoas. Entre mesários e organizadores de urna, envolveram-se entre 100 e 120 mil militantes voluntários em todos os municípios com mais de 100 mil habitantes e em todos os estados do Brasil. Ou seja, criou-se um fato político e jornalístico importante no país durante a semana do dia sete de setembro.

Apesar da participação do ex-presidente Lula, da presidenta Dilma, da candidata Marina e de artistas como a Daniela Mercury e muitos outros da rede Globo e que trabalham em telenovelas, as empresas de comunicação ignoraram solenemente o debate ao longo da semana.

Os jornalistas foram chamados, receberam release durante todo o plebiscito e teve coletiva de imprensa no dia do lançamento, mas a grande mídia ignorou o plebiscito de maneira deliberada. Os veículos têm medo e sabem que se houver um amplo debate sobre o sistema político, a grande maioria da população vai tratar a regulamentação democrática da mídia como parte disso. Eles sabem que seus monopólios serão atingidos e, por isso, fazem parte do grupo daqueles que não querem mexer no sistema político atual.

 

(De Olho) – Pensando na relação entre os processos participativos e o fortalecimento da democracia e a reforma política, como a reforma e uma nova constituinte política pode servir nestes processos de fortalecimento da democracia brasileira?

(Gebrim) – As contradições expostas durante as manifestações de junho do ano passado e que seguem presentes nas reivindicações dos movimentos sociais atualmente exigem uma maior participação e um maior acesso aos mecanismos de poder. Há uma retomada das lutas sociais, sendo que no ano passado alcançamos o patamar do número de greves da década de 1980.

Este processo traz a necessidade de participação e de ampliação da democracia. A bandeira democrática sempre esteve nas mãos do povo e exemplos disso foram as Diretas Já e a Constituinte de 1986. Como os senadores foram os constituintes, muitas das conquistas não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional até hoje e um exemplo disso é que legislações ordinárias na prática inviabilizaram grandes conquistas constitucionais como o direito de greve.

Uma constituinte pode abrir este debate. É possível ter avanços e recuos, mas se esse processo for realmente democrático não tenho dúvidas de que nós ampliaremos a democracia no país.

(De Olho) – E como assegurar que as demandas da população sejam encaminhadas a partir do momento em for instituído o processo de uma constituinte por meio do Congresso Nacional?

(Gebrim) – Se o Congresso Nacional for o responsável por aprovar a nova constituinte do sistema político, evidentemente tentará atuar a partir de suas prerrogativas e garantir todos os seus interesses, como aconteceu no processo da Constituinte de 1986, isso porque os responsáveis pela nova constituinte foram os senadores que já estavam lá. Seria muita ingenuidade acreditar, por exemplo, que um senador reduziria seu mandato de oito anos ou mesmo que acabaria com o senado e com o conjunto privilégios que ele possui desde que foi eleito.

Não haverá uma constituinte sem muita pressão social e uma mobilização social comparável ao que foram as Diretas Já na década de 1980.

 

(De Olho) – Por meio do decreto 8.243, a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Participação Social em maio deste ano. Como você avalia esta aprovação e o que a Reforma Política mudaria com relação aos mecanismos de participação social como Conselhos e Fóruns?

(Gebrim) – Na verdade, o decreto regulamentou uma série de mecanismos participativos e de maneira extremamente tímida, sem que se alterasse o controle legal dos órgãos executivos ou que se tirasse qualquer prerrogativa dos poderes executivo, legislativo e judiciário.

O que foi sintomático foi a repercussão deste decreto no Congresso Nacional. Uma quantidade gigantesca de parlamentares interpretou esta proposta, que é tímida e limitada, como uma ação radical e típica do que chamaram de atitude “boliviarianista”.

A classe dominante detém hoje uma hegemonia tal sobre o poder legislativo e sobre o sistema político que não suporta a ampliação da democracia e interpreta qualquer mecanismo de ampliação da participação como sendo de natureza revolucionária.

 

(De Olho) – E quais as consequências da manutenção deste atual sistema político para a educação brasileira?

(Gebrim) – Todas as políticas públicas, especialmente as sociais, estão submetidas a um sistema político que privilegia o fortalecimento de grupos privados e a defesa de seus interesses. Por meio de exemplos como o da fusão entre as empresas Anhanguera e Kroton, estamos assistindo a entrada em cena de poderosos grupos privados na educação, principalmente, no ensino superior. E esta situação tende a se alastrar para outras etapas do ensino brasileiro.

O que temos que perceber é que isso ocorre porque a capacidade de investimento e financiamento de candidatos permitiu a estes grupos fazer um lobby permanente e extremamente atuante não só na comissão de educação, mas também no plenário do Congresso Nacional para assegurar a prevalência de seus interesses. E, dentro desta lógica, não vamos conseguir jamais obter resultados que beneficiem um ensino público e gratuito.

 

(De Olho) – E como você avalia a aprovação no PNE da destinação de recursos públicos para programas como o Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies)?

(Gebrim) – Há um debate bastante técnico se programas como o ProUni e Fies respondem a uma demanda reprimida na sociedade em relação à geração de vagas no ensino superior e se precisaríamos responder a tal demanda já estabelecendo parcerias como estas com o setor privado. Este é um debate importante, mas a grande questão é que o fato de os lobbys do ensino privado controlarem o parlamento faz com que jamais se saia desta situação temporária.

Garantir um ensino público e gratuito de qualidade é um objetivo estratégico e necessário para a educação brasileira. Ela precisa ser pública e, sendo pública, deve ser gratuita. Essa bandeira histórica no Brasil fica completamente comprometida dentro do sistema político em que vivemos.

Fotos: Divulgação

Reportagem – Gabriel Maia Salgado
Edição – Ananda Grinkraut

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