Quem for eleito terá que investir em infraestrutura, formação docente e produção de materiais didáticos. Além disso, deverá elaborar estratégias para que o universalismo das políticas públicas não uniformize a educação e mine as possibilidades de existência de escolas que reconheçam e valorizem a diversidade.
A educação escolar indígena avançou nas últimas décadas. Promulgada em 1988, a Constituição Cidadã reconheceu os direitos culturais dos povos, sustentando o direito à diferença e à manutenção dela, ou seja, de ser índio, viver e permanecer como tal. Durante séculos, tentou-se uniformizar a educação a partir de um currículo imposto, que visava tirar o índio da condição de índio, fazendo-o abdicar de sua língua, crenças e padrões culturais em uma escola que não fazia circular saberes, mas assimilá-los.
“A educação escolar foi usada em vários momentos pelo Estado contra os povos indígenas”, conta a antropóloga e indígena Kaingang Joziléia Jagso.
Com a determinação de que o Estado deveria garantir aos índios não apenas o direito à terra, mas também à manifestação e preservação de suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, garantiu o direito a uma educação multicultural, específica para cada grupo indígena, autodeterminada, intercultural e bilíngue. Apesar do avanço legal e dos esforços para sua efetivação prática, ainda há um enorme caminho para que se alcance uma educação de qualidade e que contemple as demandas das diversas populações existentes no Brasil.
O especial #EducaçãoNasEleições conversou com quatro especialistas da área para saber quais são os maiores desafios da Educação Indígena que o próximo presidente irá enfrentar. Confira o resultado:
“Isso é uma vergonha nacional e tem impacto direto na qualidade da aprendizagem. Imagine uma escola funcionando sem prédio próprio. Significa que tudo é improvisado e precário: não tem cozinha, biblioteca, laboratório, refeitório, não tem lugar para guardar livros. Acho que isso é um grande desafio”, coloca o antropólogo e índio Baniwa Gersem José dos Santos.
Ele conta que, apesar de ter havido um esforço para que este cenário melhorasse, o atendimento ficou restrito às escolas de mais fácil acesso, em geral, em meio urbano. “As empresas, mesmo depois que ganham licitações, quando vão olhar de fato onde é o local da construção, geralmente declinam. Desistem pelas distâncias, custos e riscos que o empreendimento apresenta, inclusive para trabalhadores. Às vezes, tem que ir de avião pequeno, atravessar longas distâncias, então a complexidade não é no só número”, completa.
O professor avalia que, além da intencionalidade de construção de infraestruturas adequadas, é necessário a adoção de serviços que cheguem a áreas mais remotas. Ele destaca também a necessidade de aumento do financiamento para a área. “Não basta apenas atender a população com os fundos existentes, eles são insuficientes, porque são áreas muito caras. Áreas de fronteira, cabeceira de rio, distantes das sedes dos municípios. Nesses lugares, bens e serviços custam pelo menos quatro vezes mais. Haveria a necessidade de pensar uma linha de financiamento, talvez um fundo constitucional específico”, explica.
Para suprir essa demanda, universidades, estimuladas por editais federais ou convênios com secretarias de educação, organizaram formações específicas de professores indígenas para a educação escolar indígena. “O Ministério da Educação (MEC) estimulou a formação de professores indígenas pelo PROLIND, uma iniciativa muito boa, cujo resultado é visível”, conta Gersem.
O professor alerta, entretanto, que essas licenciaturas, mesmo que novas, já estão ameaçadas de encerrar. “Nos últimos anos, as universidades ofertaram esses cursos com subsídios suplementares, ou seja, que não fazem parte da política institucional, dependem de recursos especiais disponibilizados pelo MEC. Nenhuma universidade conseguiu incluí-los na matriz orçamentária anual”, lamenta. “Para se ter ideia da gravidade da situação, na minha universidade [Universidade Federal do Amazonas], são 14 turmas, cada uma de 60 estudantes. De 2017 para 2018, os recursos foram cortados em 50%. Então há uma descontinuidade muito grande por conta da precariedade do financiamento”, completa.
“Avançamos na formação, mas não avançamos na qualidade dos contratos. São processos de seleção anuais, que o professor entra, começa em abril e em dezembro já terminou. Além de pouco tempo de trabalho, esse professor não tem direitos trabalhistas. Isso também afeta a formação. Se todo ano entram professores novos, como você forma esses professores que são descontínuos?”, questiona Gersem.
Para se ter um exemplo local, em Santa Catarina, o primeiro concurso existente para professores indígenas ocorreu há menos de um ano, em outubro de 2017. “Os estados precisam fazer concursos e o Governo Federal pode atuar fazendo pressão neste processo. É preciso reconhecê-los”, critica Joziléia.
Ainda que os concursos sejam uma responsabilidade dos estados, a subcontratação ocorre a nível nacional, tornando o quadro um desafio da federação. Vale lembrar que a Meta 18 do Plano Nacional de Educação (PNE) determina que 90% dos profissionais do magistério sejam ocupantes de cargos efetivos até o terceiro ano de vigência do documento (2017). “O governo federal pode conduzir os processos com resolução do Conselho Nacional de Educação”, sugere Luis.
Formadora do Saberes em três terras indígenas do estado de São Paulo, Tenonde Porã, Rio Silveira e Jaraguá, a doutoranda em antropologia Tatiane Klein conta que “fazer material didático específico envolve um processo complexo de pesquisa sobre conhecimentos tradicionais”. Ajudar as(os) professoras(es) a pensar como pesquisar, registrar e sistematizar esses conhecimentos é um dos desafios postos. Embora reconhecido como um bom programa, o Saberes, assim como as licenciaturas interculturais, encontra-se em fragilidade. “Ao longo dos anos de desenvolvimento da Ação, que começou em 2014, a gente se pergunta se vai continuar ou não. A instabilidade política a atinge de forma imediata. Parece que ela sempre atinge os programas voltados às populações mais vulneráveis”, lamenta Tatiane.
Segundo o Censo Escolar, 33% das escolas indígenas não possuem material didático específico para a diversidade sociocultural. “Há ainda há um déficit na produção de materiais”, aponta Joziléia. Além da ausência de materiais para todas etnias, outro problema identificado pela professora é o escanteio dos já existentes. “Percebo que as escolas que ainda tem dentro delas muitos professores não indígenas, ou a direção escolar e coordenação pedagógica não indígena, na maioria das vezes pecam não usando os materiais da educação indígena. Elas preferem outros materiais ou trazer muitos elementos externos e desconsiderar os materiais produzidos para as escolas indígenas”, lamenta.
Para Tatiane, outro problema é a própria disponibilização nas escolas de documentos já existentes. “Os próprios Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena (RCNEI) são algo que não se encontra nas escolas indígenas, pelo menos nas escolas que eu conheço de São Paulo. Existe uma carência grande de materiais específicos, seja os produzidos por outros povos, seja os que tenham orientações gerais sobre a legislação”, afirma.
Para o professor, é urgente que se estruture a responsabilização dos entes federados na garantia de uma educação indígena de qualidade. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), o poder público deveria instituir, até 2016, um Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino. Não só seu cumprimento é necessário para a Educação Básica como um todo, mas “junto dele, os indígenas defendem um subsistema de educação escolar indígena”, conta.
“Se a educação é diferenciada, é importante ter propostas de avaliação também diferenciadas. A gente só tem avaliações nacionais, o que faz com que as escolas indígenas que entrem nas avaliações nacionais tenham indicadores muito ruins. Deveria haver processos avaliativos específicos para essas escolas. Para aferir a qualidade do ensino diferenciado oferecido nelas”, sugere Grupioni.
Conforme o artigo 11 do Plano Nacional de Educação, é necessária a construção de processos avaliativos mais amplos, participativos e diversificados, olhando para dimensões como infraestrutura, gestão democrática e condições de trabalho – que são desconsideradas em avaliações em larga escala. Uma proposta de sistema avaliativo chegou a ser instituída em 2016, ainda no governo Dilma, mas foi revogada com a entrada de Mendonça Filho no MEC.
“As conferências são fundamentais, são conquistas históricas, momentos ímpares para que as escolas, aldeias, pais, mães, jovens, crianças, possam se manifestar, falar o que querem para a educação e como veem a situação, a qualidade ou não, as dificuldades enfrentadas. Como falamos de um país continental e as aldeias estão espalhadas nos lugares mais distantes, sem uma conferência dessa é difícil ter esse cenário, porque o Censo não dá com esse detalhamento”, relata Gersem. Apesar de um espaço fortuito para a estruturação da política educacional, é comum que as deliberações tiradas nas conferências sejam deixadas de lado pelo poder executivo. “Muitas vezes, a gente já tem muitas direções elaboradas, mas que são desconsideradas”, lamenta Joziléia. “Quando olhamos os resultados dessas conferências, são maravilhosos do ponto de vista da confiança e de se fazer propostas exequíveis. Já do ponto de vista da resposta do Estado, é muito pouco ou quase nada. Se a gente olhar os resultados da primeira conferência, em 2009, para este ano, a segunda conferência, em 2018, praticamente 40 itens foram aprovados como urgência e o governo não adotou nenhum”, finaliza Gersem.
“O que acaba acontecendo é que essa educação escolar indígena é invisível. Que dirá a especificidade dela. Então ela é sempre escamoteada. As ações, quando chegam, são as ações padrão. A gente precisa amadurecer primeiro, povo a povo, comunidade a comunidade, o que são essas expectativas desses professores”. Quais são as formas de organização social, quais são as festas, os momentos do ano que seriam interessantes que a escola funcionasse ou não funcionasse. Como a escola pode ser mais centralizada ou menos centralizada no território. Todas são questões que concernem a uma reflexão sobre o currículo e o funcionamento efetivo da escola e que não tem espaço para isso, porque ela [a escola] vem pronta, ressalta Tatiane. A antropóloga chama atenção para a necessidade de formação e sensibilização das(os) servidores de educação. “É preciso sensibilizar essas pessoas que são servidores do Estado, que desconhecem essa realidade, de que tenham boa vontade não de levar uma educação padrão do estado, mas de dar estrutura, de apoiar a educação, desses povos construírem seu paradigma próprio”, afirma. Também criticada pela forma rígida com que foi imposta, a Base Nacional Comum Curricular é vista como um entrave para a construção de um paradigma educacional próprio às escolas indígenas. Construída sem a participação das comunidades escolares, a Base não reflete seus anseios e propostas curriculares. “A BNCC não olha para a educação escolar indígena. Foi uma lacuna do Ministério ter trabalhado essa Base sem pensar como ela seria contemplada no caso das escolas indígenas. Se criou uma Base Nacional Comum Curricular para o país como um todo, se tem uma política pública de educação diferenciada e não houve conversa sobre isso até agora”, critica Grupioni.
Como as candidaturas propõem enfrentar os desafios da área?
FERNANDO HADDAD (PT)
Retomar os investimentos na educação no campo, indígena e quilombola, desenvolvendo políticas voltadas à formação de professores, construção e reforma de escolas, transporte e alimentação escolar e aquisição de veículos adequados ao transporte escolar seguro.
JAIR BOLSONARO (PSL)
Não cita a educação indígena em seu plano de governo.
Reportagem: Júlia Daher
Edição: Denise Eloy e Ana Luiza Basilio
O Especial #EducaçãoNasEleições é uma parceria entre Ação Educativa e Carta Educação.
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Com fé em Deus vai ganhar
Aqui Fernando Haddad