O novo ensino médio, oficializado por meio de Medida Provisória, não reflete os anseios e as demandas das comunidades escolares e da população
Sem enfrentar questões estruturais como a valorização dos(as) profissionais de educação, a infraestrutura das escolas e a quantidade de alunos(as) por sala de aula, a reforma foi apresentada ontem (dia 22), por meio de uma Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Michel Temer.
Com propostas de ampliação da carga horária, implementação da escola de tempo integral, oferta de ensino técnico e flexibilização do currículo – abrindo mão da Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física – o Ministério da Educação apresentou as mudanças sem dialogar com estudantes que têm se mobilizado em diversos estados do país para exigir o direito à participação na construção de uma escola de melhor qualidade.
O ministro da Educação Mendonça Filho justificou o caráter de urgência do ato citando a nota baixa no Ideb (3,7, sendo que a meta para o ensino médio era 4,3) e altas taxas de evasão constatadas nessa etapa de ensino – o que ele caracterizou como “falência do atual ensino médio”. “Para mim isso justifica a relevância e urgência que definem a necessidade de uma medida provisória pra que a gente possa iniciar esse processo de mudança”, disse o ministro Mendonça Filho, durante o lançamento da MP.
Para combater o “ensino bastante engessado”, com 13 disciplinas obrigatórias, a reformulação estabelece que os currículos do ensino médio sejam organizados por área de conhecimento (linguagem, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico). Os temas que farão parte do currículo seguirão a Base Nacional Curricular Comum. Apenas Português e Matemática seguem obrigatórios em todos os três anos do Ensino Médio. A carga horária mínima anual deve aumentar gradativamente de 800 horas para 1,4 mil (ou seja, jornadas de 7 horas).
Roberto Catelli, coordenador da unidade de EJA da Ação Educativa, comentou suas impressões sobre a proposta de novo ensino médio, em entrevista para o portal De Olho nos Planos:
De Olho – O que mais chamou a sua atenção sobre essa nova proposta de ensino médio?
Roberto – Primeiramente, a proposta de fazer uma reforma educacional dessa envergadura por meio de medida provisória com o argumento de que o ensino médio hoje não é atrativo para os jovens. Se ele não é atrativo, parece necessário perguntar aos jovens e à sociedade qual é o ensino médio que se quer. Mas não, o que se faz é promover uma reforma sem nenhum diálogo. O que se conclui é que a expectativa real não é atender as demandas dos jovens.
De Olho – Os pontos principais são a flexibilização do currículo e a implementação das escolas em tempo integral. Você acha que essas medidas são válidas para aumentar a atratividade do Ensino Médio e melhorar a qualidade da educação nessa etapa de ensino?
Roberto – A flexibilização do currículo pode ser um caminho, mas é preciso compreender os propósitos. Como não há diálogo com a sociedade, o projeto fica restrito a uma formulação do MEC, que parece valorizar a simplificação e a formação técnica abrindo mão do ensino de Artes, da Educação Física, e colocando Português e Matemática no centro.
O fato é que não temos suficiente diálogo construído para definir o que é socialmente relevante, isto está em disputa, por isso que a BNCC acumula tantas críticas e não consegue avançar. Seria necessário continuar um processo de diálogo com a sociedade para definir o sentido da educação básica para o conjunto da população. O que se espera: formar para o mercado de trabalho? Para a cidadania? Para o exercício da democracia? Para o ingresso na carreira universitária?
Quanto ao ensino de tempo integral, ele pode também ser um avanço, mas é necessário que não seja apenas uma ampliação de jornada. É necessário um currículo pensado também em uma perspectiva integral em que a escola leve em conta as diversas dimensões do sujeito. Nesse sentido parece contraditório eliminar Artes e EF em um contexto de implementação da educação integral. Além disso, não basta a escola ser integral, é preciso que o aluno de baixa renda tenha condições de permanecer nessa escola integral sem ter que acessar o mercado de trabalho para gerar renda para a sua família, que é uma demanda dos jovens brasileiros.
De Olho – Você concorda que há uma urgência em buscar mudanças no Ensino Médio? Se sim, de que forma essas mudanças deveriam ocorrer?
Roberto – A mudança é urgente há alguns anos, mas a solução não pode ser apressada nem divorciada da sociedade. A educação é de todos e deve se construir como uma proposta em diálogo com todos e todas. O SINAEB, por exemplo, buscava redimensionar o processo de avaliação da educação básica para que fosse possível incluir outras variáveis na análise da política pública de educação. O que fez o atual governo: derrubou a portaria que instituiu o novo sistema, retornando ao modelo anterior. Ou seja, não se permitiu que novos dados pudessem iluminar de maneira mais adequada uma construção coletiva de política para o Ensino Médio.
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Reportagem: Stephanie Kim Abe
Edição: Claudia Bandeira
Foto 1: Ministro Mendonça Filho discursa durante lançamento da proposta de Ensino Médio (Crédito: Rafael Carvalho/MEC)
Foto 2: Roberto Catelli (Crédito: Bárbara Alves)
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