Após cancelamento da Conferência Nacional de Educação, organizações e pesquisadores destacam a importância de fortalecer Fóruns de Educação, bem como de seu papel de acompanhamento dos Planos de Educação
Depois de reunir quase dois milhões de pessoas, a Conferência Nacional de Educação (Conae 2014), que aconteceria em Brasília entre os dias 17 e 21 de fevereiro, foi cancelada no momento mais importante para a educação brasileira nos últimos quatro anos: a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE).
Além de ser resultado de um processo de participação popular intenso que envolveu participantes de municípios e estados de todo o país, as etapas municipais, regionais, estaduais e nacional da conferência foram programadas com o intuito de evidenciar o que a sociedade brasileira compreende ser o melhor para a educação nacional. No entanto, no último dia 24 de janeiro, o Fórum Nacional de Educação (FNE) – responsável pela organização da Conae 2014 – anunciou e lamentou o adiamento da conferência pelo Ministério da Educação (MEC).
Na análise da doutora em educação e presidenta da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Márcia Ângela Aguiar, o adiamento da conferência provocou duas consequências principais. “Ao mesmo tempo em que se tem uma frustração de todos aqueles que estão envolvidos e preparados para a Conae, há também a possibilidade de aumentar a mobilização em função da aprovação do PNE. O fato de não ter a Conae desperta uma reação tanto do Fórum Nacional de Educação, como também dos Fóruns Estaduais e Municipais”, defendeu Márcia ao citar os pronunciamentos e as cartas de repúdio divulgadas por diversas organizações após o adiamento da conferência. (Veja ao final do texto relação de algumas das entidades que divulgaram seus pronunciamentos em relação ao adiamento da conferência)
Tanto para Márcia Ângela, quanto para o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) – rede composta por mais de 200 entidades de todo o país – Daniel Cara, o Fórum Nacional de Educação precisa ter maior autonomia em relação ao MEC. “O FNE precisa ter autonomia administrativa para ser capaz de dar conta de suas deliberações próprias. O que faltou neste processo é que o Fórum ficou submetido à decisão unilateral do MEC”, disse Daniel. Já a professora destacou a oportunidade de o fórum passar a exercer um maior protagonismo na organização da conferência: “o Fórum é uma instância de representação de segmentos importantes da sociedade civil e o espaço capaz de aglutinar as forças sociais dos segmentos organizados, principalmente, os que estão empenhados na defesa de uma educação pública”.
Além do Fórum Nacional, os Fóruns Estaduais e Municipais foram responsáveis pelas etapas que antecederam a conferência que seria realizada em Brasília e, entre suas funções, devem contribuir com o acompanhamento dos Planos de Educação dos estados e municípios brasileiros. Nesse sentido, as reflexões apontadas por Daniel Cara e por Márcia Ângela também podem ser consideradas válidas para essas recém-criadas instâncias de participação. De acordo com a assessora do Programa Diversidade, Raça e Participação da Ação Educativa, Ananda Grinkraut, “para que possam exercer maior protagonismo no processo de construção e revisão dos planos locais de educação, é preciso que os Fóruns Municipais e Estaduais tenham autonomia administrativa e condições efetivas de funcionamento”.
Em nota pública, a Ação Educativa reforçou que, “mais do que nunca, é hora de fortalecer os fóruns e de disputar os sentidos e as condições efetivas para viabilizar a participação democrática”. Segundo Ananda, as condições de funcionamento dos fóruns estaduais e municipais devem garantir que possam, por exemplo, “se reunir com frequência, que todos e todas conheçam a pauta das reuniões com antecedência, que haja revezamento em sua coordenação, além das necessárias condições humanas, materiais e financeiras para que suas decisões sejam concretizadas”. (Veja nota completa divulgada pela Ação Educativa)
Planos Estaduais e Municipais
Em discussão desde 2010, o novo PNE deve contribuir com a elaboração e a revisão dos Planos Estaduais e Municipais de educação. No entanto, cada estado ou município não depende da aprovação do plano nacional para construir seus próprios objetivos, metas e propostas em conjunto com seus estudantes, mães, pais, docentes, comunidade escolar e demais interessados. (Veja no mapa quais são os municípios e estados que já possuem plano de educação).
De acordo com a presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Cleuza Repulho, o dirigente não pode usar o argumento de que o plano nacional não foi definido para justificar a não elaboração do plano municipal. Além disso, Cleuza reforçou a necessidade de articulação dos movimentos da sociedade civil: “mais do que nunca os movimentos vão ter que buscar forças para pressionar o governo e neste momento a maior pressão precisa ir sobre legislativo”.
Para Daniel Cara, o adiamento da conferência influencia mais a elaboração do Plano Nacional do que dos Planos Estaduais e Municipais. “Não vejo que tenham impactos para os Planos Municipais e Estaduais que sejam tão fortes quanto para o Plano Nacional. Na verdade, erroneamente, há municípios e estados que estão esperando a aprovação do Plano Nacional para elaborarem seus planos. Isso não é necessário”, reafirmou. Complementando a fala de Daniel, a presidenta da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), Gilvânia Nascimento, reforçou a importância de investir na construção dos Planos Municipais. “A gente continua com o plano como nosso direcionamento fundamental e, mesmo com o adiamento da Conae, ainda estamos com os planos na pauta do dia e nossas orientações e encaminhamentos não podem parar”, ressaltou Gilvânia.
A presidenta da Undime, Cleuza, chamou atenção, também, para a construção do Sistema Nacional de Educação – forma de organização da educação brasileira que pretende assegurar a articulação entre governos federal, estaduais e municipais e os setores da sociedade civil. “Já passou da hora da construção do Sistema Nacional de Educação, principalmente, por conta do regime de colaboração. O sistema é fundamental para ordenar o processo e, principalmente, induzir políticas públicas para o Brasil todo”, defendeu a presidenta, ressaltando que “o município é o que tem a maior atribuição e o que fica com a menor parte dos recursos”.
Conae e o PNE
Mas em que o adiamento da conferência influencia a tramitação do Plano Nacional de Educação? Para Daniel Cara, a Conae 2014 seria o momento oportuno para mostrar que a sociedade prefere o texto da Câmara dos Deputados e não o proposto pelo Senado. “O texto aprovado no Senado é bastante retrógrado porque retira responsabilidades do governo federal em expandir matrículas no ensino superior e na educação básica. Mesmo que ainda esteja distante, o texto da Câmara corresponde muito mais às deliberações que foram tomadas na Conae em 2010”, afirmou Daniel. (Entenda as diferenças entre o texto proposto pela Câmara dos Deputados e o texto do Senado)
Defendido pela CNDE, o texto proposto pela Câmara determina, entre outras metas, o investimento de recursos públicos exclusivamente em educação pública e a obrigação de o governo federal colaborar com estados e municípios para que estes possam alcançar os valores mínimos a serem gastos por aluno de acordo como índice do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). Ambas as determinações foram retiradas do texto do PNE no fim do ano passado pelo Senado.
Também em relação ao financiamento da educação, a presidenta da Anpae, Márcia Ângela, considerou que o adiamento da conferência se insere em um contexto de disputa por recursos públicos: “no fundo, todos nós sabemos que o PNE não foi aprovado exatamente pelas lutas das organizações que também estão no congresso. E a luta é por recursos públicos. Tem toda a complicação de estarmos em ano eleitoral e é por isso que temos de ter discernimento para não se perder com coisas secundárias e focar no que é essencial”.
Quanto à influência das eleições sobre o processo de aprovação do PNE, Daniel Cara, acredita que a disputa partidária não deve interferir nos posicionamentos da comunidade educacional: “a discussão não é simples. A comunidade educacional sabe dividir a defesa de um projeto nacional e de um projeto de educação. E, quanto ao projeto de educação, o da presidenta Dilma não satisfaz os setores da sociedade civil e isso fica claro neste processo de aprovação do PNE”.
Algumas das entidades que divulgaram seus pronunciamentos em relação ao adiamento da Conae 2014:
Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP)
Entidades científicas (Anfope, Anpae, Anped, Cedes e Forumdir)
Fórum Ampliado dos Conselhos de Educação (Uncme, FNCE e CNE)
Fórum Estadual de Educação do Ceará (FEE-CE)
Fórum Estadual de Educação do Pará (FEE-PA)
Fórum Estadual de Educação de Pernambuco (FEE-PE)
Fórum Estadual de Educação de São Paulo (FEE-SP)
Movimento de Valorização e Articulação dos Trabalhadores em Educação do MEC (Movate)
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)
Relatoria Nacional do Direito à Educação (Plataforma Dhesca) – Carta ao MEC
Rede de Educação do Seminárido Brasileiro (Resab)
União Nacional dos Estudantes (Une)
Reportagem – Gabriel Maia Salgado
Edição – Ananda Grinkraut
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” A EDUCAÇÃO É A MATRIZ UNIVERSAL DA FELICIDADE HUMANA” LUTEMOS PARA QUE O PODER PÚBLICO, SE CONSCIENTIZE !
Não podemos retroceder no tempo para fazer a conferencia nacional da educação acontecer, no entanto poderemos utilizar o tempo para fortalecer os laços de união, de mobilização e de proposição. Por isso, parabéns a campanha nacional pelo direito da educação que mantém o seu poder de mobilização promovendo em todo o país uma semana para refletir o plano nacional. E ainda é importante não esquecer no carnaval o eixo da conferencia livre: EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS , disque 100 para as violações.