O professor doutor João Monlevade reforçou a importância da participação na construção dos diagnósticos para os Planos de Educação e apontou que o Brasil possui pequena arrecadação de impostos
Em entrevista ao portal De Olho nos Planos, o professor Doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultor técnico do Senado Federal, João Monlevade, destacou a necessidade de os municípios construírem diagnósticos de demanda e de oferta no processo de elaboração de seus Planos de Educação. “Quanto mais participativo e mais autêntico for o Plano, mais se assegura sua efetividade. Plano não é para ser bonito, escrito e ficar na estante deitado. O Plano é para ser executado”, afirmou.
Além disso, Monlevade reforçou a importância da participação na construção dos diagnósticos para os Planos e explicou porque, em sua análise, o Brasil possui uma pequena arrecadação de impostos e como isso impacta no financiamento das políticas públicas. “O Imposto Territorial Rural (ITR) é um dos exemplos mais absurdos, sendo que temos 500 milhões de hectares no Brasil e a arrecadação não chega a 500 milhões de reais por ano. É R$ 1 por hectare. Neste sentido, o latifundiário deveria ser o responsável pelo financiamento pelo menos para a educação do campo”, exemplificou.
A conversa com o professor Monlevade foi realizada após sua participação na oficina sobre Planos Municipais de Educação, durante o 6º Fórum Nacional Extraordinário da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Veja abaixo a entrevista completa com o professor João Monlevade:
De Olho nos Planos (De Olho) – Como se deu a criação de Planos em nossa sociedade? E qual a sua importância?
João Monlevade (JM) – Um Plano Municipal, Estadual ou Nacional de Educação é uma política pública que é um conjunto de intenções e ações onde o poder público procura responder as necessidades, as demandas da sociedade. Só que as políticas públicas evoluem na sociedade de acordo com as próprias relações sociais, a evolução científica e tecnológica. Normalmente as políticas públicas começaram muito espontâneas, como um reflexo do que precisava e do que era feito.
Num determinado momento começou haver um conflito entre a intenção e a ação que não dava conta de chegar aos objetivos propostos. E foi quando se criaram os Planos. Na história da humanidade, os planos começam a existir como uma previsão já sistemática, científica e considerando recursos para que realmente se chegue aos objetivos.
No caso dos Planos Municipais, para ser mais concreto, os municípios são encarregados pela Constituição a atender as necessidades da população na educação infantil, no ensino fundamental e na Educação de Jovens e Adultos, por exemplo. E o que está acontecendo? Nós temos 57 milhões de brasileiros que não concluíram o ensino fundamental. Isso é sinal de que a intenção de ofertar o ensino não está sendo efetivada.
(De Olho) – E o que significa compreender os Planos com esta visão sistemática e científica?
(JM) – Ser científico é estudar efetivamente as causas do que está acontecendo. É fazer um diagnóstico científico, universal e crítico contando com a colaboração dos outros entes e das outras forças sociais para se chegar a um determinado objetivo. E aí é que se constitui a diferença entre planos de governo e planos de Estado.
Em tese, todos deveriam ser planos de Estado, mas como nosso governo não é monárquico e definitivo, ele tem mandatos e, em âmbito municipal, possui um prefeito que faz planos para seus quatro anos de gestão. Se conseguir chegar naquilo tudo bem, senão diz que “forças ocultas não deixaram”.
(De Olho) – Em sua apresentação, o senhor destacou a importância de diagnósticos científicos de demanda e de oferta na elaboração dos Planos de Educação. Qual a importância desse caráter científico para os Planos e qual a diferença entre estes dois diagnósticos?
(JM) – Para a elaboração do Plano temos várias metodologias e qualquer uma delas passa pelo diagnóstico, que é o estudo da demanda e de como está sendo enfrentada esta necessidade, que é a oferta na escola, no sistema escolar, no currículo, pelo professor etc.
O diagnóstico da demanda serve para saber se aquele sujeito de direito está sendo atendido. Em casos como o da EJA este atendimento é terrível, com três milhões de matrículas para 57 milhões de sujeitos de direitos. Para o diagnóstico científico da demanda é necessário fazer um recenseamento de todos os que precisam daquele direito e é importante que ele seja censitário e não por amostragem, como é garantido no parágrafo 1º do artigo 5º da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] em que se diz que o poder público deve “recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica”.
Já o diagnóstico da oferta é mais fino e tem sido mais difícil de ser realizado para além das conferências, com o objetivo de saber o porquê a alfabetização não está dando certo, quais são os problemas de currículo no ensino médio e de gestão. A cientificidade na hora do diagnóstico tanto na oferta quanto na demanda obriga que os gestores municipais tenham conhecimento e que apliquem estes conhecimentos.
No diagnóstico da oferta aí sim é fundamental a participação. Não fazer um diagnóstico por meio do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], através de prova, mas através de discussões coletivas: diagnosticar a educação infantil com as mães, os pais e chamando as crianças para saber se são felizes na escola desde criancinha. Quanto mais participativo e mais autêntico for o Plano, mais se assegura sua efetividade. Plano não é para ser bonito, escrito e ficar na estante deitado. O Plano é para ser executado.
Assista à fala do professor João Monlevade sobre a importância da participação na construção dos diagnósticos para os Planos de Educação:
(De Olho) – Durante a oficina, o senhor afirmou que há uma subarrecadação de impostos no Brasil. Como se dá essa subarrecadação e quais são as alternativas para superá-la?
(JM) – Este é um de nossos grandes problemas e temos uma arrecadação real muito menor que nossa arrecadação potencial. Atualmente, arrecadamos só um terço do que poderíamos e, desta forma, teoricamente, só é possível atender a um terço de demandas como as da educação e da saúde. O Imposto Territorial Rural (ITR) é um dos exemplos mais absurdos, sendo que temos 500 milhões de hectares no Brasil e a arrecadação não chega a 500 milhões de reais por ano. É R$ 1 por hectare. Neste sentido, o latifundiário deveria ser o responsável pelo financiamento ao menos para a educação do campo.
Mas a subarrecadação não é só do ITR, mas também dos outros impostos. No Brasil há uma choradeira de que se paga muito imposto, mas quando analisamos o Imposto de Renda, por exemplo, o máximo que se paga é 27,5%. É a menor alíquota do mundo. Quem ganha 30 mil reais nos EUA paga 40% e, na França, paga 50%.
(De Olho) – E qual é a dimensão desta subarrecadação no financiamento das políticas públicas brasileiras?
(JM) – Você já ouviu falar de impostômetro e de sonegômetro? O sonegômetro do ano passado chegou a R$ 450 bilhões e os impostos chegaram a um tri. Ou seja, quase metade foi sonegada. E a sonegação é não pagar o imposto cobrado, mas há outras coisas muito mais sérias.
Todo dia, exportamos 1.200 vagões de minério de ferro por meio da estrada da Vale do Rio Doce, pelo Espírito Santo. Sabe quanto se paga disso? Zero! Não se paga nada por tudo o que a gente exporta de soja, de milho, de carne de frango e celulose. Como vai obter 25%* de zero?
Hoje no Brasil a gente teria condições de arrecadar quase três trilhões de reais. Isso no geral. E estamos arrecadando um trilhão e meio. Poderíamos ter 600 bilhões para a área da educação, o que seria equivalente a 12% do PIB.
*Em seu artigo 212, a Constituição Federal (CF) de 1988 determina que os estados, o distrito Federal e os municípios devem aplicar anualmente vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. No entanto, o parágrafo 1º do artigo 153 da CF possibilita ao poder executivo federal que atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, altere as alíquotas de determinados impostos.
**Imagem 1: Divulgação Undime
Reportagem – Gabriel Maia Salgado
Edição – Ananda Grinkraut
Um abraço para o Sr.
eva e camilo
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