A Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai, destaca que o Teto de Gastos dificulta a capacidade do país de implementar o Plano Nacional de Educação (PNE) e de enfrentar a pandemia de COVID-19
A Prêmio Nobel da Paz Malala Yousafzai enviou ontem (28/5) aos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) uma carta solicitando a suspensão da Emenda Constitucional 95, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, que estabeleceu o chamado Teto dos Gastos. Na carta, Malala pede para que os Ministros e Ministras avaliem a constitucionalidade da Emenda diante da nova realidade social e econômica.
Veja a carta de Malala na integra
Defensora do direito à educação de meninas e do aumento do financiamento educacional para a educação pública, Malala manifestou em sua visita ao Brasil, em julho de 2018, grande preocupação com os cortes de recursos públicos que vem inviabilizando a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), lei 13.005/2014 aprovada pelo Congresso Nacional, fruto de um esforço suprapartidário, que contou com forte participação da sociedade civil. A lei do PNE estabeleceu metas para o período 2014-2024 com o objetivo de ampliar a garantia ao direito humano à educação de qualidade: das creches à pós-graduação. Atualmente, o Plano foi completamente abandonado pelo governo federal.
A proposta da carta partiu de demanda do grupo de organizações de educação apoiadas pelo Fundo Malala no Brasil. São elas: Ação Educativa (SP), Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAI (BA), Centro de Cultura Luiz Freire (PE), Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (PE), Centro das Mulheres do Cabo (PE), Odara – Instituto da Mulher Negra (BA) e Redes da Maré (RJ).
As entidades vêm se somar ao pedido de suspensão imediata da EC95 apresentado pela Coalizão Direitos Valem Mais em 18 de março à Ministra Rosa Weber. Integrada por 192 instituições, a Coalizão é constituída por Conselhos Nacionais de Direitos, redes, plataformas, organizações da sociedade civil, entidades sindicais e instituições acadêmicas e atua pelo fim da Emenda Constitucional 95 e por uma Nova Economia que retome o financiamento das políticas sociais e ambientais no país.
EC95: a destruição de um país
Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 constitucionalizou a política econômica de austeridade por vinte anos, estabelecendo a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
A EC95 instituiu o chamado Novo Regime Fiscal, estabelecendo uma regra para as despesas primárias do Governo Federal com duração de 20 anos e possibilidade de revisão – restrita ao índice de correção – em 10 anos. Pela regra, o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante máximo do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, em 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc, da Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.
Pelo fim do Teto de Gastos
No mês de março (17/03), as entidades reunidas na coalizão Direitos Valem Mais entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95/16. No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.
No início de abril (13/04), a coalizão lançou um alerta sobre a absurda priorização do sistema financeiro sem contrapartida na PEC do Orçamento de Guerra, que está em tramitação no Congresso.
Já em 23 de abril, a derrubada do Teto de Gastos foi recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma das entidades da coalizão. A partir da análise do orçamento público, a pesquisa demonstra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
Na semana passada (29/04), especialistas da ONU emitiram um novo comunicado ao governo brasileiro em que afirmam que a política econômica do país tem colocado “milhões de vidas em risco”. Para que seja possível enfrentar a pandemia, eles recomendam o fim das políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e o aumento o investimento no combate à desigualdade.
No inicio de maio, a Coalizão entregou à Ministra Rosa Weber um amplo estudo sobre os impactos da EC95 na pandemia e no cenário pós pandemia e lançou um Apelo Público ao STF. O documento respondeu a um pedido de informação da Ministra ao governo federal sobre os impactos do Teto dos Gastos no enfrentamento da pandemia. O governo federal também entregou sua resposta, ignorando completamente as informações do Conselho Nacional de Saúde, demandadas pela Ministra Rosa Weber.
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O Brasil tem grandes dimensões territoriais, diversidades culturais, tem um sistema público de saúde que é referência em muitos aspectos, no entanto, temos questões tão básicas e ainda não resolvidas em aspectos sociais e econômicos. É nítido e escancarado o que a pandemia mostrou ao mundo, o Brasil é uma colcha de retalhos, fragmentado, colonizado e que marginaliza os mais vulneráveis. Tem histórico e produção internacional reconhecida mas que não consegue minimizar as diferenças sociais e que a cada dia deixa de lado direitos humanos, acesso à saúde e educação uma população tão jovem.