PFDC declara inconstitucional o modelo de notificação extrajudicial que proíbe discussão de gênero nas escolas

De acordo com o órgão do Ministério Público Federal, o documento que circula pela internet é discriminatório e viola direitos da criança e do adolescente

 

Representantes das organizações da sociedade civil Ação Educativa, Geledés, Ecos, Cladem, CFEMEA, ABGLT e Campanha Nacional pelo Direito à Educação entregam representação à PFDC, em junho de 2016 (Crédito: Divulgação/Gênero e Educação)

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, divulgou na última sexta-feira (17/03), uma nota técnica sobre um modelo de notificação extrajudicial divulgado na rede que pretende proibir a discussão de questões de gênero e sexualidade nas escolas. A nota aponta que o modelo de notificação “incorre em inconstitucional discriminação ao referir-se de forma preconceituosa à homossexualidade, bissexualidade e transsexualidade (…) como critério para a diferenciação entre o que deve e o que não deve ser falado em ambiente escolar”.

“A censura a assuntos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero nas escolas constitui grave obstáculo ao direito fundamental de acesso e permanência de crianças e adolescentes na escola, pois contribui para um ambiente hostil no qual as diferenças não são respeitadas, dificultando o aprendizado e o processo de socialização”, ressalta a PFDC.

Acesse a nota técnica na íntegra aqui

A nota técnica é resultado de um Processo Administrativo instaurado para analisar e tomar providências cabíveis com relação a um vídeo e modelo de “notificação extrajudicial” de autoria do Procurador Regional da República Guilherme Schelb. Esse material vem sendo divulgado em sites e redes sociais, no âmbito de programa “Proteger– Programa Nacional de Prevenção da Violência e Criminalidade Infanto-Juvenil”, coordenado pelo próprio Guilherme. A notificação é dirigida a diretores de escolas e professores e afirma que, caso “insistam” em apresentar conteúdos sobre sexualidade e gênero em sala de aula, poderão ser judicialmente processados.

Nas conclusões da nota técnica, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão deixa clara a diferença entre a educação informal e a educação formal, e que “na organização dos sistemas de ensino, o Estado pode perseguir seus próprios objetivos educacionais na escola, em princípio independentemente dos pais”.

“Especificamente no âmbito da educação formal, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante aos pais ou responsáveis o direito de “ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais” (art. 53, parágrafo único, da Lei 8.069/9011). O verbo “participar”, empregado pelo texto legal, claramente indica o caminho da discussão democrática das propostas pedagógicas, no lugar do atalho autoritário das “notificações extrajudiciais”. Vê-se, deste modo, que, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, nenhum direito tem o autor da notificação de unilateralmente obrigar todo o projeto pedagógico escolar a se moldar à sua visão de mundo”, diz o documento.

A nota técnica também discorre sobre os princípios internacionais que tratam do direito à educação da criança e do adolescente e da orientação sexual e de identidade de gênero, que determinam que “os Estados, no dever de garantir o direito à igualdade e a não-discriminação, implementem todas as ações apropriadas, inclusive programas de educação e treinamento, com a perspectiva de eliminar atitudes ou comportamentos preconceituosos ou discriminatórios, relacionados à ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer orientação sexual, identidade ou expressão de gênero”.

A nota foi encaminhada para diversos órgãos e entidades governamentais, estudantis e da sociedade civil interessados no tema, entre eles o Ministério da Educação, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), as comissões de Direitos Humanos e de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), os Procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão e Procuradores do Cidadão com atribuição em matéria de educação e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).

As organizações da sociedade civil Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Ação Educativa, Geledés, Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), ECOS e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) estiveram à frente da representação entregue ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Aurélio Rios, em junho de 2016, para solicitar investigação sobre esse e outros casos de grupos religiosos fundamentalistas e de conservadores refratários à agenda de direitos humanos junto às escolas e gestões municipais e estaduais de educação.

*Com informações da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão 

 

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