Processos Participativos

Processos participativos são formas de gestão política que ampliam o processo de tomada de decisão da sociedade, entendendo que a democracia não se dá apenas nos pleitos eleitorais, de quatro em quatro anos, mas também na construção das bases orientadoras da política, na definição de prioridades e controle social de sua implementação.

A legislação brasileira, após a Constituição Federal de 1988, assegurou diversas possibilidades de participação na gestão pública, de maneira geral, e na gestão educacional, de forma específica. Os conselhos de políticas públicas, as conferências, audiências e consultas públicas são exemplos de processos participativos previstos na legislação.

A ampliação dos processos participativos está pautada pelos princípios da inclusão, do pluralismo e da justiça social, buscando responder problemas não resolvidos pela democracia representativa, ou seja, a não representação de vários interesses existentes na sociedade. Apesar de vivermos em uma democracia, o acesso aos serviços de garantia dos direitos sociais, por exemplo, ainda não se dá de forma equitativa em nossa sociedade. Os processos participativos, neste contexto, podem captar interesses e informações por vezes não percebidos nos processos representativos, embora fundamentais para garantir os direitos dos cidadãos.

Se por um lado os processos participativos são importantes para captar melhor as demandas, interesses e problemas sociais, por outro, permitem a formação dos cidadãos, ampliando a visão acerca da realidade, bem como dos aspectos que limitam ou facilitam a ação dos governos.

Pode-se dizer então que a participação na gestão educacional pode viabilizar para os gestores, um melhor conhecimento das demandas sociais, dos problemas e potencialidades das ações e programas implementados. Ao mesmo tempo, a população amplia sua compreensão sobre os processos educacionais, os limites e desafios enfrentados pela gestão local, regional ou nacional, além de permitir o controle social da gestão pública e o fortalecimento da cidadania.

No guia Transição municipal, pandemia e Planos de Educação elencamos sete orientações para avançar na implementação dos Planos de Educação, garantindo melhoria na qualidade da educação para todas e todos e a redução das desigualdades educacionais, acirradas ainda mais em um contexto de pandemia Covid-19. O guia foi pensado especialmente para o momento de transição das gestões educacionais, momento desafiador para que os Planos sejam cumpridos.

O desenvolvimento de um processo participativo amplo e democrático no município ou estado para a construção, revisão e monitoramento dos Planos de Educação, previstos na legislação educacional brasileira (CF/1988, LDB/1996 e PNE/2001 e PNE/2010), exigem planejamento e organização. É preciso garantir condições reais de participação, ou seja, que as pessoas, grupos e instituições sejam ouvidos; sejam informados sobre os processos, eventos e reuniões que devem ocorrer em horários e locais acessíveis e que as demandas e propostas possam ser consideradas no Plano de Educação e/ou em outras ações e medidas da gestão educacional destinadas à melhoria da qualidade.

Destacamos que não há receitas prontas para a realização de processos participativos. O desenho das etapas e a escolha das metodologias utilizadas dependem dos objetivos que se quer atingir. É fundamental que tais opções sejam analisadas e discutidas considerando a realidade de cada município e estado. O planejamento e a organização de processos participativos devem buscar sempre estimular a participação popular e garantir a igualdade de condições na participação, atuando – sobretudo – para que grupos mais discriminados e setores da população mais impactados pelas desigualdades sociais possam participar ativamente do processo. É necessário considerar no desenho tais disparidades de renda, gênero, raça, etnia, presença de deficiência, orientação sexual, origem regional ou nacional, entre outras, e atuar sobre elas.

Para muitos desses grupos, por exemplo, o horário inadequado das reuniões, os custos de transporte e alimentação para o deslocamento às atividades participativas ou a necessidade de apoio para o cuidado dos filhos e filhas – sobretudo para as mulheres – constituem alguns dos entraves enfrentados para a participação em reuniões, encontros ou plenárias. Estas questões devem ser consideradas no desenho do processo, prevendo-se ações e condições que aumentem as possibilidades de mais pessoas participarem, como a possível garantia de alimentação e transporte para determinados grupos ou realidades locais e de salas de acolhimento para crianças a fim de que mães, avós e demais familiares possam participar do processo. Salas que contem com apoio necessário de cuidadores/as, recreacionistas ou educadores/as.

No caso das pessoas com deficiência, devem-se considerar as condições de acessibilidade do processo como um todo, levando-se em conta os diferentes tipos de deficiência. Em muitas áreas rurais e florestais, as distâncias e a falta de transporte comprometem a participação de muitas comunidades. É necessário formular respostas para essas situações a fim de garantir condições para a maior participação possível.

Associadas às condições materiais da participação, é importante levar em conta – no desenho metodológico – espaços participativos que não se esgotem em grandes plenárias. Muitas pessoas enfrentam dificuldades de se expressar em grandes grupos ou não se sentem capazes ou dotadas de conhecimentos ou informações que importam ao processo. Sentimento que decorre em grande parte da cultura autoritária que marca as relações sociais no país e que historicamente sempre desqualificou as manifestações e atuações de setores populares e discriminados. É necessário buscar alternativas metodológicas que estimulem as pessoas a se expressarem e combinem o debate em pequenos grupos com o das plenárias, abrindo diferentes canais para que cidadãos e cidadãs registrem suas demandas e propostas, a partir de suas experiências de vida, necessidades cotidianas e expectativas e conhecimentos da realidade.

No Guia A Construção e a Revisão Participativas dos Planos de Educação você encontra referenciais, indicadores de participação efetiva e orientações para estimular a participação da sociedade civil e a instituição de processos participativos pela gestão educacional.

Para que o Plano de Educação seja um instrumento que possibilite a melhoria da educação no município/estado é necessário mobilizar o debate público e a participação popular e mostrar que tudo isso pode gerar avanços concretos para a vida da população. Manter “vivo” o processo é um desafio de todos e todas. Faça parte desta iniciativa! Qual o seu plano?

Uma das etapas fundamentais para a elaboração de um Plano de Educação que responda aos desafios de um município ou estado é a construção de um bom diagnóstico da situação educacional, que aborde os problemas, os desafios, os acúmulos e as possibilidades presentes no território. Um diagnóstico que capte também as dificuldades, experiências e ideias das pessoas que fazem diariamente o atendimento educacional acontecer em milhares de unidades educacionais do país e que vivem, no cotidiano, os impactos das decisões tomadas pela gestão pública.

Para compor um diagnóstico da situação educacional de um município ou estado, a avaliação realizada de maneira participativa envolvendo a comunidade escolar é fundamental, na medida em que, ao ocorrer a partir dos locais de ensino, é mais sensível às necessidades imediatas da rede municipal/estadual e das comunidades.

Nesse sentido, recomenda-se aqui a leitura de uma proposta de uso da coleção Indicadores da Qualidade na Educação na elaboração de Planos de Educação, especialmente, no que se refere à construção de diagnósticos participativos das redes de ensino, ao levantamento de propostas provenientes das comunidades escolares e ao seu uso posterior na avaliação e monitoramento da implementação das metas dos Planos.

Conheça a proposta!

Acreditamos profundamente que as crianças e adolescentes têm muito a dizer sobre a educação de nosso país e sobre como podemos melhorá-la no cotidiano de escolas e em espaços não formais de educação (centros esportivos, espaços culturais, organizações não governamentais etc.).

As crianças e os adolescentes colocam o desafio de enxergarmos a educação da forma como ela se dá na vida real, ou seja, como algo intrinsecamente conectado aos outros direitos humanos, entre eles, à saúde, à alimentação, ao cuidado, ao ambiente seguro, à moradia digna, etc. Colocam também o desafio de uma política educacional que seja formulada e desenvolvida de maneira a considerar outros importantes direitos das crianças e adolescentes como o de brincar, o de interagir com outras crianças e adolescentes, o de não ser discriminado, o de descobrir, se aventurar e reinventar o conhecimento humano, o de viver em um planeta sustentável e o de ocupar o espaço público sem medo.

Considerando a importância da participação de crianças e adolescentes nas políticas públicas e, em especial, na construção, revisão e monitoramento de Planos de Educação, e que essa participação exige cuidados e preparação prévia, elaboramos a publicação A participação de crianças e adolescentes e os Planos de Educação. Essa publicação aborda princípios, orientações e cuidados a serem considerados em processos voltados a estimular a participação de crianças e adolescentes, além de um conjunto de experiências participativas desenvolvidas no país. Apresenta sugestões de atividades a serem desenvolvidas por educadores e educadoras sobre o Plano de Educação e propostas para tornar tal participação algo permanente.

Este material nasceu de experiências desenvolvidas pela Ação Educativa junto a crianças e adolescentes no marco dos debates sobre a construção do Plano de Educação do Município de São Paulo, apoiadas pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescentes da cidade (2011) e Instituto C&A.

Conheça a publicação!

Pensando em dar suporte às escolas para que possam envolver crianças e adolescentes no monitoramento dos Planos de Educação, a iniciativa De Olho nos Planos desenvolveu o jogo De Olho na Escola.Trata-se de um jogo que estimula o debate com crianças e adolescentes sobre a escola que temos, a escola que queremos e como podemos juntos(as) atuar pela melhoria da sua qualidade. Simples e divertido, ele pode ser utilizado em processos participativos para aquecer a discussão sobre a construção de diagnósticos e o levantamento de propostas para as escolas e para o monitoramento participativo dos planos de educação do município, do estado e do país. Assim, o protagonismo das crianças e dos adolescentes é estimulado da forma que eles mais gostam: brincando!

Baixe o jogo completo agora, imprima-o, distribua-o na sua escola e estimule de forma lúdica esse debate com os seus alunos e suas alunas!

Quando são formulados, planejados e organizados processos participativos ou se pressiona politicamente pela instalação deles, algumas questões se colocam: quais as noções de participação em questão? Qual o lugar da participação na agenda dos governos? Até onde vai o compromisso com esses processos? Qual o investimento efetivo nos processos (transparência, formação de cidadãos, tratamento amigável da informação, procedimentos, orçamentos, capacidade de escuta e disponibilidade para a crítica etc.)? E quem é chamado e considerado “legítimo” para participar?

Muitas vezes os processos participativos são desenvolvidos a partir de noções de participação e objetivos que comprometem o seu sentido mais amplo, voltado à transformação da realidade social a partir de princípios de autonomia, igualdade, respeito à diversidade de incidência, entre outros. Muitas vezes, partem de uma concepção “não assumida” de que a participação popular pouco ou nada tem a contribuir para o campo das políticas públicas ou de que a participação é uma “concessão” do poder público e não um direito da população.

Na constituição desses processos, deve-se ficar atento e evitar as seguintes noções, que podem aparecer combinadas na realidade concreta das experiências sociais:

Participação figurativa – a partir dela, os processos participativos acontecem, é estimulada a mobilização da sociedade, acontecem eventos e atividades, mas pouco ou nenhuma atenção é dada às propostas e aos resultados dos processos. Tal participação pouco ou nada impacta o processo de tomada de decisão das metas dos planos de educação e de outras ações ou políticas do poder público, mas é exibida como grande fato político.

Participação controlada – a preocupação aqui reside em controlar ao máximo a escolha de quem pode participar e os conteúdos que podem ser abordados no processo participativo, incidindo explicita ou implicitamente para excluir grupos ou pessoas ou coletivos que possam trazer críticas ou expor divergências que “atrapalhem o bom andamento do processo”. Muitas vezes o processo participativo já nasce de um mapeamento de quem é “aliado” e de quem é “adversário”.

Participação colaborativa – nessa perspectiva, um dos verbos mais utilizados é o “ajudar” e se esvazia a dimensão política dos processos. Entende-se que a participação deve ser mobilizada para que a sociedade colabore com o Estado na implementação de políticas e prioridades já definidas previamente, ou seja, as quais não estão em questão nos processos participativos. Muitas vezes, tal perspectiva é associada a propostas que defendem o enxugamento do Estado e o repasse da execução de políticas públicas para determinados setores sociais.

Participação consultiva – diferente da participação figurativa, aqui estão abertos canais e espaços de diálogo entre Estado e sociedade civil a partir do reconhecimento da dimensão política dos processos participativos. O discurso é bastante assertivo com relação aos princípios democráticos, mas há uma imensa dificuldade de traduzir as deliberações e resultados dos processos participativos em influência na tomada de decisão e em operacionalidade para dentro das políticas públicas. Em decorrência disso, muitas vezes, tais processos e espaços funcionam como “colchões” de amortecimento de conflitos sociais.

Participação burocrática – a partir dessa noção, realiza-se e cumpre-se os rituais participativos de forma burocrática, “como exige a lei”, sem sentido político ou consequência prática na tomada de decisão. A abertura é mínima para dialogar com os resultados do processo e incorporá-los no diagnóstico ou traduzi-los em mudanças nas políticas públicas. Também não há compromisso com a continuidade e nem com a articulação de tais processos com o fortalecimento de instâncias participativas.

Indicadores

A seguir, apresentamos alguns indicadores, em forma de perguntas, para contribuir com a autoavaliação dos processos participativos por parte de sociedade civil, comunidades escolares e gestores educacionais.

• Os processos participativos do município ou estado foram formulados, organizados e desenvolvidos a partir da noção de direitos e não de “concessão”?

• Os processos participativos foram planejados a partir de condições institucionais adequadas e de previsão orçamentária?

• Os processos participativos foram coordenados por uma comissão, fórum ou colegiado com legitimidade e pluralidade políticas, comprometido com o desenvolvimento de processos amplos e democráticos?

• Relevância social – Os processos participativos foram formulados e organizados para garantir a discussão de questões importantes, necessidades concretas, expectativas e propostas da população?

• Os processos participativos tiveram abrangência e diversidade de atores envolvidos?

• Os processos participativos foram divulgados amplamente junto às comunidades escolares e à população em geral?

• Os processos participativos foram desenvolvidos com metodologias amigáveis e acessíveis, apresentando um leque de possibilidades, formas e espaços de participação à população que considere as diversidades e desigualdades sociais existentes?

• Os processos participativos garantiram possibilidades de participação nas diferentes regiões, bairros, distritos e áreas rurais/florestais do município ou estado?

• Foram garantidas condições de acesso democrático a informações educacionais?

• Os resultados do processo participativo influenciaram a construção do diagnóstico e a tomada de decisão sobre as metas do Plano e sobre outras medidas e políticas desenvolvidas pela gestão educacional?

• O Legislativo Municipal ou Estadual e o Ministério Público foram envolvidos nos processos participativos?

• Os processos participativos foram desenvolvidos na perspectiva de contribuírem com o fortalecimento permanente da gestão democrática (processos permanentes e instâncias da escola às políticas públicas)?

• Os processos participativos foram desenvolvidos abrangendo o território do município e estado (a articulação de todo o atendimento educacional existente no município ou estado da creche à universidade, das diferentes redes de ensino e da iniciativa privada)?

• Os processos participativos foram desenvolvidos visando à articulação das políticas educacionais com outras políticas públicas comprometidas com o desenvolvimento do município ou estado a partir da perspectiva dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental?

• Os processos participativos foram desenvolvidos como espaços políticos de debate, explicitação de conflitos e divergências e de negociação cidadã comprometida com o bem comum, o interesse público e o enfrentamento das desigualdades?